Capítulo Um
DIA GELADO
E
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stávamos no final de janeiro. O mês mais frio do
ano na minha opinião. Estava coberto dos pés a cabeça. Quando respirava a
fumaça saia da minha boca. Mesmo com o aquecedor do carro ligado o frio
dominava. Meu pai dirigia com o maior cuidado. As estradas cheias de neve
sempre foram as maiores causadoras de acidentes e mortes.
- o lago está congelado – falou
meu pai quando passávamos em frente ao enorme Lago Champlain. Alguns
adolescentes brincavam – eles não sabem que é perigoso?
- provavelmente não – falei
respirando fundo. Isso fez com que o vidro embasasse.
Vivia na cidade de Burlington no
estado de Vermont. Do outro lado do lado ficava a cidade de Burlington no estado
de Nova York. Morava na fronteira, mas nunca tinha colocado o pé para fora do
estado.
Meu pai estava me levando para a
escola onde eu trabalhava. O Colégio de St. Louis. Foi lá que eu e meu irmão
Jake estudamos. Foi lá que meu pai David e minha mãe Stella estudaram e se
conheceram. Não é que estava condenado a nascer, crescer e morrer em Vermont,
era só que não estava me meus planos sair de lá. Nunca esteve.
Meu pai freou de repente quando
viu que tinha um animal congelado no meio da estrada. O carro fez um barulho e
se desviou levemente para a esquerda. Meu pai levou o braço até mim como
reflexo para impedir que eu voasse pelo para-brisas.
- você está bem? – perguntou ele
olhando pera mim e depois para for a.
- estou – falei abrindo a porta
do carro e saindo – o que será que é?
- deve ser um veado – falou ele
saindo e nós dois fomos até lá. Confirmamos nossas suspeitas.
- quase atropelamos um veado
morto – falei brincando.
- hoje vou a prefeitura pedir que
retirem o animal daqui.
Alguns carros buzinaram ao
paparem atrás do carro de meu pai e ele gritou pedindo que eles desviassem. Ele
fez sinal com as mãos e os caros passaram e os motoristas agradeceram a ele.
- vem logo Oliver – falou meu pai
entrando no carro – ou vai se atrasar.
- estou indo – falei me abaixando
e tocando a carne do animal morto.
Meu pai buzinou e eu me assustei.
- já disse que estou indo – falei
olhando para trás. Meu pai não precisou dizer nada. Eu conhecia a cara que ele
fazia quando eu o respondia. Os olhos azuis se inundavam com o vermelho e ele
mordia o lábio inferior. Geralmente olhava para o lado. Era o modo dele dizer
“me obedeça ou vai se ver comigo.”
Entrei no carro calado e seguimos
viagem até a escola.
Ao chegarmos em frente a escola
meu pai parou seu velho Fiat 2003 na cor azul celeste em frente a escola.
- assim que sair da escola pegue
um taxi – falou ele tirando um dinheiro da carteira.
- não precisa.
- venha direto pra casa – falou
ele colocando o dinheiro na minha mão.
- ok – falei enfiando os dólares
de qualquer jeito no bolso.
Alguém se aproximou do carro e
bateu na janela. Eu e meu pai olhamos. Era Amy. A garota que trabalhava comigo.
- bom dia Sr. Maxfield – falou
ela para meu pai.
- olá – falou meu pai com um
sorriso sem graça.
- oi Amy – falei sem olhar para
ela. Ficava sem jeito quando meu pai encontrava com ela. Amy era
afrodescendente. Seu rosto era liso e seu olhos negros se destacavam em seu
rosto. Seu sorriso era cativante e capaz de derreter uma calota de gelo no polo
norte.
- você vem vindo?
- desculpe Amy – respondeu meu
pai por mim – estou tendo uma conversa com meu filho. Ele te alcança.
- tudo bem – falou ela sorrindo e
se afastando do carro.
Meu pai olhou para frente e eu
olhei para baixo envergonhado dele.
- você me deve uma – falou meu
pai rindo.
Eu apenas balancei a cabeça
afirmativamente fingindo um sorriso.
- você é amigo dela?
- não pai. Só trabalhamos juntos.
- você disse que no último verão
ela foi para a África ser voluntária?
