Capítulo 01: DIA 1 — 00h00min ás 01h00min | Conto: Crônicas de Perpetua: Homem Proibido — Livro Um

“A maioria das pessoas não percebe que quando olha o relógio repetidas vezes esperando o fim do dia, na verdade, estão torcendo para que sua morte se aproxime mais rápido”.

— Dra. Ana Claudia Arantes

Limbo

Capítulo 1

DIA 1 — 00h00min ás 01h00min

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N

unca senti tanta falta dos meus sonhos como sinto agora. Nunca havia parado para pensar em como sentia falta deles. Especialmente dos pesadelos. Aquele pulo na cama quando se tem um sonho horrível. As costas suadas, o coração acelerado o corpo gelado e aquele alívio de descobrir que tudo não passava de um pesadelo terrível sonho. Geralmente estava sempre com a boca seca. Levantava-me da cama até a geladeira e bebia um copo ou dois de água. Ia até o banheiro e mijava sempre coçando os olhos que insistiam em fechar. Quando voltava para a cama geralmente dormia uma noite tranquila. Mas minha cabeça gostava sempre de me pregar uma peça e continuar o pesadelo de onde ele sempre parou. Veja, eu não me importo em ter pesadelos. Eles são mais excitantes do que os belos sonhos. Não existe coisa pior do que abrir os olhos e descobrir que o pesadelo começa quando você acorda.

Meus olhos estavam abertos e minha respiração ofegante. Suguei todo o ar possível para meus pulmões em seguida os soltei. No meu campo de visão via apenas o teto cinza opaco. Uma luz fraca iluminava o ambiente. Em minhas costas sentia o gelado chão. Em minha cabeça sentia como ele era duro. Passei a língua nos lábios tentando reconhecer onde estava. Sentei-me colocando a mão na cabeça sentindo uma grande dor e foi quando percebi que não estava sozinho. Olhei em volta e vi dois homens sentados no chão. Pareciam que assim como eu eles tinham acabado de acordar. Havia uma mulher de cabelos ruivos sendo consolada por um homem que a ajudou a levantar. Olhei em volta – dessa vez para o alto – e vi que havia um relógio na parede que marcava exatamente meia noite. O ponteiro se moveu lentamente para a esquerda. Meia noite e um.

- você está bem? – perguntou um homem de pé se aproximando de mim.

- sim… eu estou – falei esticando o braço enquanto o homem me ajudava a levantar. Estava meio tonto e não sabia onde estava. O homem de cabelos loiros e expressão rústica tinha um pequeno corte acima do olho esquerdo – onde eu estou?

- boa pergunta – o homem se foi e se abaixou acordando uma garota de cabelos negros.

Dei dois passos e percebi que sentia uma leve dor em minha perna. Não reconhecido onde estava, mas possivelmente era uma cabana. Tinha uma rústica decoração. O chão, as paredes e o teto eram de madeira. Havia uma lareira acesa o que deixava o ambiente mais sombrio. Lá fora nada além da escuridão. Aproximei-me da janela tentando reconhecer algo, mas não consegui ver nada além do escuro céu sem estrelas. Olhei para trás e vi que havia no total seis pessoas contando comigo. Duas garotas – uma de cabelo preto e outra de cabelo loiro – uma mulher de cabelos ruins e um homem de barba que usava terno. Eles pareciam ser marido e mulher. O homem que me ajudou a levantar e eu.

- onde nós estamos? – perguntou a adolescente de cabelos pretos sentada em um sofá.

- como é seu nome querida? – perguntou o rústico homem loiro.

- Anita – falou ela engolindo seco - Anita Kelley.

- Anita eu não faço ideia de onde estamos. Acabei de acordar aqui assim como vocês – falou o homem olhando em volta.

- a última coisa de que eu me lembro é de estar em uma festa procurando pelo banheiro – falou a garota loira olhando para Anita. Elas pareciam ser amigas.

- eu estava dançando – falou Anita se lembrando – eu e Jimmy nos beijamos e ele colocou algo na minha boca – falou Anita olhando para a garota.

- o que era? – perguntou a garota loira de olhos azuis.

- você tomou Ecstasy, meus parabéns – falou o homem de terno bravo – minha esposa e eu estávamos a caminho de um casamento. Alguma coisa entrou no meio da estrada e nós batemos em uma árvore.

- e você? – perguntou o homem loiro para mim – qual o seu nome?

- Kyle Columbus Bouchard.

- sou Benjamin – falou o homem estendendo a mão e eu a apertei – Kyle, onde você estava antes de acordar aqui?

- eu estava no campus da universidade… Universidade de Boston. Tudo o quem e lembro é de ter ido dormir.

