Capítulo 18: Os Verdadeiros Personagens | Conto: Deus Americano

  

capítulo dezoito

OS VERDADEIROS PERSONAGENS

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A

penas uma noite. Esse era meu plano. Passar uma noite tranquila na casa de Ursula, mas nem isso eu consegui. Já estava sendo uma barra ter que tratar Ralf como se fosse um estranho e agora eu tinha que lidar com lembranças as quais eu nem tinha. Justin veio até a casa de Ursula e mexeu comigo. Me contou um monte de coisas sobre mim e agora eu não sabia que se acreditava. Não duvido do que ele me contou, mas eu não sei qual é a real intenção dele. Espero que Justin não esteja esperançoso que eu sinta algo por ele porque eu não sinto absolutamente nada além de repulsa. Tenho repulsa até por eu mesmo.

Acabei perdendo o sono noite passada, mas continuei deitado na cama mesmo depois que Ursula e Laila voltaram de seu encontro. Elas davam muitas risadas e desconfio até que uma delas caiu por causa do salto alto. Porque ouvi um baque e em seguida mais risadas. Devido a luz do corredor eu vi as sombras delas de quando elas passaram em frente a minha porta e foram para o quarto de Ursie. A noite delas tinha sito agitada.

Acabei não dormindo o suficiente. A última vez que olhou no relógio era pouco mais das três da manhã e como eu tinha a leitura do testamento do meu pai eu não podia dormir até mais tarde. Meu celular despertou ás seis da manhã e eu estava sem nenhum pingo de ânimo de sair, mas eu precisava ir para encerrar esse assunto de vez. Tomei um banho e é claro, vesti a mesma roupa que estava. Não estava afim de ir até a casa da família de Ralf só para pegar roupa nova.

Desci ás escadas e fui até a cozinha preparar um café da manhã. Estavam morto de fome. Tentei não fazer muito barulho já que Ursie e Laila tinham chegado bem tarde noite passada. Liguei a TV da cozinha e coloquei em um noticiário enquanto eu preparava um sanduíche.

A medida que fazia o café da manhã eu fui melhorando um pouco do ânimo. Bocejei algumas vezes e enquanto lavavas as alfaces e então o noticiário voltou a falar sobre o atentado no aeroporto.

- Desse massacre apenas uma das vítimas saiu com vida: Max Rutherford Loudorn de vinte e quatro anos de idade – falou a repórter enquanto a cena de Ralf pulando em cima de mim era mostrada.

Uma coisa chamou a minha atenção naquela cena. Deixei as alfaces dentro da vasilha na pia e me aproximei da TV enxugando minhas mãos com o pano de prato. Aproximei meu rosto da tela enquanto a cena era mostrada e fiquei abismado.

Graças a deus Ursula tinha TiVo. Peguei o controle remoto e voltei a cena e dessa vez eu a coloquei em câmera lenta e dei um pouco de zoom. Me senti um pouco ao ver que o Ralf da TV não era o Ralf que tinha descrito. O Ralf da televisão tinha cabelos castanhos claros e uma barba bem cheia no rosto. Seus cabelos estavam penteados em um topete. Não conseguia os seus olhos, mas aquilo era o suficiente para saber oque Ralf e Ursula tinham mentido para mim. A imagem da TV não mente. Quando eu descrevi Ralf e ele me abraçou todo feliz eu errei.

Aquilo me fez sentir falta de ar.

- não acredito – falei apoiando minha mão no balcão da cozinha – que merda – falei tentando me recompor.

Meus sintomas não eram leves. Não estavam melhorando e a pior parte é que não cura. O que eu faria se não conseguir mais me lembrar do rosto de ninguém? Já era ruim estar em mundo totalmente estranho á minha volta já que não tinha lembranças precisas, agora eu sou obrigado a me olhar no espelho e não me reconhecer?

Larguei o que estava fazendo na cozinha e subi as escadas. Fui até meu quarto e entrei dentro do banheiro e me olhei no espelho. Será que esse sou o verdadeiro eu? Eu tinha uma expressão cansada… e com razão. Estava cansado de todas essas mudanças. Ninguém me diz o que tenho, as pessoas mentem e fingem que estou melhor, mas estou piorando.

Meu celular começou a tocar no andar de baixo e eu peguei minha carteira e desci as escadas correndo.

