Capítulo 09: Memórias | Conto: Paixão Secreta | Temporada: 4ª

MEMÓRIAS capítulo nove

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M

eu psicólogo, o Dr. Jeffrey Wolf, entrou na sala com um sorriso no rosto. Parece que ele estava feliz em me ver. Seus olhos verdes entravam em contraste com as cores de sua sala. As paredes em alaranjado combinavam com o outono do lado de fora da Janela.

 - olá Mike – falou ele se aproximando.

Me levantei e apertei sua mão.

- me dá um abraço – falou ele me puxando e me dando um abraço – você está bem?

- acho que não, tive que viajar para o outro lado do país para não ser preso – falei em tom de brincadeira. Tentando deixar a conversa um pouco informal.

- o que está achando de Boston? – falou ele se sentando e sinalizando para que me sentasse na poltrona a sua frente.

- é realmente muito bonito. O outono lá em San Diego é tão deprimente. Bem diferente daqui.

- a propósito, esse é meu velho consultório.

- me desculpa. Você se mudou daqui para evitar lembranças e minha aura maléfica obrigou a você voltar.

- você está certo. Esse lugar é cheio de lembranças ruins, mas a pessoa que trouxe comigo está me ajudando a preencher essas lacunas entre essas lembranças com novas lembranças.

- por falar nisso, Steve está bem?

- está sim. Ele mandou um abraço. Ele espera te encontrar.

- não acho que seja uma boa ideia.

- porque?

- a sessão já começou?

- a partir do momento em que eu entrei.

- ok… como você deve saber eu tenho o toque de midas. Tenho o dom de transformar tudo em ouro quando todo, mas você sabe muito bem como termina essa história né? Nem tudo o que reluz é ouro.

- Não entendo o que tem a ver com o Steve.

- bom, Steve foi um dos primeiros nesse circulo, quer dizer… ciclo vicioso.

- Você não citou Adam.

- isso porque Adam não se afastou de mim. Apesar de tudo o que fiz ele continua no meu pé, se é que se pode dizer assim.

- você tem raiva de Vincent.

- não. Pelo contrário. Ele foi sincero e me disse exatamente o que ia fazer. Ele falou sobre suas sentimentos e eu falei sobre os meus, mas como ele mesmo disse: a família em primeiro lugar.

- você tem uma coisa por família né?

- sim. É o que um homem faz. Ele ficou do lado do filho antes de tudo. Eu o admirei por fazer tal coisa. Ele disse que me amava, mas que esse relacionamento não seria bom a longo prazo. Nós demos um último beijo e já faz sete dias desde então.

- porque você não fica com Adam?

- porque ao contrário de Vincent, Adam me coloca acima de tudo. Até de seus filhos e isso eu não aceito. Além do mais ele não é gay.

- como você pode ter certeza disso?

- porque ele mesmo me disse.

- Eu sou bissexual Mike. Sabe quanto tempo eu levei para dizer isso? Não é mais fácil só porque gosto de mulher. Admitir que é bissexual é tão difícil para mim quanto é chocante para todos ao meu redor. Já parou pra pensar que talvez, eu digo “talvez”, Adam esteja se aceitando? Por mais que vocês sejam casados e partilhem uma vida, para ele deve ser difícil admitir que gosta de homens.

- mas o mundo todo sabe. O mundo todo viu ele perdendo a virgindade comigo… se é que me entende.

- a aceitação não vem de fora. Vem de dentro. você está tão preocupado com o que as pessoas pensam que talvez não tenha dado atenção ao que ele pensa de si mesmo. Não me entenda mal, não estou pedindo que volte com ele ou que o aceite de volta. Só estou pedindo para que encerre esse capítulo de uma forma amigável. Converse com ele, deixe ele saber que está tudo bem se assumir. Ajude-o a se aceitar.

- você está certo. Estou tão preocupado com o que sinto que acabei esquecendo de como ele se sente.

- exato – falou Jeff tomando um copo de água e colocando seus óculos. Ele olhou em minha ficha e depois olhou para mim – sobre seu pai…

- não quero falar sobre isso…

- talvez você devesse.

- não insista.

- eu vou insistir até você se abrir.

- Você não deveria me deixar confortável o suficiente? E depois de sei lá… cinquenta sessões eu finalmente me sentir livre para falar sobre o que não quero?

- você quase matou duas pessoas Mike. Você não tem mais tempo. Tenho medo de que você perca a razão outra vez. O que você fez… foi surreal. Você quase matou duas pessoas em plena luz do dia em uma rua movimentada.

- eu sei… eu já disse que sinto muito. Não sei o que deu em mim.

- Nem Adam e nem seu pai…

- Larry.

- ok. Nem Adam e nem Larry prestaram queixa. Você não acha que esse seja um sinal de que no fundo Larry ainda te ama?

- ele deixou bem claro que não. Tenho certeza de que ele só não deu queixa porque não queria incrementar mais ainda a lista de coisas que ele terá que explicar para sua querida filha.