- e você? – perguntou o homem de terno – onde você estava antes de acordarmos aqui? Se é que você realmente acordou aqui.

- o que você quer dizer com isso? – perguntou Benji percebendo a insinuação – você acha que fui eu que nos colocou aqui?

- nunca se sabe – falou o homem que parecia ter fraturado ombro.

- precisamos ficar calmos – falou a esposa do homem de cabelos vermelhos – Benjamin meu nome é Dorothy Boldt e esse é meu marido Rodolfo Boldt.

- prazer Dorothy – falou Benjamin se sentando no sofá – respondendo sua pergunta Rodolfo… eu estava em casa, no meu apartamento no Brooklin. Estava tomando minha cerveja e fumando um cigarro. É a última coisa de que me lembro.

- meu nome é Misty Haynes – falou a garota loira segurando forte a mão de sua amiga.

- vocês são de onde? – perguntou Rodolfo para Misty e Anita.

- Los Angeles. Nós somos garçonetes em um bar – respondeu Anita. Ela tinha belos olhos azuis e um rosto angelical.

- Ele é de Boston, vocês são de Los Angeles, você estava em Nova Yorque é nós somos do Oregon – falou Rodolfo – onde nós estamos?

- não faço ideia falou Benji ainda sentado.

Enquanto todos se apresentavam eu prestava atenção no local. Por algum motivo aquele relógio não combinava com o local. O lugar era totalmente rústico e estava todo empoeirado.

- o que você está olhando? – perguntou Dorothy.

- aquele relógio – falei apontando – ele foi colocado aqui.

- exato – falou Rodolfo – exatamente como tudo o que está nesse lugar.

- você não entendeu – falei me aproximando empurrando a mesa de centro até a parede. Subi nela e passei os dedos no relógio – viu só? O relógio está limpo. Toda essa cabana parece estar abandonada, mas esse relógio é novo e está limpo. Seja lá quem nos colocou aqui também colocou esse relógio.

- boa observação – falou Benji concordando comigo.

- isso não responde nossas perguntar – falou Dorothy.

- sentados aqui não vamos encontrar respostas. Precisamos nos separar e procurar pela cabana – falou Benji lambendo os lábios e olhando em volta – essa cabana é grande. Pode ser que tenha mais gente aqui.

- Okay – falou Rodolfo segurando na mão da esposa.

Não vi onde os outros foram, mas eu subi as escadas devagar. Não confiava naqueles degraus. Eles pareciam velhos e a última coisa que queria era me machucar e pegar alguma doença. O lugar estava escuro já que o alcance da luz da lareira foi diminuindo. Ao chegar lá no alto passei as mãos pela parede até que toque em um abajur. O interruptor estava logo ao lado e quando apertei as luzes do denso corredor se acenderam iluminando muito mal o lugar. Passei a mão no abajur tirando a poeira e vi que havia quatro portas. Duas de cada lado. Olhei para trás e vi mais duas portas. Segui pelo corredor tentando abrir a primeira porta do lado esquerdo, mas ela não se abriu. Estava trancada. A primeira porta do lado direito também estava trancada.

Minha mão estava suja de toda poeira. Aproximei-me do próximo abajur e passe ia mão tirando a poeira e as teias de aranha deixando que a luz brilhasse um pouco melhor. Levei a mão até a empoeirada maçaneta do lado esquerdo e a porta não se abriu. Ela estava trancada. Na verdade ela parecia estar aberta, mas estava emperrada. Bati meu ombro da porta e empurrei-a sem sucesso. Novamente a forcei e a porta não se abriu. Continuei a jogar meu corpo contra a porta e quando ela se abriu eu cai no chão empoeirado. Vi um vulto passar por mim e se sentar em cima de mim.

- quem é você? – perguntou uma voz grossa no meio da escuridão.

- acaba com ele – falou uma voz feminina acendendo a luz do que parecia ser quarto.

Fechei um pouco os olhos e senti suas mãos segurando na gola da minha camisa. A outra mão estava com o punho fechado pronto para me acertar. Um homem de cabelos castanhos claros e olhos azuis. Usava uma barba rala com um bigode que se destacava. Ele também usava terno assim como Rodolfo.

- meu nome é Kyle Bouchard, tenho dezenove anos.

- que lugar é esse? – perguntou o homem. Olhei em volta e vi uma mulher negra próxima da luz. Ela me encarava amedrontada, mas uma séria feição.

- eu não sei. Acordei aqui assim como vocês.

- solte-o! – falou Benji chegando de surpresa e agarrando a garota que começou a gritar – se acalme! Nós não somos o inimigo. Nós acordamos nessa maldita cabana assim como vocês.