- alô – falei pegando o celular sem ver quem era.

- Max?

- sim.

- é o Dr. Bryan.

- oi Dr. Bryan.

- eu te acordei?

- não Doutor Bryan, na verdade estou acordado já faz um tempo.

- que bom, eu não queria ter que ligar uma hora dessas, mas houve uma mudança de planos.

- que mudança?

- lembra o psiquiatra que eu disse que estava interessado no seu caso?

- sim. Eu tenho consulta com vocês na segunda.

- Na verdade ele se adiantou e chegou de Los Angeles hoje. Ele veio aqui só para te ver, será que tem como você vir hoje cedo para uma consulta?

- tem sim, mas não tão cedo. Tenho a leitura do testamento do meu pai ás sete.

- pode ser ás oito? Vou remarcar alguns pacientes para te encaixar.

- combinado. Pode ser.

- te vejo ás oito então.

- obrigado doutor – falei desligando o celular me sentando em uma cadeira á mesa. Respirei fundo e fiquei um pouco mais aliviado em saber que não teria que esperar até segunda. Espero que esse psiquiatra seja tão bom quanto Dr. Bryan tem dito. Eu estava sem apetite novamente, mas precisava comer. Do contrário eu iria desmaiar.

Voltei a fazer meu sanduíche e coloquei um copo com suco de laranja. Me sentei a mesa e dei a primeira mordida. Foi o suficiente para fazer meu apetite voltar. Estava faminto e eu subestimei o quanto estava com fome. Tomei um gole do suco e voltei a ver a Tv.

- bom dia flor do dia – falou Ursula descendo as escadas. Ela estava vestida com um robe Branco com detalhes pretos.

- bom dia – falei pouco entusiasmado.

- acordou cedo.

- eu tenho a leitura do testamento do meu pai. Esqueci de te avisar. Espero que não tenha te acordado.

- não acordou. Eu acordei á alguns minutos.

- sem sono?

- sim – falou Ursula se sentando ´´a mesa comigo. Ela tinha um sorriso.

- você está muito feliz para quem não dormiu direito.

- eu sei  -falou ela rindo – mas não é o “perdi o sono” no sentido ruim. É aquele “perdi o sono porque tenho alguém incrível ao meu lado na cama”.

- então você é mesmo… lésbica?

- sim – falou ela pegando meu copo e dando um gole – porque você não quer acreditar?

- é que você… você disse que está grávida. Você por acaso fez algum teste? Ou você é bi?

- na verdade eu sou barriga de aluguel.

- é sério?

- sim. Estava precisando de um dinheiro extra e descobri que pode ser uma maneira legal de ajudar um casal que não pode ter filhos.

- nossa… isso é bonito – falei colocando meu sanduiche no prato tomando outro gole do suco – até me sinto mal. Nem consigo ficar com raiva de você depois de saber disso.

- raiva? Porque você estaria com raiva de mim?

- porque eu acabei de ver a cena que Ralf pula em cima de mim no aeroporto.

- o que tem isso?

- Ralf está loiro. Eu não vi o rosto dele, mas tenho certeza de que tem olhos azuis. Ele é maior, mais forte e o cabelo está diferente.

Ursie ficou chateada quando disse aquilo. Chateada consigo mesma.

- porque você mentiu?

- eu não sei – falou Ursula olhando para mim – quando você começou a descrever Ralf eu fiquei chateada porque você não acertou. Então Ralf foi para cima de você e disse que tinha acertado. Eu percebi que ele queira poupar você de um sofrimento. Ele olhou para mim e eu percebi que ele queria que eu mentisse então eu sorri e concordei.

- sabe isso é um saco – falei voltando a pegar o sanduiche mordendo outro pedaço – foi legal o que vocês fizeram, mas se você parar pra pensar, uma hora ou outra eu ia descobrir.

- eu sei. Desculpa – falou ela pegando na minha mão.

- tudo bem – falei mordendo o último pedaço e terminando com o suco – eu preciso ir.

- boa sorte.

- só uma coisa – falei parando no meio do caminho.

- o que foi? – perguntou Ursie se levantando com os braços cruzados. Ela estava claramente com os braços cruzados.

- como eu sou?

Ursula me olhou de cima em baixo pro alguns instantes e então respirou fundo.

