Capítulo 14: Messias | Conto: Deus Americano

PARA ACESSAR A PÁGINA DE PERSONAGENS ACESSE A GUIA 'PERSONAGENS +' NO ALTO DA PÁGINA OU CLIQUE AQUI.

capítulo quatorze

MESSIAS

---

A

ntes de ir para a casa da família de Ralf nós fomos até o hotel onde eu estava hospedado. Eu esperei no carro com Ursula enquanto Ralf pegou minha chave e subiu até meu quarto. Ursula estava em silêncio no banco do motorista e eu estava em silêncio no banco de trás. Doía muito pensar que não veria meu pai uma última vez. Estava chateado por minha mãe não querer que eu estivesse no velório e no enterro, mas por mais que me doa eu não pretendo ir. Não quero estar lá se eu não serei bem recebido e eu provavelmente vou causar um mal desnecessário.

Continuamos em silêncio por um tempo. Percebi que o dia seria bem quente ao ver o sol queimando lá fora. Algum tempo se passou e Ralf voltou com uma mochila nas costas.

- pegou tudo?

- sim. Todas as suas roupas – falou Ralf me entregando a mochila.

- obrigado – falei pegando-a e colocando-a do meu lado.

Ursula ligou o carro e nós seguimos viagem. Durante o caminho nenhum deles conversou comigo. Acho que eles sabiam que eu não tinha muito o que dizer. Durante um bom tempo o silêncio reinou. Ralf fumou um cigarro e Ursula apenas olhava para o GPS ou para a paisagem. Depois de algum tempo de viagem entramos em um bairro carismático. Estava cheio de pessoas na rua, crianças, vizinhos conversando. Era apenas mais uma manhã de quinta.

Ursula conferia o endereço e Ralf conversava com ela contando alguma história. Ele apontou para a casa com um sorriso. Em seguida ela parou em frente a uma casa que assim como as outras tinha seu charme. Havia um pé de cerejeira do Japão com suas folhas cor-de-rosa em frente a casa. Quando Ursula estacionou em frente a cama Ralf saiu do carro e abriu a porta para mim. Limpei os olhos tentando mascarar o choro.

- eu te ajudo – falei Ralf segurando minha mão me ajudando a sair do carro.

- Essa árvore é linda – falou Ursula olhando para a árvore.

- uma cerejeira do Japão – falou Ralf olhando para Ursula e depois para a árvore.

- Olá Filho! – falou uma mulher abrindo a porta da casa e vindo até nós. Provavelmente era sua mãe. Atrás dela saiu um homem e uma mulher mais nova. Parecia ter uns vinte e poucos anos. Um pouco mais velha do que eu. Ela tem cabelos pretos e olhos castanhos claros. Talvez fosse a irmã dele. Ela veio correndo na frente dos mais velhos e abraçou Ralf. Eu senti o baque porque eu continuava sendo me apoiando nele.

- que saudades Ralf! – falou essa garota abraçando-o.

- também senti sua falta – falou ele abraçando-a com uma mão só.

Ao abraçar o irmão ela olhou pra mim.

- é você? – falou ela com um sorriso  – o garoto do aeroporto que quase matou meu noivo?

- para com isso Kyara – falou Ralf repreendendo-a.

- desculpa – falou ela não sendo muito sincera.

- noivo? – perguntei confuso.

- sim – falou Ralf dando um beijo no rosto dela – Max essa daqui é Kyara Jessup. Minha noiva.

- na verdade nós éramos namorados até pouco tempo. Ralf prometeu que ficaríamos noivos quando ele voltasse.

Confesso que aquilo foi um pouco chocante. Fiquei decepcionado. Eu meio que estava percebendo alguns sinais de Ralf, mas agora percebo que realmente era fruto da minha imaginação.

- Olá meu filho – falou o homem se aproximando de Ralf. Era provavelmente o pai de Ralf. Ele tinha cabelos claros, olhos claros e aparentava ter mais de cinquenta anos. Um homem magro que ao contrário do filho sorria bastante – muito prazer – falou o homem estendendo a mão – Sou Randy, pai do Ralf.

