Capítulo Vinte e Nove
CORAÇÃO DE VIDRO
N
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o dicionário a palavra Êxodo é usada para definir
uma farsa. Geralmente na tragédia grega. O uso dessa palavra é empregado dessa
forma a anos. Nos tempos modernos os adolescentes cheios de hormônios e
apaixonados dos Estados Unidos começaram a usar a expressão “Sexodus”. A junção
da palavra ‘Sexo’ (sex) com ‘Êxodo’ (exodus).
Essa expressão define basicamente
quando o parceiro, após o sexo, muda a personalidade. Todo o amor e paixão que
aconteceu antes do ato sexual desaparece e o outro parceiro ou parceira
descobre que tudo não passou de uma farsa apenas para conseguir sexo. Todos os
“eu te amo” não valeram de nada.
É difícil você gostar de uma
pessoa, se entregar a ela e descobrir que ela estava tocando, amando e se
enroscando com outra. Nunca pensei que chegaria a esse ponto em minha vida.
Nunca pensei que um dia poderia sentir tal coisa, sentir tal sentimento. A
alguns meses atrás pensei que as únicas coisas que poderia sentir era dor e
arrependimento, mas muitas coisas mudaram de lá para cá e decisões foram
tomadas. Decisões das quais me arrependo profundamente.
Havia chegado a noite. O relógio
marcava pouco mais dás sete. O neurocirurgião Dr. Victor Reveley estava na casa
da Amy conversando com ela na sala enquanto eu me arrumava. Ele tinha ido me
buscar. Eu não disse a ele que não morava mais com meu pai, eu apenas disse que
tinha ido me arrumar na casa de uma amiga, no caso, Amy.
- e então Amy? Como Oliver está?
– perguntou Victor para Amy quase cochichando. Ele aproveitou que estava no
quarto se arrumando para poder fazer
perguntas.
- ele está bem – falou Amy se
sentindo um pouco incomodada com a pergunta afinal ela mal conhecia aquele
homem.
- não me entenda mal – falou
Victor – não estou perguntando no intuito de me intrometer na vida de Oliver.
Só quero saber se ele está bem fisicamente e mentalmente. Incluindo o sequestro
e a cirurgia.
- OK – falou ela respirando fundo
– ele está bem. Eu conheço Oliver a muito tempo e se ele estivesse mal eu
saberia.
- que bom, fico feliz por ele.
- ele anda meio estranho sabe, depois
que ele brigou com o pai dele. Fiquei surpresa. Ele nunca me disse ao certo o
que aconteceu, mas ele está morando comigo agora, então deve ser algo sério.
- espera… - falou Victor se
arrumando no sofá – Oliver e o Dr. Marshall brigaram?
- sim – falou Amy parecendo
preocupada – você não sabia? Meu deus… eu não devia ter dito. Por favor não
conte para ninguém e não comente com Ollie. Ele vai me matar se descobrir que
eu comentei isso com você.
- não se preocupe, não vou
comentar com ninguém.
- obrigada – falou Amy – acho
melhor eu ficar calada de agora em diante porque se não vou acabar falando mais
do que eu devo.
Victor concordou com a cabeça e
eles continuaram a me esperar.
Assim que terminei de me arrumar
sai do quarto. Victor tinha me trazido um terno. Era a primeira na vida que
usava um.
- e então? Vesti certo? –
perguntei quando cheguei a sala. Estava vestido com o terno e com os sapatos.
Eu segurava a gravata em minha mão porque não sabia dar nó.
- ficou perfeito – falou Victor
se levantando – só falta a gravata.
- você vai dar o nó?
- sim – falou ele pegando e
passando em volta do meu pescoço e em seguida dando um nó – eu também sempre
tive dificuldade em dar o nó em gravatas, mas minha esposa sabe cinquenta
maneiras diferentes.
- você está um gatão – falou Amy
para mim.
- vai me deixar vermelho – falei
envergonhado – me sinto estranho usando essa roupa.
- vamos indo? – perguntou Victor.
- vamos – falei apalpando o bolso
para ter certeza de que o papel do discurso estava em meu bolso.
- tem certeza de que não quer ir
Amy? Você vai ficar bem sozinha?
- vou sim. Na verdade eu estou
esperando companhia.
