Capítulo Cinco
ANATOMIA DE OLIVER
É
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engraçado como funciona o nosso corpo. A dor,
apesar de ser um fardo é algo de que nosso corpo necessita. Imagina se não
existisse dor? Você nunca iria ao médico ao sentir uma dor que te incomoda
tanto. A dor é uma forma do nosso corpo nos avisar que algo está errado. Se não
sentimos dor, nós nunca vamos nos prevenir, nos medicar. Isso nos leva a morte.
Meu pai era a dor que sentia
todos os dias. Sempre que pensava em fazer algo ele era a dor que me lembrava
que essa escolha não estava em meu poder.
Ao chegar ao hospital me levaram
para a emergência. Tobias me acompanhou de dentro da ambulância. Eu vi que ele
já não era o mesmo. Ele parecia pensativo. Acho que foi porque ele viu as
cicatrizes nas minhas costas. Ele deve ter ficado imaginando o que tinha
causado aquilo.
Chegamos ao hospital e fui
atendido na emergência. Os enfermeiros e médicos também ficaram horrorizados ao
ver todas aquelas marcas. Por sorte, minha perna não havia quebrado e apenas
levado um forte golpe.
Ficava em silêncio em meio a
todos que me atendiam. Parecia uma cobaia. Ninguém falava diretamente comigo a
não ser quando me faziam perguntas estranhas. Achava aquilo tudo engraçado
porque era a primeira vez que ia a um hospital. Minhas doenças e ferimentos
sempre foram tratadas em casa. Mesmo os mais graves.
Tobias estava ao longe pensativo.
A todo momento alguém aparecia fazendo perguntas. Não sei bem o que ele estava
respondendo e eu também pouco me importava. Senti meu coração acelerar ao
pensar que nunca mais veria meu pai, mas ao mesmo tempo estava nervoso porque
lembrei de minha mãe e de Jake.
Depois de todo aquele alvoroço me
levaram até um quarto. Fiquei lá por um bom tempo. Nunca tinha sido tão bem
tratado em toda a minha vida. Estava em uma cama quente, em um quarto só pra
mim e a todo momento alguém aparecia e me perguntava o que tinha acontecido. Eu
me recusava a falar. Por mais que eu estivesse longe dele eu ainda estava sob
seu controle.
- como você está? – perguntou
Tobias entrando no quarto.
- estou bem.
- você tem visitas.
- quem?
- sua família.
- meu pai também?
- sim – falou Tobias se
aproximando – quer que eu os mande embora?
- não. Digam para entrarem. Só
meu irmão e minha mãe.
- tudo bem.
Tobias saiu do quarto e eu
respirei fundo. Minha mãe e Jake entraram e fecharam a porta.
- você está bem meu filho? –
perguntou minha mãe se aproximando para um abraço.
- estou sim.
- o que aconteceu? Eles dizem que
você não quer ver seu pai?
- eu não quero mãe.
- você vai ter o que merece em
casa – falou Jake.
- Eu não vou voltar. Sinto muito,
mas meu lugar não é mais lá. Eu me cansei de ter que pagar pelos pecados que eu
não cometi.
Eu vi que Jake ficou transtornado
ao me ver dizer aquilo.
- vocês também não precisam
voltar. Vamos ficar juntos.
- eu não posso fazer isso – falou
minha mãe com os olhos vermelhos.
- porque mãe?
Antes que ela pudesse responder
nossa conversa foi interrompida quando a porta se abriu e meu pai entrou.
- o que está fazendo aqui? Eu
disse que não quero te ver.
- o que você fez? Você não me
respeitou.
- você não tem me respeitado
desde que nasci. Nem ao Jake e nem a mamãe.
- Honra a teu pai e a tua mãe, para que
se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá – falou meu pai
se aproximando de mim.
- me perdoa pai
– falei apertando o botão que chamava as enfermeiras. Ele não percebeu.
- você vai
voltar para casa e terá sua punição meu filho – falou meu pai me abraçando.
Alguns segundos
depois as portas se abriram.
- tirem ele
daqui – falei para as enfermeiras – por favor.
Elas saíram e
chamaras os seguranças. Tobias veio com eles.
- por favor
senhor. Queria se retirar – falou um dos seguranças. Ele era amigo de meu pai.
Como eu disse: meu pai era um homem conhecido e influente na cidade. Todo esse
tempo ele havia cultivado amizades. Meu pai então se retirou.
- Stella, Jake
venham.
Jake saiu sem
pestanejar e minha mãe deu um beijo no meu rosto antes de sair as pressas.
- você está bem?
– perguntou Tobias.
- estou sim –
falei mais calmo.
- me desculpe –
falou Tobias – ele não devia ter entrado.
- tudo bem –
falei sorrindo.
- porque está
sorrindo?
- não sei. Nunca
imaginei que as pessoas fossem tão bem tratadas quando iam ao hospital.
- você nunca
veio antes?
- não – falei
coçando o nariz.
Eu vi que ele
hesitou. Ele tinha uma pergunta na ponta da língua, mas tinha vergonha de
perguntar.
- com licença –
falou um homem batendo na porta. Era o detetive Holloway, o que tinha ido até
minha casa noutro dia.
- pode entrar –
falou Tobias.
- o que está
fazendo aqui?
- com licença
Sr. Maxfield, mas eu preciso fazer algumas perguntas.
- quais?
- vou deixar
vocês a vontade – falou Tobias saindo da sala.
O detetive
fechou a porta do quarto e se aproximou.
- o que
aconteceu na sua casa? Porque pulou a janela do seu quarto? – ele estava com um
bloco para anotar o que eu dizia.