- Muito prazer senhor. Eu sou Max – falei apertando a mão dele – essa é Ursula. Uma amiga.

- prazer – falou ela com um sorriso.

- meu nome é Ellen – falou a mãe de Ralf soltando-o e apertando minha mão – uma mulher também magra, de olhos azuis e cabelos ruivos naturais.

- vamos para dentro – falou o pai de Ralf.

Kyara pegou a mochila que estava com Ralf e caminhou na frente.

Nós entramos na casa de Ralf e seus pais foram bem receptivos. Eles fizeram Ursula e eu nos sentirmos bem a vontade.

- fiquem a vontade – falou Ellen arrumando humildemente as almoçadas vermelhas para que nos sentássemos.

- na verdade mãe eu convidei Max para ficar conosco por um tempo. Ele não tem lugar para onde ir.

- Eu vi o que aconteceu com seu pai – falou Randy – sinto muito por sua perda.

- obrigado.

- você não tem outros familiares?

- na verdade eu tenho, mas eles me culpam pela morte do meu pai então não são uma opção.

- eu entendo, você será bem vindo o tempo que precisar – falou Ellen.

- pode ficar o tempo que quiser – confirmou o pai de Ralf.

- eu vou leva-lo lá pra cima – falou Ralf me ajudando a subir as escadas. Ao chegarmos no segundo andar ele mostrou o quarto de hóspedes onde eu poderia ficar até me reestabelecer.

- você pode ficar o tempo que precisar, minha família não se importa. Eu não me importo.

- desculpa, mas sua noiva não parece ser uma fã.

- não se importe com o que ela diga. Ela ficou esses tempo toda sem me ver. Ela só tem medo de que algo aconteça comigo. Ela me esperou todo esse tempo.

- Sem querer me intrometer, mas quantos anos você tem?

- trinta e cinco – falou Ralf quando me sentei na cama – porque?

- nada. Só curiosidade – falei respirando fundo tentando ignorar a dor no meu joelho.

- olha não ligue para Kyara. Essa casa é dos meus pais. Ela não mora aqui, mas passa bastante tempo aqui – falou ele sério da porta – não se incomode com ela.

- obrigado. Fico muito agradecido por me receber. Agradeço também sua família. Prometo que não vou ficar mais do que umas duas semanas. Logo eu vou bolar um plano.

- fique a vontade, pode usar o banheiro – falou ele apontando para o lado direito do quarto. Era uma suíte. Ali tem toalhas, cobertores, lençol… o que precisar – falou ele apontando para o guarda-roupas – meu quarto é o que está no fim do corredor, se precisar de mim vou estar lá.

- sim, vá descansar. Você merece. Você salvou minha vida e você me disse que não tem dormido desde que chegou.

- sim, eu vu tentar dormir um pouco – falou ele sério.

- sabe, na TV eu vi muita gente dizer que você é um herói, mas não acho que você acreditou ou se importou. Sem querer ser piegas, mas saiba que você é mesmo um herói. Apesar de não merecer estar aqui. Você é meu herói e meu pai ficaria muito agradecido.

Quando disse isso Ralf deu um meio sorriso e fechou a mão esquerda e apertou com a direita estalando os dedos. A primeira vez que eu o vi sorrir e nem foi um sorriso completo, mas valeu a pena.

- se precisar de mim estou no fim do corredor – falou ele saindo.

Assim que Ralf fechou a porta eu olhei em volta. Era tudo estranho. Ontem parecia que seria um dia normal e hoje eu sou descrito como um “tesouro nacional” e o “o sobrevivente”. Logo que Ralf saiu do quarto a porta se abriu e Ursula entrou. Ainda bem porque ela me ajudou a tirar a roupa e a vestir depois que tomei meu banho. Ursula estava sendo uma boa amiga. Estávamos os dois sentado na cama e Ursula estava rindo.

- do que está rindo?