- notei que você já não chama ela de irmã. Ou de Rachel.

- ele não é meu pai, sendo assim ela também não é minha irmã.

- e seu pai biológico? Como se sente em relação a isso.

- bem.

- você já conheceu sua mãe? Ou seu irmão? Seu avô?

- não.

- porque não?

- tenho medo de…

- de que?

Hesitei por alguns segundos.

- tem medo de que sua aura maléfica danifique-os?

- não. Tenho medo de surtar outra vez. Não quero correr o risco de fazer mal a algum deles.

- Então você os ama o suficiente para afastá-los?

- sim.

- você não acha que isso é decisão deles?

- como assim?

- eles te conhecem. Eles sabem tudo sobre você. Se alguém deve decidir se deve ficar afastado são eles e pelo o que fiquei sabendo foi seu pai biológico… - Jeff procurou pelo nome dele em um dos jornais – Raymond.

- Ray. Pode chama-lo só de Ray.

- ok, Fiquei sabendo pelos jornais que Ray foi o único que conseguiu fazer você voltar a razão.

- foi. Ele me abraçou e eu larguei a faca.

- você não devia ter medo. Se seus familiares conhecem você e mesmo assim ainda estão de braços abertos, você devia dar uma chance a eles.

- eu sei que devia, mas é como te disse, eu tenho medo de fazer alguma coisa com eles. Eu andei pesquisando na internet e muitos assassinos começaram como eu. Um surto, depois outro e quando todos perceberam já era tarde demais. A família estava toda morta.

- internet não é consultório Mike. Você não pode simplesmente ler um depoimento na internet e dizer: Esse sou eu. O meu trabalho é te diagnosticar. O que eu decidir aqui ficará com você pelo resto a vida. O juiz me deu poder de determinar se você é um perigo para a sociedade ou se você é capaz de viver em comunidade outra vez.

- por mim eu iria ficar internado pelo resto da vida. Não sei como conviver com isso.

- conviver com o que?

- eu quase matei duas pessoas.

- quase.

- sim, mas eu sinto como se tivesse feito. Eu fico imaginando todas as pessoas que afetaria. Eu deixaria quatro crianças órfãs de pai. Eu causaria a elas a mesma dor que tenho sentido nos últimos anos.

- Mike, você é a pessoa que mais teve pais em uma vida inteira: Larry, Stephen, Roman e agora Ray.

- sim, mas você não está entendendo onde quero chegar. Eu ainda gosto de Adam, mas eu abri mão de ficar com ele porque não quero afastá-lo do filho. Eu quase fiz isso semana passada.

- Você se preocupa mesmo com o filho de todos não é?

- sim. Rachel ficaria sem pai. Os filhos de Adam ficariam sem pai. Eu me odeio por isso. Eu mal durmo a noite pensando no que quase fiz. Não me importo com o que todos pensam de mim. Como você disse: A aceitação não vem de fora, mas de dentro. Eu não estou conformado com o que aconteceu. Eu não me aceito mais. Eu não consigo me olhar no espelho. Faz sete dias que não consigo me olhar no espelho porque tenho medo do reflexo – falei tremendo e suando frio. Eu tinha vontade de me machucar sempre que pensava nisso. Eu mordia meu lábio de ódio de mim mesmo e acho que Jeff percebeu.

- ok. Vamos dar uma pausa nesse assunto.

- sim.

- bebe um pouco de água.

- obrigado – falei pegando a água e bebendo tudo rapidamente.

- o que você sente em relação ao Stephen?

- o que exatamente?

- respire fundo.

Eu respirei fundo fechando os olhos e depois abri.

- agora me diga: o que sente quando pensa em Stephen. O que vem a sua mente.

- um homem bom. Um homem complexo que sabe o que quer, mas não sabe como chegar até lá.

- você votaria nele nas eleições? Você conviveu com ele, você tem uma relação com ele. Eu sei que o voto é secreto, se não quiser me responder não precisa.

- sim.

- porque?

- porque ele é bom quando quer.

- e Roman?

- não vejo ele a mais de seis meses. Ele ficou meio bolado com a história de ser meu pai.

- mas agora que ele sabe? Não entrou em contato com você?

- não. Mas com tudo o que está acontecendo não acho estranho. Gostaria de vê-lo outra vez. Ele é uma pessoa muito boa quando quer.

- Felix. Podemos falar sobre ele?

- podemos.

- o que você sente por ele? raiva? amor? algo?

- nós nos conhecemos, nos apaixonamos, ele levou um tiro, entrou em coma e morreu. Não tem muito o que falar. Nós iriamos nos casar, ele iria se separar de sua esposa e nunca teve a chance.

- não vê que isso te afetou?

- não.

- você é inteligente Mike – falou Jeff – eu já te disse isso na nossa última consulta. Você, inconscientemente, todos esses anos tem procurado por alguém que seja o Felix e você nunca vai conseguir. Você ficou tanto tempo esperando por alguém como ele que acabou esquecendo de aproveitar a companhia de quem estava com você.