O homem olhou para Benji e em seguida olhou para mim. Ele pressionou os lábios e me soltou saindo de cima de mim.

- desculpa – falou ele estendendo a mão me ajudando a levantar.

- não foi nada – falei tossindo tirando toda a poeira que me sujou. O terno do homem também parecia bem empoeirado.

- me solta! – falou a garota negra movendo os braços com raiva. Ela parecia ser uma garota destemida.

- me desculpe – falou Benji com as mãos levantadas.

- quem são vocês? – perguntou o homem de terno.

- eu sou Benji e esse rapaz se chama Kyle.

- tem outras pessoas aqui além de nós?

- sim. Mais quatro – falou Benji.

- como é seu nome? – perguntei para o homem de terno.

- Theodore Wolfe – falou ele estendendo a mão – mas pode me chamar de Ted.

- Okay Ted – falei apertando a mão dele – qual a última coisa de que você se lembra antes de parar aqui?

- estava sentado no escritório da empresa onde trabalho. Sou advogado. Estava na verdade trabalhando até tarde mais tarde e estava caindo uma tempestade. A última coisa que me lembro era de ter acabado a luz.

- e você? – perguntei olhando para a garota negra.

- Rosella Redmond – falou ela de braços cruzados olhando em volta – a última coisa de que me lembro era de estar em um protesto em Vermont contra a abertura de uma usina. Tinha muitas pessoas e algumas se tornaram violentas a policia acabou vindo para cima da gente e… o resto é tudo preto. Acordei aqui com Ted.

- esse lugar fede a mofo – falou Benji tapando o nariz – vamos lá pra baixo.

Benji se foi e nós os seguimos. Deixei Ted sair primeiro e segui atrás dele enquanto descíamos as escadas. Quando chegamos à sala de estar Misty e sua amiga Anita chegaram da cozinha. Em seguida Rodolfo e Dorothy apareceram.

- nós os encontramos – falou Benji – esses são Ted e Rose.

Rodolfo e Dorothy apertaram a mão dos dois. Misty e Anita não pareceram interessadas em apertar a mão de ninguém. Elas apenas se sentaram no sofá parecendo cabisbaixas.

- eu não quero morrer – falou Anita começando a chorar – eu sou jovem e não fiz tudo o que deveria.

- você não vai morrer garota. Ninguém vai – falou Rodolfo.

- não grita com ela – falou Misty defendendo a amiga enquanto ela se deitava em seu ombro limpando as lágrimas de um choro que havia passado.

- aquele relógio não pertence a esse lugar – falou Ted.

- exato – falei olhando para ele – foi à mesma coisa que eu disse. Seja lá quem nos colocou aqui quer que nós vejamos as horas.

- seja lá quem nos colocou aqui não nos quer aqui – falou Rodolfo.

- porque diz isso? – perguntou Rose.

- não tem comida, não tem água e a maioria das portas estão trancadas menos a porta da frente – falou ele apontando e todos nós olhamos – acho que devemos sair daqui.

- não hoje – falei rindo – lá fora está escuro e nem sabemos ao certo onde estamos.

- concordo – falou Dorothy – vamos esperar até de manhã e talvez nos lembremos do que aconteceu.

 Anita estava deitada no ombro de Misty que a abraçava. O braço de Misty desceu até a perna de Anita e ela sentiu algo. Algo sólido.

- o que é isso? – perguntou Misty.

Anita se levantou e tirou uma chave de seu bolso.

- ela é sua? – perguntou Benji.

- não. Nunca há vi antes – Anita estirou a mão para Benji.

Após ter pegado a chave Benji saiu em direção ás escadas e todos nós o seguimos enquanto ele as subia em direção ás portas trancadas. Ele testou a chave em todas as portas. Uma por um, mas nenhuma das portas se abriu.

- droga – falou Benji jogando a chave no chão decepcionado pelo desperdício de tempo.

Todos voltaram e antes de descer as escadas eu peguei a chave e coloquei no meu bolso. Olhei para trás e Ted me observava.

- estou sendo esperto – falei colocando a chave no bolso. Ted deu um meio sorriso e nós dois descemos as escadas.

Ao voltarmos para a sala de estar Benji ficou de pé próximo à lareira de braços cruzados e Ted ficou de pé olhando pela janela. O restante de nós se sentou no sofá. O silêncio permeou o lugar. Dava pra ouvir o relógio marcando meia noite e vinte e três e os grilos cantando lá fora. Não havia nada, nenhuma pista de onde estávamos. Tudo o que sabíamos é que estávamos em uma cabana no meio de uma floresta.