- aquela Kyara é uma vadia! – falou ela rindo.

- Shhh! Ursie não diga isso.

- desculpa, mas ela é meio neurótica – falou Ursie tentando controlar o riso.

- Ela está certa. Eu quase matei ele. Imagina estar no lugar dela. Aqui todos esses anos esperando o namorado.

- Pode até ser, mas eu tive a impressão de que ela estava com ciúmes. Talvez ela tenha ciúmes de ver o “seu herói” tão preocupado com você – falou ela rindo e ciando deitada na cama.

- você estava ouvindo a nossa conversa?

- foi sem querer. Estava subindo as escadas e ouvi você se declarando pra ele.

- deixa de ser idiota Ursie – falei pegando o travesseiro e jogando nela.

- “Ralf você é meu herói” – falou ela repetindo imitado minha voz e debochando de mim.

- Sem graça – falei brigando com ela.

- “Meu Herói”, “Meu cavaleiro de armadura brilhante em seu cavalo branco”.

- foi idiotice né? Devia ter ficado calado quando tive a chance. Aposto que sentia o mesmo por Kevin e veja como acabou.

- foi – falou ela concordando e rindo.

- é sério. Admito que meio que confundi as coisas e no final ele tem uma namorada.

- você está claramente afim dele.

- não estou não – falei indignado – eu só senti um amor platônico afinal ele me salvou.

- não precisa ter vergonha. O cara foi um herói.

- pois eu acho que ele quer me matar – falei brincando – Sei lá. Ele tem toda essa fachada de malvadão, não sorri nunca e tem horas em que parece não gostar do meu jeito… gay…

- acha que ele percebeu? – perguntou Ursula.

- Claro. Ele deu uma indireta no hospital como se não gostasse que eu ficasse olhando muito pra ele.

- sério Max? Que homem hétero beija o outro no rosto?

- você podia ter evitado isso tudo se tivesse perguntado logo de cara se ele tinha namorada.

- tá doida? Ele podia mandar um “não é da sua conta”. Vamos concordar que ele é o tipo de homem que eu nunca tive na minha vida. Carinhoso, atencioso e salvou minha vida. Acho que é normal eu desenvolver algum tipo de paixão platônica pelo homem que salvou minha vida, mas é passageiro. Em breve vou estar com minha vida normal, chata e sem memória. Pelo que percebi ele não é o primeiro ao qual me apaixono e não será o último. A não ser que ele leve meu outro rim.

- é verdade – falou Ursula se lembrando do meu incidente. Os noticiários fizeram questão de dizer que eu tinha sido vítima de ladrões de órgãos.

Ursula e eu continuamos a conversar por um longo tempo. Fazia pouco mais de uma hora que estávamos conversando e fomos interrompidos.

- com licença – falou Ellen, a mãe de Ralf batendo na porta e abrindo em seguida – o almoço está pronto.

- sim senhora – falei me levantando e dando alguns passos mancando. Algumas horas fora do hospital me movimentando e eu sentia uma melhora na porta. Eu conseguia andar, mas tinha hora que minha perna falhava. Apesar de apesar em falso algumas vezes eu não queria transparecer isso pra que ninguém precisasse me ajudar.

 Ursie se levantou e nós saímos do quarto. A mãe de Ralf desceu as escadas. Ursie e eu á seguimos. Eu já conseguia andar sozinho. Quando chegamos ao pé da escadas Ursula olhou para mim.

- quer que eu te ajude a descer a escada? – perguntou Ursie.

- quero.

Me apoiei em Ursie e quando chegamos na ponta da escada pra descer o primeiro degrau Randy apareceu lá embaixo.

- podem acordar o Ralf? Ellen esqueceu. É estranho, mas estamos acostumados a ter nosso filho na guerra. Perdemos o costume de velhos hábitos depois de sete anos tê-lo aqui.

- sim senhor – falou Ursie olhando pra mim – vai você.

- eu não.

- vai logo Max. Ele é o seu herói. Não o meu. Ele é o seu Messias.