- sério? De quem?
- na verdade eu preciso…
- vamos indo – falou Victor –
falta só trinta minutos.
- então vamos.
- boa festa pra você – falou Amy.
- pra você também – falei me
despedindo outra vez e saindo com Victor.
Estava muito nervoso e a cada
minuto que passava mais nervoso eu ficava. Entramos no carro e seguimos viagem
para o hospital.
- preparou seu discurso –
perguntou Victor.
- preparei sim. Acho que ficou
bom.
- tenho que certeza que ficou.
- bom, na verdade nem fui eu que
escrevi. Foi uma amiga. Eu estava meio que sem inspiração.
- sem inspiração? Você foi
sequestrado, torturado e fez uma cirurgia cerebral. Quando você pensou que tudo
estava acabado, seu pai aparece e te salva. Como você ficou sem inspiração?
Eu olhei para fora do carro e
respirei fundo.
- é verdade. Ele me salvou. Eu
devo minhas vida a ele – falei cabisbaixo.
- me desculpa Ollie, eu não devia
ter dito isso.
- não, tudo bem. Afinal ele
salvou minha vida.
- me desculpa é que Amy me disse…
- o que a Amy te disse?
- ela não teve a intenção, ela
pensou que eu sabia.
- sabia sobre o que?
- sobre o fato de você e seu pai
estarem brigados e você morar com ela.
- não era pra você saber eu só…
- o que aconteceu Ollie? Ele te
fez alguma coisa?
- por favor Victor, não leve isso
para o lado pessoal, mas não é da sua conta.
- é sim. É da minha conta. Você
se calou por tantos anos e sofreu muito. Talvez se houvesse alguém para se
intrometer você não tivesse sofrido tato. Todo mundo estava tão confortável com
sua vida que nem notou o que você sofria então não, não é da minha conta, mas
eu vou me intrometer do mesmo jeito. Ou você me conta ou eu vou perguntar
direto para o Dr. Marshall.
- me desculpa, não quis ser mal
educado.
- não se desculpe, apenas me
conte.
- sim, aconteceu algo entre meu
pai e eu, mas agora está resolvido.
- tem certeza?
- não precisa se preocupar.
Afinal eu já não moro mais com ele.
- tem certeza?
- tenho sim. O que aconteceu não
é tão grave e além do mais nós continuamos sendo pai e filho, certo? Eu sei que
apesar do que aconteceu nós dois ainda nos amamos.
- OK – falou Victor – vou confiar
em você.
- obrigado.
Nós seguimos o resto da viagem em
silêncio. Nós saímos do carro e entramos no hospital.
- onde está Dr. Marshall? –
perguntou Victor para o enfermeiro na recepção.
- está em uma reunião falsa na
sala dele. Estamos arrumando todo o andar. Ele só sai da reunião ás oito da
noite.
- você precisa ficar escondido –
falou Victor para mim – vamos para o quarto andar.
Victor e eu entramos no elevador
e ao chegarmos no quarto andar vimos que o local estava preparado. Uma faixa
dando os parabéns ao Dr. Marshall e vários balões pretos e prateados e alguns
em azul claro.
Nós seguimos até uma sala.
- fique aqui dentro a quando te
chamarmos OK?
- OK – falei nervoso.
- até daqui a pouco – falou ele
saindo e fechando a porta.
Eu fiquei lá lendo mil vezes o
poema que Helena tinha escrito para mim. Estava muito nervoso, mas senti que estava
pronto. Agora era só esperar eles me chamarem.
A sala onde estava ficava logo
atrás. Dava para ver todo o local. Decidi abrir um pouquinho a porta para ver
quando ele chegasse.
Alguns minutos se passaram e logo
em seguida eu vi meu pai saindo do elevador.
- SURPRESA! – gritaram todos no
andar.
Meu pai saiu de lá com um enorme
sorriso no rosto. Todos o cumprimentavam dando os parabéns. Alguém entregou uma
taça para ele e em seguida encheu com um champanhe.
Em seguida todos começaram a
cantar os parabéns para ele. Todos bateram palmas e no final todos assoviaram e
em seguida começaram a gritar por discurso.
Meu pai deu um sorriso e em
seguida ficou na frente da multidão, subindo três degraus da escada.
