Capítulo 20: Alice | Conto: Deus Americano

capítulo vinte

ALICE

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M

eu coração batia rápido. Ainda estava em choque com o noticiário. Ava tinha perdido os dois olhos graças ao um ladrão de órgãos. Não pude evitar de me sentir culpado. Afinal eu tinha desejado que algo de muito ruim acontecesse com ela. Por outro lado eu estava nervoso pelo o que aconteceu nas escadas. Tenho quase certeza de que o pai de Ralf nos viu. A expressão dele não era a mesma. Ele parecia surpreso, chocado e eu me atrevo a dizer que até um pouco chocado. As horas se passaram e eu continuei trancado dentro do meu quarto. Não tinha coragem de sair e encarar Randy. Não tinha coragem de sair e encarar Ralf. Era tanta coisa em minha mente nesse momento, não dava para descrever  nem escolher com o que eu ficaria preocupado.

Cochilei um pouco durante a tarde. A TV ficou ligada, mas aquilo não me incomodou. Até gostava. Era relaxante e me ajudava a dormir. Meu celular despertou ás quatro horas da tarde. Era hora de tomar os meus remédios. Fui até o banheiro do meu quarto e peguei os quatro frascos e retirei quatro comprimidos. Tomei os quatro com um pouco de água da torneira. Olhei para o espelho e ouvi alguém batendo na porta do meu quarto.

- Max?

- só um segundo – falei jogando uma água no rosto tentando não parecer que tinha acabado de acordar.

Sai do banheiro e fui sequei meu rosto com a toalha. Em seguida abri a porta. Era Ellen.

- desculpa te incomodar Mas, tem um alguns policiais ali na porta. Eles querem falar com você.

- policiais?

- sim.

- o que será que eles querem?

- não sei – falou Ellen me seguindo enquanto ia até a porta.

Ellen foi para a cozinha e eu caminhei até a porta. Ao abri-la eu vi dois policiais.

- boa tarde – falou um deles.

- boa tarde – falei bocejando – no que posso ajuda-los?

- podemos entrar?

- claro –falei saindo da frente.

- você é Max Rutherford Loudorn?

- sou sim senhor – falei indo até a sala e os policias me acompanharam – sentem-se – falei me sentando me um sofá enquanto os outros dois policiais sentaram logo á minha frente.

- obrigado – falou um dos policiais

- então… no que posso ajuda-los?

- desculpe atrapalhar – falou Ellen chegando até nós com um sorriso e algumas xícaras de café.

- obrigado senhora – falou um dos policiais. OS dois pegaram uma xícara e eu fiz o mesmo. Tomei um gole do café amargo e saboroso de Ellen. Tinha sentido falta do seu café.

- vou deixar vocês a sós – falou Ela saindo com a bandeja de prata na mão.

- bom… não queremos tomar muito do seu tempo – falou um dos policiais – estamos aqui para falar sobre…

- sobre o roubo de órgãos? – falei respirando fundo – eu vi no noticiário que eles encontraram uma nova vítima.

- na verdade não é sobre isso – falou o Policial Kümmel. Estava escrito em seu uniforme.

- desculpa é que aconteceram tanta coisas na minha vida que envolvem vocês policiais que eu confundo.

- na verdade nós recebemos uma ligação do departamento de policia de Chicago.

- sobre?

- eles encontraram o homem que estava com você quando sofreu seu acidente.

- sério? E quem ele era? – perguntei curioso. Nem me lembrava mais que havia alguém no carro comigo.

- na verdade ele ainda está vivo.

- ele sobreviveu?

- sim.

- Onde ele estava?

- Depois do acidente ele rastejou até a avenida e um carro chamou a policia. Ele chegou desacordado e como não tinha documentos ele foi registrado como um desconhecido. Nós tivemos que ir de hospital em hospital até que finalmente o encontramos. A esposa o reconheceu.

- como assim? Ele está vivo ou morto?

- Vivo. Ele está na UTI em coma induzido. Ele sofreu mais ferimentos do que você já que ele estava sem cinto de segurança. OS médicos então estão induzindo um come até que ele melhore.

- tem previsão de quando eles vão acordá-lo?

- não. Na verdade os médicos vão deixa-lo em coma até que possam realizar uma última cirurgia. Essa cirurgia será dentro de dois meses mais ou menos.

- como ele se chama?

- Christopher Randolph Simpson.

- Christopher Randolph Simpson? – repeti o nome tentando lembrar de algo.

- reconhece esse nome?

- sinceramente? Não. Não faço a mínima ideia. Quantos anos ele tem?