- eu não, vai você.

- Se a namorada dele souber que eu fui até o quarto dele acordá-lo é capaz dela vir atrás de mim. Ela provavelmente está com ciúmes de mim e não de você. Eu vi o jeito que ela olhou pra mim – falou Ursie me soltando e me fazendo dar dois passos.

- não tem pena de um garoto que perdeu a memória, perdeu um rim, perdeu o pai e levou um tiro?

- eu quase perdi meu bebê quando soube o que aconteceu com você. Quando soube o que aconteceu no aeroporto. Tive um ataque nervoso.

- você está grávida? – perguntei surpreso.

- sim. Estou – falou ela confessando de uma vez – não queria te contar logo hoje devido as circunstâncias, mas é preciso. Não me faça subir e descer escadas.

Olhei para Ursula e ela alisou a barriga com um sorriso – falou ela alisando a barriga de novo com um sorriso.

- OK. Seu bebê venceu, mas depois você tem que me contar tudo sobre o pai – falei indo até o quarto ele que ficava no fim do corredor, de frente. Ursie desceu as escadas silenciosamente e quando olhei para trás ela tinha ido de vez. Ela fez isso para que Ralf tivesse que me ajudar. Ela ficava querendo criar uma situação.

Olhei para a porta do quarto de Ralf. Estava bem próximo. Respirei fundo e pensei em levar a mão e no meio do caminho tive uma lembrança. Uma lembrança que veio do nada. Era pequeno. Estava sentado a mesa comendo meus cereais. O resto em volta parecia tudo iluminado demais. Esse é o problema das lembranças que voltavam á minha mente. Nunca eram claras o suficiente. Nunca conseguia me lembrar de tudo. Lembro que por cima da caixa de cereal vi minha mãe e meu pai conversando. Minha irmã Lea estava sentada de frente para mim comendo o seu café da manhã. A televisão estava ligada e eu não me importava com nada a minha volta. Era uma família feliz.

- vamos jantar hoje querido? – falou minha mãe para meu pai que estava de terno terminando de se arrumar para ir ao trabalho.

- o que fazemos com Max, Lea e Charlie? – perguntou meu pai.

- podemos deixá-los com a vizinha – falou minha mãe.

- aquela que nós pagamos bem pelo sigilo? – perguntou meu pai indiferente ainda arrumando a gravata.

- sim – respondeu minha mãe também pronta para o trabalho.

Lembro que ele olhou para baixo e continuou arrumando a gravata no espelho. Lembro também que outras coisas aconteceram. Minhas lembranças sempre vinham acompanhadas de uma luz forte que bloqueava minha visão e não me deixava ver tudo com clareza.

Lembro que minha mãe e meu pai não estavam mais lá. Mas Lea e eu não estávamos sozinhos. Havia um homem. Não conseguia lembrar que mera ele. Esse homem estava tomando algo em um copo e um barulho o incomodava.

- Cala a boca Charlie! – gritou o homem movendo os braços para o alto e para baixo. Ele segurava um cinto.

Lembro de minha irmã Lea de olhos fechados. Ela segurou em minha mão e nós corremos da cozinha. Tudo agora acontecia em câmera lenta. Nos subimos rapidamente as escadas. Minha irmã era alguns anos mais velha do que eu e sempre foi um pouco protetora. Acho que na época eu tinha sete ou oito anos e minha irmã tinha doze.

- vamos ficar aqui Max – falou ela me colocando dentro do armário do quarto dela. Ela entrou e fechou a porta. Ela me abraçou e tapou meus ouvidos. Não o suficiente. Conseguia ouvir o cachorro latir e chorar pulando de um lado para o outro. Em seguida ouvimos um som alto, um choro e um latido sofrido.

Da mesma forma que a memória veio ela se foi. Nem tive tempo de processar. Tinha sido no mínimo estranho. Quando cheguei há porta de toquei na porta e bati duas vezes.