- eu estou morta de fome – falou Misty.

- eu também – falei olhando para Misty.

- acho que todos estão famintos – Rose se esticou no sofá deitando a cabeça para trás. Ela parecia entediada.

- Rodolfo tem razão – falou Benji amanhã cedo quando estiver claro nós temos que procurar uma saída daqui. Aqui não tem recursos para nos mantermos.

- vocês tem certeza? – falou Rose – eu sempre ouvi detetives na TV dizendo que se você se perde você deve ficar em um lugar até ser encontrado.

- nós não estamos perdidos – falou Ted – nós fomos sequestrados, não é? – falou ele caminhando até o meio da sala – cada um de nós veio de um lugar diferente do país. Nós não chegamos aqui por acaso ou porque nos perdemos. Alguém nos trouxe até aqui. Não sei exatamente onde estamos e concordo que devemos procurar uma saída.

- então está decidido. Amanhã todos nós vamos sair dessa cabana para explorar esse lugar procurando por algo ou alguém – falou Benji – por enquanto acho que devemos procurar um lugar para dormir.

- nós podemos arrombar aquelas portas. Não precisamos de chaves – falou Ted.

- aquelas portas são pesadas. Nem se todos nós nos jogássemos contra  elas nós conseguíramos derruba-las – falei respirando fundo frustrado.

- acho que isso pode ajudar – falou Rose mostrando um pé de cabra.

- você estava com isso o tempo todo? – perguntou Benji pegando pé de cabra.

- claro. Estou cuidando de mim. Não sabia em quem podia confiar.

- você confia agora? – perguntou Benji.

- eu tenho outra escolha?

Todos nós subimos as escadas e Benji usou A pá de cabra para abrir todas as portas. De todas as cinco portas fechadas quatro delas eram quarto a outra era um banheiro. Anita entrou no banheiro assim que teve a chance.

Está tudo empoeirado – falou Dorothy se aproximando da cama e batendo a mão fazendo com que a poeira levantasse. Entrei no quarto e fui até a cômoda abrindo uma das gavetas. Não havia nada dentro. Abri a gaveta de baixo e para minha surpresa encontrei um lençol limpo.

- vejam – falei tirando o lençol.

Rodolfo pegou a da minha mão e depois de virar o colchão ele jogou o lençol em cima.

- perfeito – falou ele dando o primeiro sorriso desde que tinha acordado naquele lugar.

- vejam os outros quartos – falou Benji.

Nós fomos até os outros quartos e em todas as cômodas na segunda gaveta havia um lençol. Depois de virarmos os colchões e colocarmos os lençóis nem parecia que estávamos no lugar mais empoeirado do planeta.

- como vamos resolver isso? – falou Misty – quem dorme onde?

- Dorothy e eu ficamos com um quarto – falou Rodolfo.

- Misty e eu ficamos com outro – falou Anita segurando na mão da amiga e puxando ela para dentro do quarto fechando a porta.

- eu durmo no sofá – falei respirando fundo.

- não – falou Benji – eu junto os dois sofás e dá pra passar a noite. Rose você fica com o outro quarto.

Rose que estava de braços cruzados apertou os lábios e agradeceu Benji entrando para o seu quarto e fechando a porta. Benji, Rodolfo e Dorothy ficaram lá olhando para mim e para Ted. Percebemos que teríamos que encontrar uma solução por nós mesmos.

- boa noite – falou Dorothy entrando no quarto junto com seu marido. Benji desceu as escadas e Ted e eu entramos no quarto e ficamos de frente para a cama.

- eu durmo na dispensa – falei me referindo ao quarto em que Ted e Rose estavam quando eu os encontrei.

- Se você não se importar nós dois podemos dormir na cama – falou Ted se sentando e tirando os sapatos – você dorme de um lado e eu do outro.

- Okay – falei me sentindo um pouco desconfortável em ir para a cama com Ted. Eu não sei qual a sexualidade dele, mas eu sou gay. Talvez fosse melhor deixar essa informação de lado. Não vinha ao caso.

- tudo bem – falei me sentando e tirando os tênis.

Em seguida eu me deitei na cama virado para a esquerda e Ted se deitou olhando para a direita. Nós ficamos lá em silêncio por um longo tempo. Decidimos deixar a porta do quarto aberta já que as luzes do quarto não funcionavam. A fraca luz que vinha do corredor era a única coisa que iluminava o ambiente. Não sei Ted, mas eu não dormi com facilidade. Estava há dez minutos deitado naquela cama quando pensei ter visto algo na parede. Algo brilhando.