- meu pai é um
homem muito rígido Detetive Holloway, os seus métodos para a criação dos filhos
são medievais. Eu sei porque eu aprendi isso no colégio. Mesmo assim eu
aguentei tudo o que ele me fez, mas hoje decidi pensar por mim mesmo. Eu pulei
aquela janela porque não queria mais sofrer seus abusos.
- OK, pode me
dizer que tipos de abusos? O relatório médico diz que você tem ferimentos nas
costas e nas nádegas. Marcas parecidas com as que os prisioneiros na Malásia
tem. Feridas feitas por vários golpes com…
- bambu – falei
completando a frase – meu pai tem vários guardados no sótão. Ele sempre nos
bate quando nos desrespeitamos. Ele faz o mesmo com minha mãe.
O Detetive
parecia interessado no que eu dizia, mas não anotou nada.
- você não devia
estar tomando nota?
O detetive
guardou a caneta e o bloco.
- sabe o que eu
acho? Acho que está inventando. Está fazendo acusações levianas. Eu conheço seu
pai a quinze anos.
- acho que não
existe lugar nessa cidade para onde possa correr não é mesmo? Em todo lugar
haverá alguém que acreditará em meu pai e não em mim.
- seu pai é um
homem exemplar. David apresentou minha esposa. Se não fosse por ele eu não
teria família. É difícil de acreditar que ele tenha feito isso com você. Duvido
que ele bata na esposa. Ele sempre foi um homem bom desde que se mudou para
Vermont.
- eu vivo com
meu pai desde que nasci e nem eu o conheço, como você pode dizer que o conhece
só pelo o que ele fazem público?
- quer saber? Não vou mais gastar meu
tempo. Você deve ser um garoto mimado que se cansou de ficar na casa do papai e
agora quer chamar a atenção. Vai por mim. É melhor parar com esse teatrinho
agora. Ninguém vai acreditar em você.
O detetive saiu do quarto e eu fiquei
lá sem palavras. O que eu deveria fazer? Estaria eu encurralado? Para onde
iria?
Deitei-me um pouco para descansar.
Minha perna ainda doía. Pouco depois que o detetive se foi Tobias voltou a entrar
no quarto.
- contou tudo o que sabia?
- contei.
- que bom – falou ele colocando a mão
no meu braço. Eu levei um susto e me movi para o lado.
- desculpa – falou ele se afastando –
não queria… esquece.
- Não quero voltar para casa. Tenho
medo dele.
- do seu pai?
- sim – falei sentindo um frio na
barriga – e se ele não acreditasse e me tratasse do mesmo jeito que o detetive?
- foi ele quem te machucou desse jeito?
Não respondi nada.
- pode me dizer. Não vou dizer a
ninguém.
- meu medo é que você não acredite.
- porque eu não acreditaria? Porque
mentiria sobre isso?
- o detetive não acreditou. Ele disse
que conhece meu pai.
- como é que é? – Tobias pareceu
irritado – bem típico de Vermont. Quando você precisa da ajuda a policia não
faz nada.
- o que vou fazer?
- primeiro vai me contar. Foi ele que
te machucou assim?
- foi.
- porque?
- ele é um pai rígido.
- isso não é ser pai. Isso é ser
monstro. Isso é um abuso. Você sofre isso desde quando?
- desde os oito.
- não acredito que existam pessoas como
ele.
- tenho medo que ele faça algo a meu
irmão e a minha mãe.
- não se preocupe com eles. Preocupe-se
com você. Você sofreu um trauma muito grande em sua vida. Nenhuma criança deve
passar pelo o que você passou. Isso não é amor. Isso não é amar. Isso é ser
autoritário. Ele não tinha e não tem o direito de fazer o que fez a você.
- o que posso fazer? A policia não
acredita em mim e eu não tenho para onde ir. Vivi a vida toda com um pai que
odeia negros e gays. Um pai que tentou enfiar um cabo de vassoura em mim. Tudo
em nome de deus.
Tobias ficou pensativo por alguns
minutos.
- posso te fazer uma pergunta pessoal?
- pode.
- por acaso você… você gosta de homens?
- não – respondi curto e grosso Sabia
muito bem como os homossexuais eram tratados – meu pai em contou como os gays
são tratados. Todo mundo acha nojento.
- você precisa saber que o mundo mudou.
O mundo não pensa como ele. É claro que infelizmente existem pessoas como ele,
mas são poucas.
- difícil de acreditar. Tudo o que sei
é que depois que sair daqui não tenho lugar para onde ir.
- você pode ir para minha casa.
Aquilo foi uma surpresa.
- você me levaria?
- claro. Afinal você está precisando de
uma reeducação.
- nossa… Estou surpreso com isso.
- não precisa se preocupar com seu
emprego. Ele estará te esperando quando melhorar.
- obrigado – falei agradecendo-o muito.
- por nada – falou ele com um sorriso.
É claro que estava nervoso. Estava
longe da minha família. Pode parecer bobo, mas era estranho estar longe deles,
mas eu estava pronto para minha reeducação.
De alguma forma sentia que minha
anatomia era diferente das dos demais. Onde devia estar meu coração estava uma
pedra de gelo. A única parte real minha era onde estava machucado, porque era o
s únicos lugares onde conseguia sentir algo. Eu estava vinte e quatro horas por
dia anestesiado. A única coisa que conseguia sentir era medo. E eu sentia a
todo momento. Afinal deus estava comigo o tempo todo e segundo meu pai ele me
odeia nesse momento. Espero que ele esteja errado.
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