- olhos castanhos escuros, cabelos pretos um pouco curto dos lados e um pouco maior em cima, como um topete. Rosto liso com uma barba bem cerrada. Apenas no queixo e o bigode. Você tem nariz pequeno, boca média… porque pergunta? Não está conseguindo se reconhecer quando olha no espelho?

- quando me olho no espelho vejo um homem de olhos verdes, cabelo raspados e sem barba. Esse não sou eu. Não sei quanto tempo mais eu vou conseguir viver sem ser eu mesmo.

Ursie apertou os lábios e me deu um abraço.

- tudo vai ficar bem. Você tem a mim.

- obrigado – falei abraçando-a. Você é uma grande amiga.

Soltei Ursie e sai de sua casa bastante chateado. O Dr. Bryan disse que eu vejo a pessoa verdadeira, mas meu cérebro não consegue processar então coloca uma imagem aleatória. Estava cansado disso. Chamei um Uber e assim que entrei no carro eu olhei no celular e vi o endereço que Lea tinha me enviado.

- você prefere o endereço?

- qual o nome do lugar onde você quer ir? – perguntou o motorista.

- Uma firma de advocacia chamada The Ciccone Law Firm Inc.

O motorista colocou o nome da firma no celular e logo ele deu o endereço.

- vinte minutos de viagem – falou o motorista seguindo com o carro.

- obrigado – falei colocando o cinto de segurança.

Seguimos por longos vinte minutos até que finalmente chegamos a forma. Como sempre eu estava atrasado. Dez minutos atrasado. Assim que sai do carro caminhei para dentro da advocacia e antes que pudesse ir a recepção pedir pro informações eu vi Lea e minha mãe Bonnie sentadas.

- finalmente – falou minha mãe se levantando com uma roupa super extravagante. Um terninho totalmente branco, salto alto dourado e uma bolsa cara. Parece que ela andava gastando muito esses dias.

- desculpa é que eu não sabia que estava tão longe daqui.

- não tem problema – falou Lea se aproximando de mim.

- o Dr. Ciccone está esperando por vocês – falou a recepcionista desligando o telefone com um sorriso – me acompanhem.

Lea, minha mãe e eu seguimos a recepcionista e entramos em em elevador que nos levou ao terceiro andar. Ao chegar lá nós caminhamos por um corredor e chegamos a uma grande porta de madeira.

- ele aguarda por vocês aqui dentro.

- obrigada – falou minha mãe abrindo a porta.

Nós entramos em uma grande e bonita sala e de trás de uma cadeira surgiu um homem. Ele sorriu para minha mãe e caminhou até ela.

- Luke! A quanto tempo – falou minha mãe abraçando-o.

- olá Bonnie – falou ele dando um beijo no rosto dela e um abraço.

- Como vai – falou minha imã Lea recebendo um beijo no rosto do advogado alto, ruivo e de olhos azuis.

Eu fiquei parado mais atrás e tive a impressão de que devia conhece-lo.

- Eu sou Luke – falou o advogado se aproximando e apertando minha mão.

- eu sou Max,

- eu sei quem é você, mas você não sabe quem eu sou porque sofreu um acidente.

- como você sabe disso.

- seu pai e eu éramos muito amigos.

- muito?

- sim. A muitos anos – falou ele se sentando em uma cadeira me uma mesa e Lea, minha mãe e eu nos sentamos cada um em uma ponta da mesa – seu pai na verdade foi como um mentor para mim. como um pai.

Imaginei que ele não fosse muito velho. Ele não parecia ter mais do que trinta e cinco anos.

- No inicio eu queria ser promotor como seu pai, mas decidi seguir um caminho diferente, mas aprendi muito com seu pai.

- pois é. Meu pai era um homem bom.

- vãos ao que interessa – falou minha mãe me cortando.

Luke percebeu a tensão e provavelmente sabia o motivo. Se meu pai e ele eram grandes amigos meu pai com certeza contou tudo o que eu tinha feito com ele.

- OK – falou Luke pegando uma maleta e abrindo-a. Lá dentro havia um envelope pardo.

- esse é o testamento? – perguntou Lea.

- sim. O próprio.

Respirei fundo e novamente senti falta do meu pai. Percebi que Lea também sentiu uma dor. Ela não conseguiu disfarçar tão bem quanto eu.