Me levantei de cama e fui de meias caminhando pelo chão empoeirado até chegar próximo o suficiente para saber que era um relógio. Um relógio exatamente igual ao da sala. Ele marcava meia noite e quarenta e quatro.

- Kyle? – perguntou Ted se virando – o que está fazendo ai?

- encontrei outro relógio.

Ted se levantou e caminhou ficando ao meu lado. Ele observou o relógio de perto e passou os dedos percebendo que ele também estava limpo como o da sala. Havia sido colocado recentemente na parede.

- porque a hora é tão importante? – falei olhando para Ted.

- eu não sei – falou ele intrigado pela minha descoberta.

Deixei Ted lá e voltei a me deitar na cama bem na beirada. Não queria encostar em Ted dando motivo para que ele brigar comigo. De onde vinha não era Okay ser gay. Incluindo minha família que me botou para fora de casa quando descobriu.

- você tem família? – perguntou Ted voltando para a cama deitando-se de costas para mim.

- família? Tenho. Todo mundo tem – respirando fundo.

- eu sei que todo mundo tem eu quero saber se eles estão vivos se você tem contato com eles.

- eu tenho uma irmã, um pai, uma mãe… mas não tenho contato com eles – respirei fundo me lembrando de tudo o que sofri.

- por quê?

- e você? Tem família?

- tenho três irmãos. Minha mãe e meu pai também estão vivos. Eu sou o mais novo dos meus irmãos então já sabe que sempre fui o mais mimado.

- você é casado?

- Não. Na verdade estou noivo. Minha noiva estava grávida de seis meses – falou Ted sorrindo ao lembrar-se da noiva – fico imaginando o que ela deve estar fazendo agora. Deve ter colocado a policia atrás de mim. Ela deve estar pensando que eu fugi – falou ele rindo.

- minha família não deve estar nem ai pra mim.

- por quê? – perguntou Ted.

- nós não nos dávamos bem.

- as famílias são assim. Brigam, mas sempre ficam de bem no final.

- não a minha.

- por quê? – perguntou Ted outra vez.

- eles não me aceitaram – falei sentindo uma certa chama queimar minha garganta ao dizer aquelas palavras – queriam me mandar para um acampamento para que eu fosse ‘Curado’ – falei rindo sarcástico – era isso ou cair fora da casa.

- o que você fez?

- cai fora de casa. Moro no campus da Universidade de Boston.

- o que você está estudando lá?

- direito.

- sério? – perguntou Ted interessado.

- sério.

- pensa em ser advogado?

- não. Juiz. Quero garantir o direito de todos. Ou pelo menos garantir que todos tenham justiça no futuro. Garantir que ninguém tenha que ir para acampamentos de reversão sexual obrigado por familiares. Talvez eu atue na politica. Seria uma ótima maneira de mudar as coisas.

- tenho certeza de que você se daria bem – falou Ted – eu sinto falta dessa paixão sabe. No começo eu também tinha esses sonhos e vontades. Quando tinha sua idade eu queria ser advogado para poder representar os inocentes.

- o que te fez perder a paixão?

- Contas. Contas, contas e mais contas. A paixão se foi quando tive que trabalhar por dinheiro.

- entendo…

- Sei que você não pediu o meu conselho, mas ai vai: Nunca deixe que isso aconteça com você. Trabalhe por uma causa. Se você for bem você será recompensado com dinheiro. O dinheiro deve ser uma consequência do bom trabalho e não o motivo.

- profundo. Você tem talento para discurso.

- Que nada. Ensaiei várias vezes – falou ele rindo. Eu dei risada com ele. Era bom poder rir. Nem me lembro da última vez que tive uma honesta conversa com alguém.

- já tinha dito á alguém?

- não. Você é o primeiro.

Nós ficamos em silêncio por alguns segundos. Nada além do sombrio som dos grilos lá fora

- Tenha uma boa noite Kyle.

- Pra você também Ted.

O relógio á minha frente agora marcava meia noite e cinquenta e sete. O ponteiro dos segundos se movia lentamente passando de número em número. Senti o cansaço possuir meu corpo. Não entendia muito bem tudo o que estava acontecendo, mas era bom estar rodeado de pessoas mesmo que eu não soubesse nada sobre elas e não soubesse onde estava. Sentia-me familiarizado com aquela situação. Era assim que me sentia quando estava com minha família. Bocejei e senti o sono chegar, o cansaço possuir o meu corpo. Observei lentamente os ponteiros do relógio avançarem. Meia noite e cinquenta e oito, meia noite e cinquenta e nove… uma hora da manhã.

Espero que tenham gostado desse primeiro capítulo. Prometi um conto em uma estilo diferente e espero que curtam. Um abraço

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