- Na verdade ele completou vinte e cinco anos de idade á uma semana. Ele mora em Chicago. Ele trabalha como vendedor em uma concessionaria e tem um filho recém nascido.

- ele é casado?

- sim.

- com mulher?

- sim. Porque?

- não é nada é só que eu tive essa teoria na cabeça de que estivesse em Chicago por causa de um namorado ou algo do tipo, mas talvez eu esteja enganado.

- enfim… só queríamos que soubesse que nós conseguimos encontra-lo, mas não poderemos fechar o caso até que ele acorde. Precisamos saber o motivo do acidente.

- tudo bem – falei me levantando.

- tem mais uma coisa – falou um dos policiais deixando a xícara em cima da mesa.

- o que é?

- a Esposa do Sr. Simpson pediu que você entrasse em contato – falou ele me entregando um pedaço de papel com um número.

 - a esposa dele quer conversar comigo?

- sim. Ela inclusive mandou uma foto.

Ele me mostrou a foto, mas mesmo assim eu não o reconheci. Um homem de barba e bigode, com olhos verdes e um sorriso no rosto. Cabelos penteados em um topete.

- reconhece esse homem?

- não tenho a mínima ideia de quem seja.

- fique com a foto e com o número.

- tudo bem – falei pegando o papel com o número – eu os acompanho até a porta.

Caminhamos até a porta e eu agradeci a atenção dos dois oficiais. Era realmente intrigante. Em minhas mãos eu tinha um papel com apenas um nome “Madeleine” e logo abaixo um número e telefone. Como eu poderia ligar? Eu não tenho respostas. E se o marido dela e eu estivéssemos tendo um caso? Não duvido de nada vindo de mim afinal eu não era nenhum santo na outra vida. Não penso em ligar para ele tão cedo. Com certeza eu não tenho as respostas que ela precisa. Eu procuro pelas mesmas respostas.

Assim que os policiais se foram eu fui até a cozinha. Ellen estava no jardim cuidando das plantas. Caminhei até lá fora.

- Eles já se foram? – perguntou ela enquanto podava algumas plantas.

- sim. Eles só vieram me atualizar sobre o meu acidente de carro em que eu perdi a memória.

- foram boas noticias?

- foram sim.

- que bom.

- só a senhora está aqui?

- Randy é carpinteiro e está trabalhando na construção não muito longe daqui. Eu não sei onde Kyara está.. Ela vive saindo com as amigas. Agora que o casamento tem data marcada…

- eles marcaram o dia do casamento?

- sim. Decidiram hoje mais cedo. Daqui á um mês.

- onde está Ralf? – perguntei com raiva dele. Porque ele me beijava e depois marcava o casamento? O que tinha de errado com ele?

- ele deve estar no bar. Todos os dias mais ou menos nessa hora ele desaparece e só volta de madrugada.

- entendi… - falei sem graça. Acho que deixei transparecer que o casamento de Ralf e Kyara não em deixava feliz.

- você está bem?

- estou sim. É só que lembrar do meu acidente trás lembranças ruins.

- isso passa – falou ela voltando ás plantas – tudo passa.

Deixei Ellen com suas plantas e entrei em casa. Ao chegar na cozinha eu vi Kyara. Ela estava uma amiga. Elas davam risadas de algo e ao me verem elas pararam.

- oi Max – falou Kyara.

- oi – falei sem graça.

- ficou sabendo da novidade?

- sim. Ellen acabou de me contar – meus parabéns – falei isso tentando disfarçar e acho que consegui melhor do que com Ellen.

- essa daqui é Amanda Rodriguez. Minha madrinha.

- prazer.

- você é o herói – falou ela com um sorriso no rosto.

- não. O herói é o Ralf. O futuro marido dela.

- não acho – falou Amanda cruzando os braços – você é o verdadeiro Herói. O tiro era para Ralf e você foi o escudo. Ao meu ver você é o herói. Não diminua seu valor.

- muito gentil da sua parte, mas eu não tinha intenção de salvar ninguém então acho que não devo ser visto como um herói. Sou só uma fatalidade.

- ainda sim, um herói – falou ela com um sorriso.

- vou deixar vocês em paz – falei passando por Kyara e Amanda.

- Max! – falou Kyara chamando minha atenção – sei que não devia fazer isso e tenho certeza de que Ralf vai falar com você em breve, mas ele gostaria que você fosse o padrinho dele. Eu também gostaria.

- sério?

- sim. Eu que dei a ideia – falou Kyara – será maravilhoso.