- Leonard deixou bem claro que queria vocês três aqui durante a leitura do testamento. Do contrário ele não seria lido. Preciso que vocês três assinem aqui – falou ele nos entregando um papel.

Depois que nós três assinamos ele pegou o papel e guardou com tantos outros. Advogados gostam de papel. Quanto mais papel e burocracia, melhor. Em seguida Luke pegou o envelope pardo e o abriu. Ele estava fechado com um selo vermelho.

- vamos lá – falou Luke tirando os papéis e colocando em cima da mesa. Ele olhou para mim por alguns instantes e me encarou.

Achei estranho ele fazer aquilo. Foi até um pouco desconcertante. Imagino que ele saiba de tudo sobre mim. Talvez por isso ele me encarasse tato. Ou ele estava horrorizado e estava encarando a besta ou estava simplesmente fascinado por não parecer o monstro que meu pai pintou para ele.

- Eu, Leonard Rutherford Loudorn, estadunidense, casado com Bernadette Rutherford Loudorn, promotor de justiça,  residente em Miami/Flórida estando em perfeito juízo e em pleno gozo de minhas faculdades, intelectuais, sem nenhuma interdição, na presença de três testemunhas e livre de qualquer induzimento ou coação, resolvo lavrar o presente testamento particular no qual exaro minha última vontade, pela forma e maneira seguinte.

PRIMEIRO: Deixo cinquenta por cento dos meus bens para minha esposa Bernadette Rutherford Loudorn.

SEGUNDO: Deixo os outros cinquenta por cento dos meus bens para minha filha Leona Rutherford Loudorn.

Depois de ler essa parte Luke colocou a folha no lugar e olhou para mim. Em seguida ele olhou para Lea e para minha mãe.

- é isso? – perguntou Lea.

- sim. Esse é o testamento – falou Luke.

- ele me excluiu do testamento – falei triste. Não me importava com o dinheiro, mas isso mostrava que meu pai não estava satisfeito comigo. Ele realmente não gostava de mim. E isso dói mais do que qualquer coisa.

- ele não pode fazer isso – falou Lea indignada – ele não pode excluir Max no testamento.

- na verdade a lei realmente não permite que um pai deserde um filho.

- então porque ele fez isso? Como ele conseguiu?

- existem algumas exceções que a lei coloca – falou Luke tentando explicar – se Leon não tivesse feito testamento os bens dele seriam divididos em três parcelas iguais. São três herdeiros então cada um ficaria por com 33,3% dos bens, mas Leon deserdou Max pedindo um juiz a permissão. Algumas coisas como tentativa de assassinato, ofensa física, injuria grave, incesto e outras coisas podem excluir um filh ode um testamento.

- mas Max não fez nada disso.

- ele usou as filmagens – falei olhando para Lea.

Lea olhou para mim e se lembrou dos vídeos e sexo que enviei param eu pai.

- sim – falou Luke – seu pai pediu ao juiz permissão para te excluir do testamento baseando-se nos vídeos de sexo que você enviou. Seu pai tem muita influência e o juiz permitiu. Sinto muito.

- Mais do que justo – falou minha mãe se levantando.

- Para com isso mãe – falou Lea se levantando.

- não tem problema Lea – falei me levantando – não me importo com isso. Não me importo com o dinheiro. O que mais machuca é saber que ele realmente me odiava.

- ele não te odiava – falou Luke olhando para mim.

- acho que ficou mais do que claro que eu fiz a coisa certa não deixando você ir ao velório ou ao enterro. Seria só mais um desgosto para seu pai.

- pare de ficar dizendo isso mãe. Vamos respeitar a vontade do papai – falou Lea olhando para mim.

- acho que vou indo então  -falei me virando.

- eu ainda não acabei  -falou Luke chamando minha atenção – tem mais uma coisa – falou Luke pegando a segunda parte da porção de papéis.

- o que é? – perguntou Bonnie.

- a mais ou menos dois meses Leon deixou comigo sua apólice de seguro de vida.

- ele tinha seguro de vida? – perguntou Lea.

- sim. A muitos anos. Mas á quase dois meses ele fez uma alteração – falou ele folheando as páginas do seguro.

- a senhora sabia que ele tinha seguro de vida? – perguntou Lea.