- talvez.

- você precisa superá-lo. Acho que você ainda não conseguiu. Talvez depois desse colapso nervoso que você teve, talvez agora você consiga seguir com a sua.

- isso é muito tocante Jeff, sem querer ofender, mas eu ainda não acho que estou pronto para viver em comunidade. Não depois do que fiz.

- você continua dizendo que você fez.

- sinceramente? Não sei como os assassinos conseguem viver sabendo que acabaram com a vida das pessoas. Eu cheguei perto de acabar, não o fiz e mesmo assim me sinto sujo e arrependido.

- isso é bom. Significa que você está mais pronto do que pensa – falou Jeff tomando o último gole do copo, finalizando com a água da jarra.

- me sinto como aqueles gatos do musical. Me sinto abandonado, esperando alguém que tenha pena de mim e me resgate.

- você sabe que não está. Você tem Stephen, tem Ray, Vanessa, Adam, Vincent e você tem a mim. Talvez você não me considere tanto, mas eu fiz questão de ser seu psicólogo porque te considero muito e Steve disse que você é uma pessoa especial.

- fiquei surpreso quando descobri que você é esposo do Steve. O Steve nunca aparentou ser gay.

- Steve tinha problemas com a sexualidade, tinha vergonha, mas agora ele é bem resolvido.

- fico feliz por vocês.

- viu só? Steve achou que nunca se aceitaria e hoje ele é casado comigo e nós temos dois filhos. O quero dizer é que todos tem salvação. Mesmo que você pense que é o fim, talvez seja só o começo.

- obrigado por ter tanta esperança.

- Ter conhecido Steve ajudou muito no meu trabalho. Me mostrou que não importa o seu problema. Você consegue superá-lo. Pode levar tempo. Pode ser um caminho doloroso, mas no fim você consegue estar em paz.

- espero que esteja certo – falei apertando minha mão – espero que um dia o que fiz se apague da minha memória.

- Sabe Mike. Acho melhor você se hospedar comigo e com Steve.

- não acho uma boa ideia.

- será bom para você estar rodeado de pessoas. Sei que chegou aqui a poucas horas, mas quando sair daqui vou passar no hotel onde está hospedado e pegar suas coisas.

- você não confia em mim não é mesmo? Acha que vou fazer algo de ruim contra mim mesmo.

- posso te responder sinceramente?

- pode

- “cabeça vazia é oficina do diabo”.

- tudo bem. Se acha melhor eu vou.

- Sabe, eu tenho duas tarefas de casa para você.

- quais?

- A próxima vez que ver Ray, quero que chame-o de pai e não tenha vergonha de ser íntimo com ele. Abrace-o quando sentir vontade. Beije-o no rosto quando pensar que deve. Resumindo… Seja intimo com ele. Ele é seu pai. Você não deve nunca ter vergonha de demonstrar seus sentimentos. Quando alguém disser que você chora demais, não se sinta mal porque a pessoa que disser isso é que tem problemas emocionais. Quando a pessoa não chora, quando ao pessoa não demonstrar seus sentimentos como deveria ela tende a criticar quem o faz. Homem pode e deve chorar. A sociedade machista dita as regras, mas cabe a você quebrá-las e ser você mesmo. Não deixe que sua relação com Larry estrague a relação com Ray.

- ok – falei respirando fundo.

- combinado?

- combinado.

- a segunda tarefa será mais difícil e exigirá total comprometimento. Eu preciso que você realmente queira melhorar.

- eu quero muito deixar de sentir o que estou sentindo agora.

- eu conheço uma pessoa que já matou. Eu quero que você conheça ela.

- vou ter que ir a prisão?

- não. Ele não está preso.

- não estou entendendo.

- não cabe a mim explicar isso a você Mike, se você se comprometer a conhece-lo ele mesmo vai te contar toda a história. Tudo o que peço é que se empenhe.

- tudo bem.

- ele é um paciente meu e acabou se tornando um amigo no decorrer dos anos.

- o nome dele é Cooper. Ele é um amigo meu e tem um restaurante no centro de Boston.

- tudo bem.

- eu vou conversar com ele e se tudo der certo amanhã mesmo você pode ir até lá. Sabe aqueles restaurantes em que cada mesa tem seu chef?

- sei, mas nunca fui.

- você vai adorar. Posso contar com você para essa tarefa?

- pode sim.

- então é isso Mike. A primeira sessão se foi faltam apenas dezenove – falou Jeff pegando o papel fornecido pelo juiz, onde ele escreveria o relatório.

Fiquei sentado lá olhando para ele enquanto ele escrevia no papel durante uma hora e meia. O relógio marcava ás 17:55 quando finalmente a recepcionista se despediu e Jeff desligou as luzes da sala e nós saímos a caminho do meu apartamento.