- obrigado a todos por isso –
falou meu pai com a taça de champanhe na mão – eu realmente não esperava por
isso, mas… isso não importa. Eu estou muito feliz com isso. Muita coisa
aconteceu nesse último ano que passou. Coisas boas e coisas ruins. A morte da
minha esposa é uma dessas coisas ruins.
Todos ficaram em silêncio por um
bom tempo.
- Bethany era uma mulher
esplêndida e me apoiou acima de tudo. Ela era o tipo de pessoa que você gostava
de estar porque ela deixava bem, mesmo quando tudo ao seu redor fosse péssimo.
Algumas pessoas se emocionaram
com essas palavras.
- como todos sabem coisas boas
aconteceram comigo.
- deixa eu adivinhar – falou
Victor – você conheceu uma pessoa especial.
- exato – falou meu pai – uma
pessoa especial que tem um lugar reservado no meu coração, mas infelizmente não
está aqui hoje – falou meu pai.
- ele está aqui hoje – falou
Victor.
- está? – perguntou meu pai.
- sim – falou Victor se virando e
andando até onde eu estava. Ele deu passos vagarosos enquanto meu pai olhava
por todos os lados procurando alguém.
- ali está ele – falou meu pai.
Antes de abrir a porta onde eu
estava Victor olhou para trás e percebeu que a pessoa especial que meu pai
falava não era eu e sim Matteo.
Victor ficou na minha frente, mas
eu abri a porta do por completo ficando ao lado de Victor. Matteo subiu os
degraus também com uma taça de champanhe e ao chegar perto do meu pai ele deu
um beijo na boca dele. Três selinhos e todos aplaudiram.
- Matteo me ajudou muito nesses
dois últimos anos.
- o que? – perguntei confuso. Meu
pai continuou fazendo o discurso sem perceber que eu estava lá ao lado de
Victor vendo tudo.
- você não sabia? – perguntou
Victor para mim.
Por alguns segundos eu não
respondi nada. Fiquei em silêncio.
- sabia – falei mentindo.
- Dr. Marshall, a pessoa especial
a qual me referia é Oliver – falou Victor alto. Nesse momento todos olharam
para trás para me ver. Mau pai olhou para mim e o sorriso do seu rosto
desapareceu.
Agora eu entendia o porque dele
ter tanta raiva ao saber que eu fui ao hospital. Ele não queria que eu soubesse
que ele e Matteo namoravam. Ele me fez acreditar que era um homossexual preso
no armário quando na verdade ele é assumido em um relacionamento de dois anos.
Todos começaram a bater palmas,
mas ao invés de me verem ir até meu pai eles me viram sair pelas escadas de
incêndio.
Estava chocado. Era pior do que
eu podia imaginar. Meu pai tinha me usado como um boneco de pano. Ele sabia que
eu era um garoto vulnerável que tinha tido uma infância traumatizante, mas ao
invés de me ver com um filho que ele podia me amar ele viu uma foda fácil.
- Oliver! – gritou meu pai nas
escadas descendo atrás de mim.
Nesse momento desci as escadas
muito mais rápido do que ele. Eu pulava os degraus contando os segundos para
que chegasse no térreo.
Quando finalmente cheguei eu sai
pelo saguão do hospital em passos rápidos. Nesse momento ouvi o barulho do
elevador chegando no andar e de lá saiu Victor.
- Oliver você está bem?
Eu então corri para fora. Para a
minha sorte tinha um taxi passando na mesma hora e eu levantei o braço e ele
parou. Eu abri a porta rapidamente e entrei. Olhei para o lado e vi meu pai e
Victor correndo para fora do hospital.
Respirei fundo e dei o endereço
de Tobias para taxista que saiu rapidamente. Minhas mãos tremiam. Respirei
fundo e pensei no que Dr. Marshall tinha feito. Ao meu ver ele tinha sido tão
cruel quanto David. Pelo menos David não me enganava. Ele era verdadeiro. Dr.
Marshall tinha me feito de idiota.
Não sabia bem o que fazer depois
daquilo, mas precisava conversar com alguém. Tobias era a pessoa mais íntima
que tinha naquele momento. Amy estava em um encontro nesse momento e eu não
queria atrapalhar ela.
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