- eu nunca fui padrinho de ninguém antes.

- é fácil. Tudo o que você tem que fazer é deixar Ralf pronto para ir ao altar. Você vai ficar ao lado dele todo o tempo e vai tranquilizá-lo e vai fazer com que o nosso dia seja perfeito. Você fará isso com Ralf e Amanda fará isso comigo. No fim Ralf e eu seremos marido e mulher.

- acho que não posso negar.

- e não pode mesmo  -falou Kyara segurando minha mão – muito obrigada.

- de nada – falei forçando um sorriso.

- foi bom te conhecer – falou Amanda quando as duas foram para o jardim.

Como se minha vida já não fosse uma merda agora eu vou ser obrigado a ficar ao lado de Ralf até o dia do casamento? A última coisa que eu queria ser nesse casamento é o padrinho. Ralf estava me decepcionando. Ele disse que queria a mim, mas claramente ele estava disposto a continuar com esse disfarce. Eu já tive uma vida miserável, não precisava disso novamente.

Subi as escadas e fui até meu quarto e peguei meu celular e minha carteira. Meus planos incluíam ficar em casa, mas eu precisava ir ver Ursula. Sai do meu quarto e fui até as escadas. Quando desci dois degraus eu vi que Randy estava subindo. Ele me encarou e não piscou. A expressão dele era a mesma do dia anterior. Senti meu coração disparar. Pensei que ele fosse dizer algo ou fosse fazer algo como me botar para fora da casa dele, mas ele foi frio comigo.

- boa tarde Sr. Falconer.

- boa – falou ele passando por mim sem me dar muita atenção.

Aquilo foi assustador. Agora tinha mais do que certeza de que ele tinha nos visto mais cedo. E tenho certeza de que ele não gostou nada do que viu. Ao chegar na casa de Ursula ela me recebeu com um abraço. Ela claramente já tinha visto o noticiário. Em frente a casa de Kevin havia uma viatura e alguns repórteres.

- você viu o que aconteceu com Ava?

- sim – falei olhando para a casa de Kevin. Ursula estava parada ao meu lado com a mão na barriga –eu vi que a vitima se chamava Avalon e na hora me veio Ava na cabeça.

- você está bem?

- estou sim – falei colocando a mão na cicatriz onde estava meu rim – foi só um rim. Eu não sei  oque faria se tivessem sido meus dois olhos – falei em sentindo mal por Ava.

- o que você acha que irmos até lá? – perguntou Ursie.

- não sei. Vamos?

- sim – falou Ursie fechando a porta da casa e nós caminhamos até o outro lado da rua.

- quem são vocês? – perguntou o policial quando chegamos até a casa.

- pode deixar eles entrarem – falou Kevin vindo pelo jardim – eles são amigos.

Ursie e eu passamos pelos policiais e caminhamos até Kevin. Eu estendi minha mão para apertar a de Kevin, mas por algum motivo ele achou que eu fosse dar um abraço e foi isso que ele fez.

- como ela está? – perguntou Ursie.

- ela está bem – falou Kevin ainda abraçado comigo.

- acho que ela não vai querer nos ver – falei soltando Kevin.

Kevin começou a rir quando eu disse aquilo.

- espera… eu não disse isso de maldade.

- eu sei – falou Kevin – eu também não estou rindo por maldade. É só que é muito estressante. Toda essa situação.

Nós caminhamos para dentro da casa e ao chegarmos nós vimos Ava sentada no sofá. Ela tinha curativo nos dois olhos e sentada ao seu lado estava Adrien.

- o que eles estão fazendo aqui? – perguntou Adrien se levantando.

- eles vieram ver Ava.

- quem são? – perguntou Ava.

- Max e Ursula.

- não preciso da piedade deles – falou Ava – tenho certeza de que eles estão muito felizes com o que aconteceu.

- claro que não Ava – falou Ursula indo até Ava e se sentando do lado dela. Vi Ursula segurar na mão da Ava consolando-a – nós só viemos dar o nosso apoio.

- e você? O que veio fazer aqui? – perguntou Adrien agressivo para mim.

- Adrien, por favor.

- Eu devo explicações ao dono da casa, que é Kevin. Eu não preciso me explicar para mais ninguém ,especialmente para um neonazista de merda que nem você.

- cai fora daqui – falou Kevin para Adrien.

Ao passar por mim Adrien se esbarrou em mim e subiu as escadas. Nesse momento Justin veio da cozinha com um copo de água.

- Max? – perguntou Justin surpreso por me ver.

- oi Justin.

