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Capítulo Trinta e Três
FALANDO COM FANTASMAS
ormia profundamente. Tinha passado o dia todo
deitado na cama. Não sentia vontade de levantar. Não tinha vontade de comer ou
de conversar. Toda aquela “alegria” que eu sentia desde quando fiz a cirurgia
tinha desaparecido. Agora me sentia como se vivesse com David e Stella outra
vez.
Abri os olhos e senti a baba
escorrendo no meu rosto. O quarto estava escuro e o relógio digital brilhava em
vermelho sangue o horário. Oito e meia da noite. Passei realmente o dia todo
deitado sem comer nada. Nada estômago doía, mas eu não sentia fome. meu corpo
aparentemente estava bem, mas a verdadeira guerra acontecia na minha cabeça.
Sentei-me na cama e fiquei
observando a porta. A luz passava por baixo e sombras dançavam. Parecia haver
pelo menos três pessoas do lado de fora. Elas conversavam cochichando e eu
sentia o cheiro de comida.
- Amy! – gritei do quarto.
Alguns segundos se passaram e ela
abriu a porta.
- não acende a luz – falei
apertando os olhos com a luz que vinha de fora.
- tudo bem – falou ela parada –
você está bem? Quer comer alguma coisa?
- eu não estou com fome.
- você passou o dia todo deitado
e não comeu nada. Tenho certeza de que seu estômago doí.
- você está certa. Doí, mas eu
não estou com fome. Não tenho apetite.
- se você não comer eu vou ter
que ligar para seu pai. Ele é médico vai saber o que fazer.
- não se atreva a chama-lo Amy.
Eu pensei que você fosse minha amiga.
- eu sou. É por isso mesmo. Eu
não vou deixar você passar o resto dos seus dias ai trancado sem comer.
- eu já disse que não vou comer.
- então eu vou ligar para seu pai
–falou Amy.
- não precisa – falou alguém
entrando no quarto. Era um homem então eu supus que fosse Jake.
- eu já disse que não quero comer
Jake.
- eu não sou Jake – falou o homem
saindo do escuro e ligando a luz do quarto. Era Kurt.
- o que você está fazendo aqui? –
perguntei apertando os olhos. Não estava acostumado com a luz pois passei o dia
todo no escuro.
- eu não consegui ir embora.
Fiquei pensando no que aconteceu na noite passada e fiquei pelo menos umas seis
horas no bar do aeroporto bebendo e tentando criar coragem para ir embora e
quando eu finalmente consegui me levantar o único lugar para o qual eu queria ir
era para cá. Então eu não peguei o voo e decidi voltar para ver como você está.
- eu estou bem, você pode ir
embora. Apaga a luz – falei me deitando.
- eu não vou embora – falou Kurt.
- acho melhor você ir – falou
Amy.
- eu não vou, ele precisa sair
dessa cama e continuar vivendo.
- você não pode simplesmente
obriga-lo. Você não é médico. Eu vou chamar o pai dele.
- será que você não ouviu? Ele
disse que não quer o pai – falou Kurt com a voz alterada apagando a luz – será
que dá pra você sair? Se quiser chamar o pai dele, tudo bem, mas ele não vai
chegar perto de Oliver enquanto eu estiver aqui a não ser que ele queira –
falou Kurt vindo até a cama e deitando ao meu lado.
Amy ficou em silêncio.
- e então? Vai fazer o que é
certo ou vai fazer o que é melhor para o seu amigo?
- Ok – falou Amy – eu não vou
ligar – falou Amy fechando a porta.
A escuridão preencheu o quarto
mais uma vez, mas dessa vez eu tinha companhia.
- você está bem? – perguntou Kurt
deitado ao meu lado na cama. Eu estava de costas enquanto ele encarava o teto.
Não respondi nada porque não
tinha vontade de conversar, só queria ficar deitado e sozinho.
- tem certeza que não quer comer
nada?
- tenho – respondi para ver se
ele calava a boca.
Por alguns preciosos minutos ele
ficou em silêncio, mas em seguida começou a falar novamente.
- eu sei o que você está sentindo
– falou Kurt – eu sei exatamente o que você está sentindo.
- você não sabe.
- Amy me contou sua história. Não
fique com raiva dela por isso. Ela é uma grande amiga e só quero o melhor para
você.
Dessa vez continuei em silêncio.
