Capítulo Doze
A MAÇÃ NUNCA CAI LONGE DA ÁRVORE
D
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ecisões são difíceis de serem tomadas. Não porque
precisamos pensar sobre elas, não porque são difíceis. As decisões nos trazem
responsabilidades. Infelizmente precisamos conviver com as decisões que tomamos
todos os dias a todos os momentos. Por menor que possa parecer uma decisão,
como “o que almoçar” ou “qual roupa usar”, isso pode afetar nosso dia-a-dia.
Se essas pequenas decisões nos
afetam de uma proporção gigantesca, imagine o que não vai acontecer comigo por
ter criado coragem de ter denunciado meu pai. O homem que deveria me amar, mas
que me tratava como lixo, como cachorro e que ainda tentou me matar. O homem
que abusou do filho mais velho e que bateu na esposa. O homem que me machucava,
mas que não tinha coragem de me levar ao hospital depois.
Ainda não sei bem o motivo dele
não me levar ao hospital. Eu sei que não é o medo de ser pego ou de ser preso,
afinal se ele tivesse esse medo não teria invadido o meu quarto e tentando me
matar. Agora só me resta saber o porque.
Os internos, Emilly e Matteo
haviam feito todos os exames em mim. O relógio marcava quase quatro da tarde.
Estava cansado de ser carregado por todo o hospital. Eletrocardiograma,
encefalograma, raio-x, exames de sangue… não consigo pensar em um exame
existente que eu não tenha feito.
- você está bem? – perguntou Dr.
Matteo D'anniballe o residente de olhos azuis e cabelos loiros.
- estou tão bem quanto poderia
estar. Acho que pior do que estou não fica.
- isso é ser otimista - falou
Dra. Emilly MacMilan.
- estou tentando – falei
respirando fundo – minha vida não tem sido a das melhores, mas não posso
reclamar afinal meus problemas parecem mínimos em um hospital.
- você não precisa se sentir
culpado por reclamar dos seus problemas – falou Dr. Matteo D'anniballe.
- A três horas atrás dividi fila
do almoço com um uma garota de dezenove anos que tem câncer nos ovários. E sabe
porque ela estava aqui? Não porque veio se curar, mas para morrer. Ela veio
para o hospital para morrer porque em casa ela sentia muita dor. O câncer dela
é tão avançado que ela não tinha escolha. O câncer esta literalmente destruindo
seu interior e ela me contou tudo isso com um sorriso no rosto. – nesse momento
senti um mal estar, meu coração apertou ao me lembrar daquela garota, Dr.
Matteo tentava colocar o soro intravenoso em minha veia, mas por algum motivo
ele não conseguia. – Então não. Eu não tenho direito de reclamar dos meus
problemas porque eu tenho uma escolha, eu fiz a minha escolha. E aquela garota
não teve essa chance e mesmo assim ela me contou piadas durante o almoço.
- o que está acontecendo aqui? –
perguntou Dr. Marshall, o médico chefe do hospital chegando ao quarto – vocês
estão estressando o paciente – falou ele vindo até mim.
- não estou conseguindo colocar a
intravenosa – falou Dr. Matteo.
- deixa que eu mesmo coloco –
falou ele pegando a agulha – vocês dois podem ir procurar o que fazer.
Dra. Emilly e Dr. Matteo saíram
do quarto.
- não precisava ter sido tão duro
com eles – falei respirando fundo. Dr. Marshall conseguiu colocar a agulha na
primeira tentativa.
- sim eu precisava. Eles são
alunos e estão aqui para aprender.
- Ok – falei tentando não
estender a conversa, estava cansado e só queria dormir um pouco - obrigado por
finalmente ter colocado a agulha, mas eu quero descansar.
- me desculpe – falou ele
apertando os lábios, exatamente como meu pai fazia – mas o detetive está aqui
para pegar seu depoimento. Sei que está cansado e que a última coisa que você
quer é reviver o que aconteceu hoje de manhã, mas…
- vai além – falei olhando para
ele.
- o que? – perguntou Dr.
Marshall.
- não é só pelo oque aconteceu
hoje cedo. O meu pai… ele…
- olha, não quero ser rude, mas
eu tenho um hospital para cuidar. Não quero ser insensível, mas não tenho tempo
para ouvir seus problemas, os meus já são o suficiente. O único problema que me
interessava era o problema que já se resolveu, afinal você já assinou um
consentimento abrindo mão de um processo. Então… Será que poderia guardar a
história para o detetive?
- OK – falei respirando fundo.
Dr. Marshall era só mais um canalha.
Dr. Marshall saiu do quarto
sinalizou com a cabeça para algum lugar e em seguida apareceram dois policiais
e o detetive Leon. O mesmo que não tinha acreditado na minha história antes.
Porque agora seria diferente?
- com licença – falou detetive
Leon entrando no quarto.
- veio perder seu tempo mais uma
vez Detetive Leon?
- olha Oliver eu…
- “Você deve ser um garoto mimado que se
cansou de ficar na casa do papai e agora quer chamar a atenção. Vai por mim. É
melhor parar com esse teatrinho agora. Ninguém vai acreditar em você.” – falei
olhando para ele. Leon não disse nada – essa foi a última coisa que disse na
última vez que nos vimos.