- Ralf? – falei batendo na porta, mas ele não disse nada – Ralf, o almoço está pronto.

Esperei mais alguns segundos e nada. Decidi abrir a porta. Virei a maçaneta e ela estava destrancada. O quarto estava um pouco escuro, mas pude ver que que Ralf estava deitado na cama de costas. Ele não tinha tomado banho tinha simplesmente arrancado o a parte de cima da roupa que usava, os calçados, a meia e se deitado. Um raio de luz passava pela janela iluminando uma parte do corpo dele. Seu peito e sua barriga estava expostos. Não pude evitar de olhá-lo por um momento. Ele tinha alguns cabelos longos no peito e na barriga que iam até embaixo, mas era basicamente sem cabelos. Seu corpo era definido, sua barriga aparentava ser forte e seu peito protuberante e musculoso. Algumas tatuagens que não reconheci no braço. Seus braços grandes repousavam calmamente na cama. No braço direito parecia ter algo como uma tatuagem militar. Um tribal envolto no outro braço que circulava em seu braço com uma águia voando logo a frente. O corpo de um soldado que lutou pelo seu país.

Fiquei imóvel por alguns segundos e lembrei o porque de estar lá. Fechei a porta do quarto, deixando ela entreaberta e fui até ele na cama.

- Ralf – falei me aproximando dele – Ralf! Vamos almoçar – falei indo até ele e balançando sua perna, mas ele não acordou.

Decidi então dar a volta na cama e fui até o rosto dele.

- Ralf – falei bem mais alto dessa vez de pé do lado do rosto dele.

Ele não se moveu. Comecei a achar que foi uma ideia idiota. Ellen devia ter pedido a Kyara para acordá-lo e não pra mim. Ele estava dormindo porque eu o via respirar e ouvi a respiração mesmo de longe. Ele estava era muito cansado. Ele mesmo disse que não dormia direito á quase uma semana. Decidi deixar ele dormir, mas tentaria mais uma vez só para desencargo de consciência.

- Ralf acorda! – Falei levando o braço esquerdo até o peito dele próximo ao pescoço e empurrado de leve – acorda.

Ralf então abriu os olhos e ficou encarando o teto e em um pulo ele levou as duas mãos até meu pescoço e me jogou no chão. Ele se colocou em cima de mim, mas dessa vez não em ato de salvação. Ele estava ajoelhando em cima de mim com as mãos no meu pescoço. Seus olhos estavam abertos, mas não havia o brilho ao qual eu tinha me familiarizado. O mar tinha secado e o castanho de seus olhos mais pareciam um cinza opaco.

Ele estava de olhos abertos me encarando, mas era como se ele não estivesse lá. Ele não piscava enquanto o ar estava preso no meu pulmão. Não conseguia respirar.

Com minhas duas mãos eu toquei os braços dele tentando tirá-los, mas ele não se movia. Era um homem forte. Tentava gritar, mas não conseguia. Minha garganta doía. Tentava encontrar algum jeito dele me soltar, mas sem sucesso percebi que ele estava dormindo. Sonâmbulo. Lembrei que a alguns tempo li um artigo sobre soldados que sofriam de Transtorno de estresse pós-traumático após serem submetidos a muitas situações de estresse na guerra e muitos deles eram sonâmbulos e tinham terrores noturnos.

Movi minhas pernas perdendo o ar e foi quando levei minhas mãos até o rosto dele. Minhas mãos o tocaram, mas não houve nenhum efeito. Ele continuou me encarando com aquele olhar obscuro. Eu tive medo. Percebi que Não seria uma forte tão ruim. Era melhor do que viver um conto de fadas onde todos os que amava morriam ou me odiavam. O homem lá no alto realmente é um psicopata solitário. Já tinha desistido, mas os reflexos me fizeram tocar os braços dele e senti uma dor. Enfiei as unhas fundo em sua carne o arranhei. Arranhei os seus braços. Foi quando eu vi os brilhos voltarem.

