PRÓLOGO
O
|
Alvoroço era
real. Nunca em minha vida eu tinha visto tantas pessoas e tanto ódio em um só
lugar. A multidão enfurecida gritava ofensas. ‘Vagabunda’, ‘Assassina de
bebês’, ‘Vocês merecem o inferno’. As pessoas balançavam faixas e cartazes. A
maioria pedia ‘Justiça por Caylee’. Era como um bando de cachorros raivosos
querendo nos atacar. Podia-se ver a baba escorrendo por suas bocas enquanto os
dentes afiados estavam preparados para rasgar a carne. A única coisa que os
impediam de sermos dilacerados ali mesmo eram os policiais. Havia duas equipes
táticas da policia da Flórida. Tudo para impedir que o pior acontecesse.
Casey e eu tentávamos passar pela
multidão enfurecida enquanto o advogado de Casey, três policiais faziam nossa
segurança. Havia microfones e câmeras em volta de nós. A imprensa estava a todo
vapor. Todos os canais de televisão queriam ser os primeiros a ter uma entrevista
após o veredito de ‘inocente’ ter sido declarado. O mundo inteiro estava de olho
em nós. Principalmente em minha irmã Casey.
- assassina mentirosa! – gritou
uma senhora com o punho cerrado balançando-o ferozmente. Eu tentei ignorá-la e
o advogado de Casey colocou a mão no rosto dela para que Casey não fosse
filmada.
- vocês vão queimar no inferno! –
gritou um homem de barriga gigantesca cuspindo em meu rosto. Eu virei o rosto
com nojo e passei a mão limpando. Ele quase acertou minha boca.
Descíamos as escadas do tribunal
tentando chegar ao carro. Eram apenas alguns metros, mas em meio aquele
estardalhaço pareceram quilômetros infinitos. A multidão tentava ser contida e
um dos policiais segurou firme no meu braço me impedindo de cair quando eu
tropecei. Olhei para ele, mas o detetive não olhou de volta. Eu o conhecia.
Talvez até demais. Seus lindos olhos de cor azul topázio. O azul penetrante em
volta das rajadas cor de mel que iam até o centro de sua pupila negra como a
sombra que pairava sobre Orlando.
O rosto com a barba castanha que
se tornava grisalha no queixo. Os lábios vermelhos e carnudos que estavam
cerrados. A expressão séria em seu rosto. Ele não olhou para mim. Não sei o que
eu via em seus olhos. Talvez ânsia? Raiva? Desapontamento? Talvez ele só
tivesse desistido. Infelizmente não tive a sorte de poder olhar para ele uma última
vez. Tenho certeza de que seria a última.
- com licença – falou um dos
policiais para os repórteres que se juntaram em frente ao carro como um enxame
de abelhas. Eles se afastaram um pouco, mas não o suficiente. O advogado abriu
a porta do carro e Casey entrou. Ainda segurando em minha mão. Ao entrar ela
soltou minha mão e foi quando alguém puxou minha camiseta. Alguém da multidão
enfurecida. A porta do carro se fechou.
- Sua aberração! – exclamou
furiosa a mulher olhando para minhas mãos que estavam de luva. Ela tinha
cabelos negros e olhos cansados. Parece que ela tinha passado a noite toda de
fora do palácio da justiça esperando pelo veredito que nunca veio. Ao seu lado
havia um homem de cabelos raspados e olhos castanhos com uma silver tape em sua
boca. ‘O que aconteceu com Caylee?’ Estava escrito no cartaz que ele carregava.
O homem olhava fixamente para mim.
Antes que a multidão pudesse me
linchar ali mesmo um dos policiais me puxou de volta e segurou firme em meu
braço abrindo a porta do carro e me jogando lá dentro. Ele fechou a porta e foi
à última vez que eu o vi antes que o carro começasse a andar. Ele virou de
costas tentando conter a multidão com outros colegas que se aproximaram.
No banco da frente estava o
advogado de Casey, Joseph Baez. Dirigindo o carro estava Lola Henderson. Uma
das mais novas policiais a entrarem na academia de polícia de Orlando.
- você está bem? Eles te
machucaram? – perguntou Casey olhando para mim. Seus olhos azuis agora estavam
vermelhos, mas serenos. Suas mãos trêmulas, mas não de medo. Ela respirava
ofegante. Seus longos cabelos castanhos escuros que iam até quase o meio de
suas costas estavam desgrenhados em seu rosto que estava molhado com suor e
lágrimas.