- bom, como eu dizia, eu sei o
que você está sentindo. Eu senti por muito tempo – falou ele dando uma pausa.
Estava cansado, mas não
conseguiria dormir enquanto ele estivesse lá.
- posso te contar um segredo? Eu
tomo antidepressivos. Faz mais ou menos seis anos.
Ele deu outra pausa antes de
continuar.
- eu nasci e cresci em Detroit.
Pelo menos até minha adolescência. Eu tinha um irmão mais novo. ele desapareceu
quando tinha oito anos. Eu era cinco anos mais velho do que ele na época. Nós
estudávamos na mesma escola e todo sai eu tinha que espera-lo sair e nós íamos
juntos para casa – falou ele respirando fundo –No caminho de casa tinha uma
casa de jogos onde todos os meus colegas iam depois da escola. Sempre ficava
com vontade de ir, mas eu precisava te levar em casa e quando nós chegávamos
minha mãe não me deixava ir. Não me importava com isso na maioria das vezes,
mas um dia eu passei em frente a casa de jogos e vi todos os meus colegas
brincando e por um momento eu pensei – que
mal faria? – então eu disse ao meu pequeno irmão, Jimmy, que nós iriamos
jogar um pouco e depois iriamos embora, mas não poderíamos contar para minha
mãe ou meu pai.
Esperei Kurt continuar, mas ele
não falou nada. Fiquei em silêncio por vários minutos e até pensei que ele
tivesse saído ou dormido.
- Kurt? – perguntei ainda de
costas.
- você quer continuar a ouvir?
- quero.
- se você me prometer que depois
vai comer eu conto.
- tudo bem.
- continuando… - falou ele se
ajeitando na cama – nós entramos na casa de jogos e eu deixei meu irmão com um
daqueles jogos de bater a marreta em algo que saia do buraco e fui até meus
colegas de classe jogar os jogos eletrônicos. eu prometi a mim mesmo que
ficaria apenas trinta minutos e quando percebi já haviam se passado duas horas.
Eu fiquei assustado quando vi o tempo que havia se passado e comecei a procurar
por Jimmy. Procurei por um bom tempo até que finalmente conversei com um
adulto. Nós nunca mais vimos Jimmy. Agora você deve se perguntar porque eu uso
antidepressivos certo? É meio obvio porque a culpa foi minha. Minha mãe e meu
pai me culparam e não escondiam isso de mim ou dos vizinhos. Meu pai nos
abandonou nos primeiros seis meses e minha mãe acabou perdendo a sanidade. Ela
morreu ano passado no asilo.
- sinto muito – falei triste por
ele.
- quando Amy me contou sua
história hoje eu meio que relembrei de tanta coisa do passado. Eu tenho tomado
remédios por tanto tempo por causa disso. se você não tomar cuidado você vai
ter o mesmo que eu. Eu nem consigo dormir a noite sem pesadelos. Aposto que
você já tem alguns. Você acorda suado e confuso com os horríveis sonhos que
tem. Isso é só o começo. Você vai perder a vontade de viver e vai tentar se
matar. Nesse momento ele me abraçou por trás e passou o braço por mim. eu
pensei que ele quisessem e abraçar, mas ele queria me mostrar o braço.
- toque meu pulso.
Levei minha mão e passei os dedos
sentindo uma cicatriz.
- se um amigo não tivesse chegado
na hora eu estaria morto – Ele se afastou e voltou a deitar de bruços.
- como você melhorou? Quer dizer…
como você faz para que essa coisa que você sente dentro de si desapareça?
- é um passo de cada vez – falou
ele – eu fiquei internado por um bom tempo e conversei com muitos médicos até
que finalmente eu estava bem o suficiente para viver em sociedade, mas tomando
oito comprimidos ao dia.
- oito? – perguntei surpreso.
- sei que parece mentira, mas
sim. Oito.
Nesse momento eu acendi a luz do
abajur e também me deitei de bruços.
- mas agora você vive normalmente?
- não. Quer dizer… é como eu
disse. Um dia de cada vez.
- sinto muito pelo o que
aconteceu com você.
- sabe o que é mais engraçado? Os
pesadelos não passaram. Faz mais de dez anos que eu acordo todas as noites de
um sonho ruim. Eu tenho terrores noturnos e os vizinhos já chamaram até a
policia no meio da noite devido aos meus gritos enquanto durmo. É um
trauma que não passa.