Ralf arregalou os olhos e pareceu confuso. Ele tirou as mãos do meu pescoço e olhou em volta. Ele respirava ofegante como se fosse ele tivesse sido sufocado. Logo ele percebeu que estava em casa e não na xona de guerra ao qual ele passou os últimos sete anos. Enquanto ele voltava a sí eu tentava respirar. Minha garganta arranhava enquanto tentava recuperar a respiração. Não conseguia falar e sentia minha cabeça doer muito. Meu pescoço ardia. Ele apertou muito forte como se não fosse nada. Respirava bem fundo e soltava o ar rapidamente. Meu coração estava disparado bombeando sangue para o corpo.

Estava fraco no chão. A ferida no meu braço doía e eu nem preciso dizer sobre o machucado no joelho. Ralf pareceu confuso por alguns instantes e quando me percebeu ali no chão ele se inclinou ouvindo meu coração. Ele sentiu minha respiração.

Sem dizer uma palavra ele se ajoelhou no chão e sozinho me pegou nos braços e me colocou em sua cama. Percebi pelo rosto dele que ele estava preocupado. O quarto parecia silencioso e eu não ouvia nada. Atrevo-me a dizer que até vi uma luz que não estava lá. Ralf me deitou na cama e fechou a porta do seu quarto a trancando. Em seguida ele veio até mim e colocou a mão na frente do meu nariz para ver se eu respirava. Ao ver que o ar saia e entrava no meu pulmão ele pareceu mais calmo. Ele se sentou na beirada da cama e abaixou a cabeça pensativo esperando eu me recuperar.

Devagar eu fui recuperando minha respiração. Fui recuperando os sentidos e aquele medo que me possuía se esvaziou. A cama se tornou macia e o clima agradável de novo. Olhei para o lado e só via as costas de Ralf que estava pensativo tentando entender o que aconteceu.

- estou bem – falei com a voz rouca ainda deitado. Minha garganta doía e arranhava. Ralf não disse nada, nem se moveu. Ele estava envergonhado e confuso. Talvez esses pesadelos acordados, sonambulismos ou sei lá já viessem acontecendo a algum tempo. Por isso ele não conseguia dormir.

Depois de alguns segundos ele ainda não tinha dito nada. Foi então que eu me atrevi a sentar na cama. Foi difícil, mas consegui. Ele continuava de costas pra mim. Fui até a beirada da cama e fiquei ao lado esquerdo dele. Levei a mão esquerda até seu peito e senti o calor do seu corpo. Alisei seu peito e com a mão direita levei até sua cintura. Deitei a cabeça no ombro dele tentando acalmá-lo.

- você vai ficar bem. Eu vou ficar bem – falei deixando minha cabeça por um tempo. Minhas mãos o acariciavam. Levantei a cabeça logo em seguida percebendo o que estava fazendo.

Ralf olhou para mim sério e eu gelei por alguns instantes. Percebi que ele era outro homem. Não um qualquer. Um hétero com namorada. Ele não gostava daquilo. Ele ia voltar me estrangular, mas dessa vez ele o faria de propósito. Percebi que passei dos limites e puxei minhas mãos rapidamente tentando me afastar dele, mas Ralf aproximou o rosto do meu e no escuro do quarto pouco iluminado seus lábios tocaram os meus.

Um selinho quente. Sua barba cerrada me fez cócegas e sua língua preencheu minha boca assim que ele segurou meu rosto entre suas mãos. Eu tinha medo de que ele me machucasse, mas ele me fez sentir seguro. Seu rosto tocava o meu e ele se inclinou para trás deitando o corpo na cama me fazendo deitar com ele. Ficando do lado dele alisando sua barriga e seu peito enquanto suas fortes e quentes mãos acariciavam minha nuca e minhas costas.

Minhas mãos fazia carinho em sua barriga enquanto meus lábios recebiam o seus beijos quentes. Nossas línguas dançavam na boca uma valsa bem elaborada. Seu beijo era gostoso, doce e carinhoso. Ele era tão carinhoso beijando quanto era como homem.