- feche a porta
por favor – falou Leon para um dos policiais que o acompanhavam.
- eu não vou
dizer nada para você.
- olha – falou
Leon se aproximando – eu também não gosto nenhum pouco dessa situação, vai por
mim. eu tentei conseguir um outro detetive para seu caso, mas infelizmente essa
merda de cidade não tem outro detetive disponível no momento.
- faça um favor
a nós dois e vá embora. – falei apontando para a porta.
- você acha que
é fácil para mim? você denunciou seu pai. Você perdeu um pai. Eu perdi um
amigo. Meu melhor amigo e sabe porque eu me sinto mal?
- não. Por favor
detetive Leon, me diga: porque se sente tão mal?
- porque hoje eu
interroguei meu melhor amigo. Eu fiz perguntas a ele. Perguntei sobre você,
sobre Jake e sobre Stella e sabe o que ele disse?
- o que?
- confirmou. Ele
simplesmente confessou tudo.
Quando Leon
disse aquelas palavras foi como sentir uma faca sentir tirada de mim.
- ele confirmou?
- sim. Agora eu
sei de tudo o que você passou. Ele confirmou tudo o que você disse na última
vez que nos vimos. Os abusos de poder. Os abusos físicos, psicológicos e
sexuais… - falou Leon com os olhos vermelhos – eu sei que posso soar egoísta
agora, eu sei que foi cem vezes pior para você, sua mãe e seu irmão, mas eu
perdi um amigo. Eu entrei naquela sala esperando que ele dissesse que tudo era
mentira, mas ele confirmou e me disse coisas que você não me disse.
- então porque
veio aqui hoje?
- apenas
formalidade. A última coisa que eu quero é que você reviva tudo o que passou
apenas leia – falou ele me entregando um enorme relatório – leia tudo o que
está aqui. Se tudo for verdade assine. Se estiver faltando alguma coisa você
escreve. Não precisa me contar. Quero te poupar disso tudo.
- você não devia
fazer isso.
- não. Não
posso, mas estou fazendo por você. É a minha forma de pedir desculpas.
- não quero suas
desculpas.
- apenas leia.
- não preciso
ler – falei pegando a caneta e assinando – eu sei que meu pai não omitiu nada.
- tem certeza?
- tenho – falei
assinando – como você disse, eu não quero e não preciso reviver tudo de novo –
falei entregando o relatório de volta.
- sinto muito –
falou Leon – pelo o que disse a você no outro dia.
- eu sei. Todo
mundo está se desculpando comigo hoje, mas infelizmente desculpas não apagam o
que foi feito. Ao invés de ficar me pedindo desculpas leve isso como uma lição
de vida. A próxima vez que alguém te contar alguma coisa durante o depoimento,
tente deixar sua vida pessoal de fora e tente ouvir a vitima.
- OK – falou
Leon se virando para sair. Ele abriu a porta e os dois policiais saíram
primeiro. Antes de sair ele olhou para mim.
- o que foi?
- sua amiga Amy
está aqui.
- tudo bem, pode
deixar ela entrar.
Leon saiu e não
demorou para que Amy entrasse no quarto. Ao fazer isso ela fechou a porta e em
seguida veio até mim.
- como você está
Amy?
- estou bem e
você?
- procurando
melhorar.
- que bom… –
falou ela se aproximando – fico feliz por finalmente ter criado a coragem de
enfrentar seu pai.
- eu não criei
coragem. Pelo contrário. Se eu fosse corajoso eu teria denunciado ele a muito
tempo. O que aconteceu foi simplesmente a pressão do momento. Se fosse em outro
lugar e em outra situação eu nunca teria contado. Eu simplesmente teria ficado
calado, assim coo fiz toda minha vida afinal as pessoas ao meu redor não ligam
para mim. Primeiro tem um médico que me tratou bem até o momento em que eu
assinei um papel dizendo que não ia processar o hospital, do outro lado tenho
um detetive com orgulho ferido ou seja, ninguém liga realmente para mim ou para
o que aconteceu comigo.
- pare de pensar
isso.
- eu não criei
essa idéia do nada Amy. As pessoas estão muito ocupadas resolvendo seus
próprios problemas. Elas não ligam para o problema dos outros.
- pare de
colocar tanta pressão em si mesmo Oliver. Você é humano existem pessoas que se
importam com você.
- quem? Minha
mãe ou mau irmão? Que eu saiba nenhum deles deram a cara por aqui hoje.
- eu estou
falando do Tobias.
- por favor Amy,
Tobias é um homem casado.
- eu vi vocês
dois se beijando.
- não significa
nada. Especialmente depois do que ele falou sobre mim. Depois do que Frank fez
e depois do que Tobias fez acho que vou desistir de procurar.
- você não pode
basear toda sua experiência nesses dois homens. Você só precisa encontrar um
homem que reacenda essa chama.