Olhei para Justin e depois olhei para Kevin. Kevin ficou me encarando e eu percebi que Justin e Kevin tinham brigado. Kevin parecia chateado por saber que no passado eu o trai com o melhor amigo, mas eu acho bobeira. Nós nem estamos juntos. Não tem porque ele ficar com raiva do amigo. Vi que Ava e Ursula continuavam de mãos dadas conversando sobre algo.

- posso te fazer uma pergunta? – falei olhando para Kevin.

- sim.

- Por acaso Ava e Ursie já tiveram um…

- um lance – falou Justin se intrometendo.

- sim – respondeu Kevin. As duas tiveram um relacionamento, mas como você já deve ter percebido Ava e Ursie estão em sintonias diferentes. Ava é mais elétrica, gosta de festas, orgias e Ursula é mais caseira, romântica e apaixonada. Elas ficaram juntas por dois anos.

- sabia que ela e Laila estão juntos?

- Laila? – perguntou Kevin – a minha Laila? Comissária de bordo.

- sim. Ela mesma.

- nossa eu sou tão burro, eu nem sabia que Laila gosta de mulher…

- foi por isso que ela não respondeu ás minhas cantadas – falou Justin rindo. Claramente era uma piada já que ele gosta de homem. Justin deu risada e eu não pude me contar.

- entendi – falou Kevin – ai quando Laila não correspondeu ás suas cantadas você resolver dar cantada no Max? – Perguntou Kevin.

- não vamos brigar – falou Justin.

- eu concordo. – falei olhando para Kevin – não sei porque você brigaria por algo que já não tem. Nenhum dos dois. Agora vocês devem brigar por causa do Adrien, mas eu garanto que Kevin tem mais chances já que ele é o pai.

- você está diferente – falou Kevin – não sei o que é…

- eu me sinto diferente. Mais confiante. Não sou o bobão ingênuo que acordou em um campo florido dentro de um carro. Eu me sinto diferente.

Era verdade. Me sinto diferente depois de ter começado o tratamento o com o Dr. Rupert Rothlo. As pílulas realmente estavam surtindo efeito. Não só na forma como eu via as pessoas, mas na forma em que eu me via. Eu me sinto um pouco mais disposto e animado do que antes. Acho que minha autoconfiança e autoestima melhoraram muito.

- eu posso falar com Max? – perguntou Ava chamando minha atenção.

- pode – falou Ursula se levantando e ajudando Ava a se levantar. Elas vieram até ponde nós estávamos.

- estou aqui – falei segurando a mão de Ava – sinto muito pelo o que aconteceu. De verdade.

- como eles eram? – perguntou Ava.

- o que?

- o cara que te dopou?

- era muito bonito. Ele realmente me chamou a atenção. Era bonito, carinhoso e se ofereceu para me levar para o motel.

- a mesma coisa comigo – falou Ava – uma mulher linda de cabelos pretos e olhos castanhos. Ela me deu bola e eu dei bola. Se eu soubesse que ela faria isso comigo – falou Ava cabisbaixa.

- eu sei como se sente.

- A pior parte de tudo é que eu nunca mais vou poder olhar na sua cara e dizer como te odeio – falou Ava rindo. Todos também riram do humor negro de Ava.

Depois de ficar mais ou menos uma hora na casa de Kevin, Ursula e eu voltamos para sua casa. Nós ficamos jogando conversa fora até quase nove horas da noite. Contei tudo o que tinha acontecido. Ralf, Christopher, o casamento e Randy. Era bom poder desabafar com alguém. Ursula preparou o jantar e nós tínhamos acabado e comer.

- você pode dormir no quarto de sempre – falou Ursula.

- não. vou voltar para a casa de Ralf. Não quero causar má impressão como se estivesse fugindo de algo.

- que é claramente o que você quer fazer – falou ela rindo.

- sim. Eu quero – falei chegando á porta – obrigado pelo jantar e por ter ouvido meus problemas.

- obrigado por ter vindo me fazer companhia.

- não foi nada – falei saindo da casa dela e caminhando até a calçada.

Meu Uber estava a cinco minutos de distância e por algum motivo o motorista cancelou a viagem.

- que droga – falei chamando pro outro.

Esse novo carro estava a dez minutos de distância. Não queria ficar parado na porta da casa de Ursie então caminhei até uma praça que tinha lá perto e onde eu podia me sentar e esperar pelo carro. Não tinha nada para fazer então apenas abri um jogo. Para minha sorte não precisei caminhar para procurar. Ele estava bem na minha frente. Na rua.

- Max? – falou uma voz próxima a mim.