Ralf deslizou a mão esquerda pelas minhas costas e levou até minha face. Ele fez o mesmo com a mão que estava na nuca. Ele alisou minhas bochechas com o dedão e antes de afastar meu rosto gentilmente ele deu um selinho em meus lábios. Senti sua respiração quente no meu nariz quando ele afastou meu rosto. Quatro segundos depois ele aproximou o rosto novamente e me deu outro selo. Ele olhava profundamente nos meus olhos e eu sentia como se tivesse finamente dado um mergulho em seu olhar.

- vou ficar bem – falei levando minha mão até seu rosto e alisando-o. Acariciando sua barba que espetou minha mão. Quando fiz isso ele levantou o corpo e voltou a se colocar sentado na cama. Eu me recompus e fiquei sentado ao lado dele olhando para o nada. Acredito que era para o nada que ele olhava também.

- você está machucado? – perguntou ele coçando olho com sua voz rouca quase cochichando.

- esta doendo um pouco – falei olhando para meu braço. A faria da bala sangrava um pouco.

- precisa fazer outro curativo nesse braço – falou ele vendo a atadura com uma grande mancha vermelha.

- tudo bem, vou fazer isso antes do almoço – falei me levantando da cama – que a propósito já está pronto – falei indo até a porta do quarto.

- obrigado – falou ele.

- pelo o que? – falei me virando.

- por ter me acordado – falou ele olhando para mim.

- por nada – falei abrindo a porta do quarto.

Quando me virei para me despedir levei um susto Ralf estava de pé atrás de mim. Antes que eu saísse ele levou a mão até meu rosto e a outra até meu pescoço e me levou até a parede fechando a porta do quarto novamente. Ele acariciou minha bochecha me olhando fixamente. Sentia sua respiração quente em meu rosto. Dessa vez ele não apertou meu pescoço, mas acariciou deslizando seus dedos como se minha pele fosse seda. Levei minhas mãos até ele e abracei-o puxando seu corpo mais perto do meu. Nós nos preparamos e então novamente veio o beijo.

- o que eu estou fazendo? – falou Ralf entre um beijo e outro.

- eu não sei – falei dando um beijo na bochecha dele. Ralf me encarou e eu acariciei seus fortes braços – eu acho que gosto de você.

- Eu tenho certeza de que gosto de você – falou ele bem certo do que dizia – nunca gostei tanto de alguém assim – falou ele aproximando o rosto do meu dando outro selinho em meus lábios. Um selo que se transformou-se novamente em um beijo quente. Nossas línguas novamente se tocaram, húmidas. Podia ouvir os sons de violinos e de pássaros voando no horizonte, o som das ondas do mar se quebrando e o cheiro do orvalho. Minhas mãos alisavam suas costas como laços que o amarram a mim. Não queria que ele se desgrudasse de mim.

A porta se abriu de repente e a luz preencheu o quarto. Era Ursie. Ela nos viu daquele jeito e ficou sem reação. Ralf olhou para Ursie e olhou para mim. Ele me encarou por alguns segundos com sua respiração ofegante.

- ele precisa de outro curativo – falou Ralf dando um último selo na minha boca antes de me soltar gentilmente deslizando as mãos ela minha cintura. Ele ficou parado a minha frente olhando para mim e para Ursie. Agora que a luz iluminava-o eu via seu corpo brilhando com o suor.

- tudo bem – falou Ursie que segurou em minha mão e me puxou para fora do quarto. Fechei a porta e me escorei na parede paralela. Deslizei as costas e parei sentado no chão. Meu coração batia forte. Lambi meus lábios sentindo o gosto de sua boca uma última vez.

Ursie se sentou ao meu lado e olhou para mim. Ela deu um sorriso e começou a rir tapando a boca. Ela ria porque estava certa. Eu gostava de Ralf e com certeza ele gostava de mim.

Obrigado a todos pelos comentários. Fico muito feliz. E agradeço também por todos os desejos de melhoras. Um grande abraço a todos.