- não – falou minha mãe voltando a se sentar.

- eu aconselhei ele a não contar a ninguém sobre o seguro de vida. No mundo de hoje não se pode confiar em ninguém – falou Luke olhando para minha mãe – sem querer ofender.

- não ofende. E tenho certeza de que se ‘algumas pessoas’ dessa família soubesse do seguro de vida, Leon estaria em perigo – falou minha mãe olhando para mim.

- engraçado você dizer isso Bonnie – falou Luke pegando finalmente o papel –porque Leon deixou apenas um beneficiário.

- quem? – perguntou ela curiosa.

- Max Rutherford Loudorn.

- eu? – perguntei surpreso.

- sim – falou Luke me mostrando o papel – A vida de Leon estava segurada em três milhões de dólares – falou ele entrelaçando os dedos – valor que será transferido para sua conta imediatamente. Você só precisa ir ao banco e assinar alguns papéis.

Olhando aquele papel eu tive um pouco de esperança. Meu pai não em odiava. Ele fez isso para que eu tivesse uma boa vida e pudesse cuidar da minha doença afinal ele mudou o testamento pouco depois de eu ter encontrado com ele naquele restaurante.

- não acredito que Leon fez isso – falou minha mãe se levantando indignada – você não merece esse dinheiro.

- isso não vem ao caso – falou Lea se levantando e eu fiz o mesmo. Nós dois os abraçamos – o dinheiro é do Max.

- não ligo para o dinheiro – falou minha mãe com raiva – só eu sei o que Leon passou nos últimos anos. Ele estava sempre triste e sofreu com as coisas que Max fez. Ele não merece esse dinheiro.

- ele não me odiava – falei no ouvido de Lea enquanto ainda estávamos abraçados.

- ele nunca te odiou – falou Lea limpando uma lágrima que caiu de meus olhos e eu fiz o mesmo com ela.

- você não sabe a paz que isso me traz – falei pegando o papel.

- se você quiser eu posso estar te acompanhando até o banco para ter certeza de que tudo irá ocorrer dentro da lei – falou Luke se levantando.

- sim, eu gostaria – falei limpando meus olhos, mas eu não vou fazer isso hoje. Eu já tenho compromisso.

- quando você quiser, é só me ligar – falou Luke tirando um cartão de apresentação do bolso e me entregando.

- obrigado.

- lembra-se – falou Luke tocando meu ombro – você tem cinco anos para retirar o dinheiro. Do contrário você não terá mais direito – falou ele rindo.

- OK – falei colocando o cartão no bolso – eu te ligo assim que tiver um tempo sobrando.

Tudo o que ouvimos foi a porta se abrindo e se fechando bruscamente quando minha mãe saiu da sala sem falar com ninguém. Ela estava mesmo com raiva por eu ter ficado com o dinheiro. Ela disse que não se importava com o dinheiro, mas será que isso é verdade? Será que ela estava com raiva do meu pai ter deixado o dinheiro para mim e não para ela?

- obrigado por tudo Dr. Ciccone – falou Lea apertando a mão do advogado que deu um abraço nela.

- foi bom te ver – falou ele com um sorriso – só queria que fosse em circunstancias diferentes.

- é a vida – falou Lea colocando os cabelos para trás e saindo da sala.

- eu te ligo assim que tiver um tempo de sobra para ir ao banco – falou estendendo a mão.

- vou aguardar ansioso sua ligação – falou Luke apertando minha mão – foi bom te ver.

- eu diria o mesmo se me lembrasse de você – falei soltando a mão dele e saindo da sala. Corri atrás de Lea e consegui entrar no elevador com ela.

Quando a porta se fechou Lea olhou para mim e me encarou por alguns instantes.

- o que foi? – perguntei olhando para Lea.

- não é nada… só queria me desculpar por não ter te defendido.

- como assim?

- eu devia ter me imposto. Você tinha direito de ir ao velório. Ao enterro. Você tinha direito á despedida.

- esquece isso Lea. De verdade. Foi até bom não ir sabe… agora eu me lembro dele vivo e não deitado em um caixão. Eu preciso acreditar nisso porque se não eu fico com muita raiva da minha mãe.