- o que você fez com a Caylee? –
perguntei olhando para Casey. Não estava nem ai para o que tinha acontecido
comigo. Só queria saber onde estava minha sobrinha. Minha voz saiu firme, mas
desanimadoramente alta.
- cala a boca Casey! – falou o
advogado que era mais conhecido como Joe – não fala nada! – Olhamos para frente
e vimos que Joe olhava para a policial Lola que por sua vez parecia intrigada e
curiosa pela minha pergunta. Nós percebemos que não poderíamos ter aquela
conversa na frente de uma agente da lei.
Se não poderíamos conversar sobre
aquilo eu não queria conversar sobre nada. Apenas me afastei o máximo de pude
de Casey e olhei para fora. A paisagem lá fora passava rápida enquanto Lola nos
levava para um lugar em segurança. Levaria algumas horas e talvez até alguns
dias para que pudéssemos ser vistos em público novamente.
- você acredita em mim, não é? –
falou Casey cochichando colocando sua mão em cima da minha que estava em cima
do banco. Eu não pude impedir que meus olhos se enchessem de lágrimas. Olhei
para Casey e fiquei encarando ela por um tempo. Seus olhos também demonstravam
tristeza, mas eu não tinha certeza se a tristeza que eu via em seus olhos era a
mesma tristeza que eu vi no olhar de cada uma das pessoas daquela multidão –
obrigado pelo o que fez… – falou Casey. Eu puxei minha mão interrompendo sua
frase e voltei a olhar para o lado de fora. Não tinha nada para dizer a ela.
A televisão do carro de Joe
estava ligada e com o silêncio que surgiu todos fomos obrigados a prestar
atenção no que a jornalista sensacionalista Nancy Grace dizia. Ela se mostrava
indignada com o que tinha acontecido naquela tórrida tarde. Ela parecia
estranhamente calma apesar de suas palavras serem totalmente o oposto. Ela
tinha cabelos loiros curtos e uma expressão desafiadora.
- Infelizmente a América tem o
desprazer de vivenciar O. J. Simpson outra vez. Casey Anthony não é só uma
mentirosa patológica que covardemente assassinou sua filha de três anos, mas é
uma psicopata narcisista que sorriu ao receber o veredito de ‘inocente’ mesmo
sabendo que sua filha continua morta e que o ‘culpado’ está por ai. É claro que
estamos todos furiosos e podemos ver isso refletido em todo o país. Protestos
têm acontecido na maioria das capitais, mas em meio a toda raiva e frustração a
pergunta que fica é a única que o advogado de Casey parece não ter sequer dado
o trabalho de responder. Vamos supor que por algum momento acreditamos na
inocência de Casey. A pergunta que Casey, seu irmão e seu advogado devem estar
fazendo nesse momento é: quem matou Caylee? – Nancy fez uma pausa e olhou fixamente
sem nem ao menos respirar – …eles sabem a reposta. E nós também.
- desliga isso – falei com raiva.
- desliga Joe – falou Casey bem
mais calma do que eu.
- nem pensar – falou Joe
autoritário com seus óculos escuros e sua barba aparada. Ele parecia ter se
empenhado no figurino para o julgamento de hoje – mais do que nunca precisamos
saber qual o próximo passo a seguir. Precisamos saber de tudo.
Casey pareceu frustrada e olhou
para mim. Ela parecia querer dizer algo para me consolar ou para fazer eu me sentir
melhor, mas ela não sabia o que dizer assim como eu não queria ouvir nada do
que ela dissesse. Tudo tinha acontecido tão depressa. Tinha medo de que isso
afetasse o resto da minha vida. Olhei para a televisão no carro enquanto a
repórter finalizava seu discurso.
- …a única certeza que eu tenho é
que a justiça falhou hoje e em algum lugar lá embaixo o diabo está celebrando.
Aquela repórter falava exatamente
o que todo mundo pensava e aquilo me deixava profundamente sem ar, deprimido,
preso em um looping infinito de aflição e perguntas sem respostas. Quanto mais
eu orava por respostas, mais perguntas eram feitas. Não sei exatamente quando
foi que tudo deu errado, mas eu me lembro exatamente quando foi que tudo
começou a mudar.
PERSONAGENS
WATTPAD
Não esqueçam de comentar e de votar.
0 comentários:
Postar um comentário
Comente aqui o que você achou desse capítulo. Todos os comentários são lidos e respondidos. Um abração a todos ;)