- o que tem de engraçado nisso?
- Ontem foi a primeira vez em dez
anos que eu tive uma noite tranquilo. Eu tinha até me esquecido da sensação que
é de você ter uma boa noite de sono. Eu me atrevo a dizer que acordei até menos
rabugento.
- e porque você acha que teve uma
noite tão boa? O que teve de diferente?
- você – falou ele olhando pra
mim – eu tinha você comigo na cama.
- isso é bobeira.
- eu faria tudo pra ter você
outra vez comigo.
- o que você quer dizer?
- faz tanto que tempo que não
faço isso que nem sei como se faz – falou ele com um sorriso.
Agora eu entendi o que ele
queria. Kurt era só mais um na multidão. Mais um que queria aproveitar minha
inocência e ter uma ótima noite de sexo. Porque as pessoas são tão ruins? Na
minha opinião o sexo é superestimado. Tudo o que leem e trouxe foi confusão e
eu não faria novamente.
- você só quer fazer sexo comigo?
- sexo? – perguntou ele surpreso
– não – falou ele rindo – eu estou falando sobre namoro – falou ele respirando
fundo – faz tanto tempo que não namoro que até me esqueci como se pede alguém
para namorar.
- você quer namorar comigo?
- eu quero – falou ele parando de
sorrir e mel olhando sério – você não quer me namorar?
- você seria meu primeiro
namorado. Pra dizer a verdade eu nem sei como funciona toda essa coisa de
namoro.
- eu te ensino.
- eu não quero.
- posso perguntar o porque?
- eu não queria fazer sexo. Nunca
mais na minha vida.
- não é porque nós namoramos que
significa que nós vamos fazer. Quer dizer, a maioria das pessoas adorariam
fazer, mas eu não sou esse tipo de cara. Sabe quanto tempo faz que eu não faço
sexo? Mais ou menos uns quinze anos atrás e eu só fiz uma vez. Minha vida não
permitiu que eu fizesse mais e eu sinceramente não tive vontade… quer dizer…
- o que foi? – perguntei.
- eu posso ser sincero com você?
- pode.
- eu não me sinto atraído por
ninguém a anos e ontem a noite eu me senti atraído por você.
- viu só? Eu não posso namorar
porque você vai querer fazer sexo e eu não quero.
- não é isso que estou querendo
dizer. Quer dizer, você não percebe? É como se fosse tivesse acendido algo
dentro de mim. eu tive uma boa noite de sono e me senti atraído pro você e pela
primeira vez na vida eu não tomei meus remédios. Eu me esqueci. Eu nunca
esqueço porque minha mente não me deixa e ontem eu só me preocupava com você.
Faz quase quarenta e oito horas que não bebo nenhum comprimido porque ao que
parece você é a única droga que eu preciso. É por isso que eu quero te namorar.
Eu quero te conhecer. Quero que entre na minha vida me conte seus medos e
sonhos. Quero que compartilhe comigo suas dores e alegrias. Eu só não quero
deixar você passar como eu deixei tantas coisas na minha vida passarem.
- mas você vai querer fazer sexo.
- não precisamos fazer. Sexo é só
um detalhe Oliver. Sexo é só uma forma de expressar amor e muitas vezes o
desejo. Sexo é só um detalhe. O que acontece fora da cama é o que realmente
importa. Eu sei que nesse momento estamos na cama, mas estou me referindo ao
sexo. O que acontece entre um casal além do sexo é o que define um
relacionamento. O que eu quero com você é um relacionamento e não um orgasmo.
Kurt continuou olhando para mim
esperando pela resposta. A história que
ele me contou me deu muito o que pensar. Ele parece ser uma pessoa boa, mas
algo dentro de mim me diz que tudo vai dar errado assim como tudo na minha
vida. Eu já tive duas chances e havia acontecido o pior, talvez seja melhor
dizer não e me poupar de um sofrimento futuro.
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"O que eu quero com você é um relacionamento e não um orgasmo." Já virou post de meu facebook! Rsrs' Cara, você é muito bom no que faz! Só agora estou lendo Verão em Vermont e, uma pensa não serem uns 100 capítulo! :D
ResponderExcluirMuuuito bom! Grande abraço!
A.
obrigado :)
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