Quando saímos da advocacia eu rapidamente pedi por um Uber. Faltava alguns minutos para minha consulta com o Dr. Bryan e não queria me atrasar. Me sentia um pouco aliviado depois da leitura do testamento. Meu pai ainda tinha esperança em mim. Agora eu precisava fazer de tudo para ter uma boa vida. É o que meu pai iria querer.

Ao chegar na clínica fui até a recepção e a recepcionista já sabia quem eu era.

- você é Max Loudorn, certo?

- eu mesmo.

A recepcionista saiu da recepção e foi até a sala de Bryan e em seguida os dois caminharam de volta.

- olá Max – falou Dr. Bryan apertando minha mão.

- oi doutor. Obrigado por ter adiantado a consulta. O senhor não sabe o quanto eu estava precisando dessa consulta.

- vamos comigo – falou Dr. Bryan voltando para sua sala.

- onde está o psiquiatra que você falou?

- está esperando na minha sala.

Dr. Bryan e eu caminhamos para a sala dele e ao chegarmos eu vi um homem sentado em uma das poltronas. Ele se levantou ao me ver.

- olá – falou ele com um sorriso.

- oi.

- Max, esse daqui é o Dr. Rupert Rothlo. Ele veio de Los Angeles para te ver.

- você é um caso raro, queria ver com meus próprios olhos e quem sabe eu poderei colocar você no meu próximo livro – falou ele com um sorriso apertando minha mão.

- você é escritor?

- sim – falou ele voltando a se sentar.

- sente-se – falou Bryan.

Dr. Bryan se sentou ao lado do Dr. Rothlo e eu me sentei de frente para eles.

- então… - falou o novo psiquiatra – Dr. Bryan me contou tudo sobre o seu caso e eu achei ele bem interessante. Você é um caso raro.

- Dr. Bryan me disse.

- ele me disse que você está tendo sinais de Prosopagnosia?

- sim. Eu não consigo de me lembrar do rosto de algumas pessoas sabe.

- o mais interessante sobre isso é que você perdeu a memória então diagnosticar a Prosopagnosia foi um trabalho de mestre afinal você não se lembra de nada então não tinha nada com o que comparar. Dr. Bryan fez um ótimo trabalho.

- pois é.

- você tem sentido sinais de melhore? – perguntou Dr. Bryan.

- vou ser sincero e direto. Não. Eu não me reconheço quando me olho nos espelho e é claro, não reconheço algumas pessoas e podem ser mais afinal eu não tenho um radar que me diga quando eu vejo a pessoa certa ou a errada.

- eu tenho feito algumas pesquisas e faz uns cinco ou seis anos que eu comecei uma pesquisa sobre Prosopagnosia e algumas técnicas para acabar com os sintomas. Eu tive alguns pacientes com esses sintomas e eu descobri que uma combinação de Hipnose, terapia e antidepressivos podem fazer com que os sintomas desaparecam e você volte a reconhecer os rostos. Como o Dr. Bryan disse, não tem cura, mas eu estou desenvolvendo esse tratamento e eu gostaria de tentar com você.

- outra pessoas já utilizaram esses medicamentos?

- sim – falou Dr. Rothlo – nos dez casos eu obtive sucesso em quatro. E tenho esperança de que você seja meu quinto caso de sucesso.

- então eu gostaria de tentar.

- você terá que fazer terapia e algumas sessões de hipnose, mas os remédios fazem a maior parte do trabalho.

- quantos remédios serão necessários?

- quatro pílulas por dia.

- não é muito pesado?

- olha existe um tabu sobre antidepressivos. Eles não são só para pessoas com doenças mentais graves. Tomar antidepressivo é exatamente como tomar remédios para qualquer doença física. Antidepressivos nem sempre são usados para tratar depressão e esse será seu caso. Não estaremos tratando depressão.

- vou ter que tomar esses remédios para sempre?

- Eu gosto de descrever antidepressivos como um gesso: você quebra a perna, então precisa usar um gesso para segurar e ajudar a curar por um tempo. Você combina isso com fisioterapia para fortalecer sua perna e voltar à forma saudável. E vamos fazer a mesma coisa com antidepressivos. Tome-os, combine-os com terapia, hipnose e então depois de alguns meses ou anos nós vamos diminuir as doses e ver se descobrimos se você pode ficar sem eles. Caso você precise dos remédios para sempre não é nada de errado nisso. Você terá uma vida normal como qualquer outra.