Quando olhei para o lado levei um susto. Me levantei do banco e deixei meu celular cair no chão.

- pai? – falei assustado.

- se acalma – falou ele dando um passo na minha direção.

O homem era exatamente como meu pai. A única diferença é que não usava barba e era um pouco mais cheinho no rosto. Meu coração bateu rápido e minhas pernas tremeram. A voz era igual, o jeito de caminhar e até a forma com que ele estendeu a mão tentando me acalmar.

- você morreu – falei me abaixando e pegando o celular. Estava preparado para correr.

- espero que não – falou ele rindo.

- acho que vou parar com os remédios – falei me sentando novamente e colocando as mãos na cabeça. Era a única explicação.

- fica calmo – falou o homem se sentando do meu lado e colocando a mão nas minhas costas.

- você não é real – falei respirando fundo de olhos fechados.

- claro que eu sou real. Você não sabe quem eu sou?

- sei. Você é meu pai. Meu pai morreu então você não é real.

- eu não sou seu pai. Sou seu tio Teddy. Ninguém te contou que seu pai tem um irmão gêmeo?

- como é que é? – falei olhando para ele.

- porque você não foi no velório e no enterro do seu pai?

- você é irmão gêmeo do meu pai?

- sou – falou ele pegando o celular. Ele foi até a galeria e me mostrou uma foto. Os dois estavam um do lado do outro. Eram exatamente iguais. Meu pai era um pouco mais magro e estava de barba. Acho que ele sempre gostou da barba.

- porque ninguém me contou isso?

- sua família não gosta muito de mim.

- fala da minha mãe?

- sim.

- porque a Lea não em contou nada?

- Lea não gosta muito de mim e você também não gostava muito.

- porque?

- digamos que eu cometi alguns erros que machucaram seu pai.

- por exemplo?

- eu roubei do seu pai para sustentar o meu vício. Isso faz mais ou menos uns oito anos.

- você era drogado? Porque eu me identifico com isso – falei rindo.

- álcool – falou ele pegando a moeda dos Alcoólicos Anônimos – estou á quinhentos e vinte e três dias sóbrio – eu cansei de fazer a coisa errada sabe.

- eu também cansei – falei olhando para ele. Eu não pude disfarçar. Eu o encarei.

- está com saudades do seu pai?

- um pouco – falei triste – como você me encontrou?

- eu sai perguntado por ai e me disseram que você estava ficando na casa de uma amiga. Na verdade eu cheguei aqui faz algumas horas, mas você não ficava sozinho. Até pensei que você fosse dormir ai. Eu sou bom detetive.

- percebi – falei olhando para ele – o que você quer? Só me ver?

- eu quero ter um relacionamento com você. Eu não fazia parte da sua vida anterior, mas quero fazer parte dessa vida.

- você está de carro?

- sim.

Peguei o meu celular e cancelei o Uber que tinha pedido.

- você pode me dar uma carona de volta para casa?

- onde você mora?

- estou hospedado na casa de umas pessoas que conheci recentemente.

- sim. Eu te levo – falou ele se levantando e nós entramos no carro. Coloquei o cinto de segurança e nós seguimos.

- eu te ensino o caminho – falei quando paramos no sinal vermelho.

Nós seguimos viagem de volta a casa de Ralf e meu tio Teddy me perguntou um monte de coisa. Como era minha vida, como eu estava me sentindo, se eu estava me tratando e claro, me contou algumas histórias de quando eu era pequeno.

- é aqui – falei quando chegamos a cerejeira do Japão.

- posso te ver de novo?

- você mora aqui em Miami?

- moro em Orlando, mas eu vou ficar alguns dias na cidade.

- então sim. Você pode me ver de novo – falei abrindo a porta do carro.

- espera – falou Teddy segurando meu braço – eu preciso te pedir uma coisa.

 - o que é?

Ele olhou para mim por alguns segundos e depois soltou meu braço.

- não é nada.

- pode dizer. O que é?

- depois nós conversamos.

- tem certeza?

- não é nada urgente. Podemos nos encontrar essa semana e nós conversamos.

- tudo bem – falei saindo do carro – tenha uma boa noite.

- você também. Foi bom te ver.

- igualmente – falei afastando do carro.

O carro se foi e eu caminhei em direção a casa. Estava me sentindo tão bem. Era engraçado ver aquele homem exatamente como meu pai. Se o mundo fosse um lugar menos cruel talvez meu pai não tivesse morrido. Ele estaria vivo. Não sei. É estranho. Eu meio que sento como se ele estivesse vivo. 

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