- entenda uma
coisa Amy: meu pai me bateu, meu pai me maltratou, mas por algum motivo ele
nunca abusou sexualmente de mim. Me sinto nojento por dizer isso, mas eu
agradeço por ele ter feito isso apenas com meu irmão. Meu pai me possuía. Ele
me tinha na palma da minha mão, mas sabe o que me mantinha nos trilhos? O fato de
que eu acreditava em contos de fadas apesar da vida miserável que eu tive. Eu
sempre acreditei na mágica do amor: o primeiro encontro, o primeiro beijo a
primeira tranza. Frank e Tobias não só me decepcionaram, mas me fizeram não
acreditar mais em contos de fadas inúteis. Eles me fizeram perceber que a vida
é uma porcaria em casa e será pior ainda agora que eu não tenho ninguém.
- você tem –
falou ela segurando minha mão – você tem a mim. Eu sou sua amiga e não vou te
abandonar. Prometo ficar ao seu lado independente d oque aconteça. Você pode ir
para a minha casa, você pode ficar o tempo que quiser.
- obrigado –
falei tentando me acalmar. Minha cabeça doía um pouco.
- toc toc –
falou um homem batendo na porta e entrando – desculpe atrapalhar, mas eu tenho
uma consulta com o Oliver.
- consulta? –
perguntei intrigado.
- eu sou o Dr.
Luke Adams, seu psicólogo.
- psicólogo? Eu
não sou maluco – falei desconfortável.
- essa é uma
visão generalizada. Você não precisa ser maluco para ter um psicólogo ou psiquiatra.
Na verdade muitos psicólogos acredita quem todo adolescente necessite visitar
um psicólogo durante a puberdade.
- eu não estou
na puberdade. Não preciso de psicólogo.
- depois de tudo
o que passou eu só queria…
- sai do meu
quarto – falei sem olhar para ele.
- eu só gostaria
de…
- SAIA DO MEU
QUARTO! – gritei fazendo com que todo o quarto andar olhasse direto para meu
quarto. Eu vi a expressão que Amy fez. Ela estava horrorizada.
- OK – falou o
psicólogo saindo do meu quarto.
- o que
aconteceu com você? – perguntou Amy ainda chocada com minha reação – você não
era assim Oliver. Você não é o rapaz educado que eu conheci.
- bom,
aparentemente você não me conhecia muito bem sua vaca estúpida.
Quando disse
isso Amy cerrou os lábios e como todos os outros, não cumpriu sua promessa. Ela
saiu do quarto batendo a porta.
- Amy me
desculpa – falei me arrependendo.
O engraçado é
que eu não queria dizer aquilo. Saiu sem que eu quisesse. Ou talvez eu seja
mais parecido com meu pai do que eu pensava. Ter ficado todos esses anos perto
dele pode ter me intoxicado com todo seu preconceito e misoginia, mas eu estava
arrependido do que disse. Profundamente. Era como se as palavras tivessem saído
sem que eu quisesse. Em contra partida minha cabeça continuava a doer um pouco.
Quando
eu finalmente pensei que teria um pouco de paz, novamente o psicólogo retornou
ao quarto, mas dessa vez ele estava com a doutora Bethany.
- o que estão
fazendo aqui – perguntei sem dar muita importância aos dois. Era a segunda vez
que tentava dormir e descansar. Estava começando a me encher a paciência.
- está tudo bem
com você Oliver? O Dr. Adams disse que você expulsou ele do quarto aos gritos.
- o que foi Dra.
Bethany Creswick? – falei olhando para ela – vai me dizer se importa comigo? Porque
o seu marido, que aparentemente é a droga do chefe da cirurgia, não liga pra
mim ou para meus problemas.
Dra. Bethany e
Dr. Adams se entreolharam.
- porque está
agindo dessa forma? Por acaso alguém te tratou mal?
- eu sei. Vocês
devem estar decepcionados. Sou o cara que foi maltratado a vida toda e agora
estou aqui finalmente “a salvo” e vocês esperam que eu seja um doce de pessoa,
mas eu não sou. Pelo menos não sou mais.
- eu entendo que
tem passado por muita coisa, mas eu gostaria de conversar com você sobre o seu
pai.
- meu pai? –
falei olhando para ela.
- sim.
- o que tem meu
pai?
- eles pediram
que um médico fosse até a delegacia onde seu pai está detido.
- porque? O que
aconteceu com ele?
Dra. Bethany e
Dr. Adams novamente se entreolharam.
- DROGA! – falei
tentando me levantar da cama. No momento e quem fiz isso eu cai no chão. Não
sei porque tinha feito isso. Eu sabia que minha perna estava quebrada, mas
mesmo assim eu me virei e dei um pulo da cama.
Dra. Bethany
pediu ajuda e Dr. Adams conseguiu me levantar e me colocar de volta na maca.
- você precisa
ser forte – falou Dr. Adams.
- o que
aconteceu com meu pai? O desgraçado finalmente morreu? – perguntei já na cama
ofegante.
- não –
respondeu Dr. Adams.
- então porque
preciso ser forte?
Eles não
responderam nada e toda a vez que eles faziam isso me irritavam um pouco mais.
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