- olha Rupert… posso te chamar de Rupert? Parece que vamos passar bastante tempo juntos.

- pode – falou ele rindo.

- Rupert eu estou disposto a qualquer coisa para me ver livre disso.

- tudo bem então – falou ele respirando fundo – mas eu preciso deixar claro uma coisa.

- o que?

-  Os primeiros dias tomando antidepressivos podem ser bem difíceis. A forma que você vai se sentir quando começar a tomar os antidepressivos não é necessariamente como você vai se sentir sempre enquanto os toma. Os primeiros dias são dramáticos, enquanto seu corpo descobre como lidar com essa nova entrada de substâncias químicas. Isso varia de pessoa para pessoa. Algumas pessoas se sentem muito felizes, outras se sentem tristes e acredite se quiser, algumas pessoas não sentem nada. Depois de um uma semana seu corpo vai se ajustar e você vai começar a se sentir como antes, só que com um detalhe: você vai se sentir melhor.

- e os rostos? Eu vou começar a vê-los imediatamente?

- sim, mas isso será graças a hipnose. Ela fará com que você bloqueie a parte da sua mente que não reconhece os rostos. Então os remédios vão ajudar a manter.

- Nossa doutor eu estou tão feliz por ouvir isso. Só quero voltar a reconhecer as pessoas a minha volta, quero voltar a reconhecer a mim mesmo quando olho no espelho.

- as pessoas ao redor são como personagens e a Prosopagnosia faz com que você veja “atores diferentes” os interpretando. Esperamos que a hipnose combinada com os antidepressivos faça você ver a realidade. Não quer dizer que todas as pessoas ao seu redor serão diferentes. Geralmente as pessoas que você conhece a mais tempo serão as mesmas e as pessoas que conheceu recentemente sejam diferentes, mas isso não é regra geral. Pode variar.

- estou ansioso por isso.

- vamos lá – falou ele sorrindo para mim e se levantando – vamos fazer a primeira sessão – falou ele ficando de pé.

Me deitei em um sofá paralelo e olhei para o alto. Os dois médicos olharam para mim.

- A hipnose pode facilmente auxiliar no tratamento de fobias, pânico, estresse pós-traumático, insônia e outras coisas então isso também será bom para recuperar sua memória por completo – falou Dr. Rothlo se sentando ao meu lado.

- OK – falei respirando fundo.

- feche os olhos – falou ele colocando a mão no meu rosto em fazendo fechar.

- OK – falou Dr. Bryan se aproximando – você consegue ouvir minha voz e mesmo de olhos fechados está consciente dos sons do ambiente e ouvindo os sons ao seu redor. Você também pode sentir os movimentos do seu corpo ao respirar, inspirando e… expirando… inspirando e…expirando… - falou Dr. Bryan pausadamente – A medida em que você continua ouvindo minhas voz e compreendendo essas palavras você também pode sentir a língua em sua boca… os lábios… o nariz… a temperatura do seu rosto… inspirando uma profunda sensação de paz, que acompanha o ritmo da respiração, com os ombros subindo… e descendo… subindo e descendo… lentamente… os músculos relaxando nos ombros e em todo o rosto e com os músculos relaxados você sente agora também os dedos dos pés… e ao sentir os pés…as mãos… você escuta os sons ao redor e sente junto de tudo isso uma profunda sensação de paz e de alegria – falou novamente ele pausando – essa sensação se espalha por todo o corpo e te dá vontade de sorrir, pois é possível lembrar um momento de muita alegria – continuei inspirando e expirando – e enquanto lembra este momento muito agradável e alegre, você pode simplesmente levar os sentimentos com você junto de sua inspiração e expiração…inspiração e expiração… inspiração de uma profunda sensação de paz…

Senti como se estivesse flutuando. Senti como se minhas pernas, meus dedos e meus braços já não estivessem conectados a mim. Minha língua ficou dormente e a minha respiração ficou mais calma e a cada inspiração e expiração eu sentia uma pontada de sono.

- quando você acordar você verá ás pessoas como elas realmente são – falou Dr. Rothlo. Foi a última coisa que ouvi.

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Obrigado a todos pelos comentários e votos e sim, estou me recuperando bem a cirurgia :) Obrigado por se preocuparem. Um abraço a todos e até o próximo capítulo.