- sim. Faz parte do treinamento.
- cuidado. Sabe-se lá o que ela
trouxe junto com aquele povo.
- ela me convidou para ir com ela
no próximo verão sabe. Eu estava pensando em…
- você quer mesmo ir pra África?
Você sabe muito bem…
- não é minha vontade ir pai, mas
o senhor sabe… Seria bom para meu currículo. Quem sabe eu não subo de cargo?
Posso começar a levar mais dinheiro para casa.
- não gosto nada disso.
- na bíblia diz que devemos
ajudar o próximo – me atrevi a dizer.
- quer saber? Estou sendo
mesquinho – falou ele batendo no volante – não é uma má ideia. Você pode ir pra
lá e ajuda-la com o povo dela e não precisa se preocupar em pegar as doenças de
lá afinal você é branco – falou ele rindo.
Ri junto com ele.
- posso confirmar com ela então?
Ele precisa saber antes para poder comprar as passagens.
- você me deve duas – falou ele
olhando para frente.
- sim senhor.
- não conte nada para sua mãe.
Deixa que eu conto.
- obrigado pai. Muito mesmo –
falei alegre. Queria muito ir nessa viagem e achei que ele nunca deixaria.
Sai do carro e fechei a porta.
Ele acenou sorrindo e partiu.
Os alunos começavam a chegar.
Vários adolescentes agasalhados. Segui pela entrada da escola cumprimentando a
todos e logo que cheguei na sala onde os funcionários ficavam para socializar
encontrei Amy tomando em café bem quente.
- bom dia – falou ela rindo.
- bom dia, desculpa não ter vindo
antes.
- não tem problema – falou ela
colocando seu copo na mesa.
- adivinha – falei me sentando
rápido.
- o que?
- meu pai deixou que eu viaje
para a África no próximo verão.
- sério? – perguntou ela animada.
- sério.
- finalmente. Como você conseguiu
que ele deixasse?
- Tenho meus métodos – falei me
levantando e pegando meu próprio café.
Depois que tomamos o café da
manhã nos dirigimos até a secretaria.
- Ollie será que dá pra me cobrir
hoje? – perguntou ela quando chegamos a nossa sala.
- puxa vida, está tão frio –
falei me arrepiando só de lembrar.
- por favor. Eu faço a
contabilidade da vendas de bolo e do baile pra você.
- tá bem – falei deixando minha
mochila em cima da cadeira.
- obrigada – falou ela sorrindo e
se sentando de frente ao computador.
Na última semana do de todo mês
Amy e eu precisávamos sair de sala em sala monitorando os professores. Éramos
obrigados a ficar em sala de aula para analisarmos as dinâmicas de ensino. Nós
então criamos um sistema de revezamento e hoje era o dia de Amy e ainda
faltavam oito professores.
A sala de aula era um lugar frio
e sombrio. Não digo isso pelo clima, mas porque os professores odiavam nos ter
em cima deles. Quando não estávamos sendo mal tratados pelos professores
estávamos levando boladas de papel dos alunos.
- relaxe Oliver – falei para mim
mesmo pegando o caderno de relatório, a prancheta e as canetas – você tem vinte
e dois anos, tem faculdade e já foi um deles. Você sabe como eles se comportam
– falei saindo da sala e indo para o segundo ano. A primeira a ser monitorada
seria a professora de biologia.
Eu mal entrei na sala e recebi
uma bolada de papel na cara. A professora explicava a matéria e os alunos não
pareciam muito interessados. Por fim ela desistiu, passou uma atividade e
sentou seu gordo traseiro atrás de uma mesa e pegou um livro para ler.
- com licença Sra. Applebeetle –
falei chegando perto dela. Ela era branca como a neve, tinha as bochechas rosadas
e um olhar assustador. Era tão gorda que mau cabia na cadeira – será que não é
melhor tentar uma dinâmica diferente? Nenhum dos seus alunos parece estar
interessados.
- você está tentando me ensinar?
Está tentando dizer como devo fazer o
meu trabalho?
- não senhora, só acho que desse
jeito os alunos não aprenderam nada. Quer dizer. Eles são o futuro. Faça isso
pelas crianças;
- nós não somos crianças seu
babaca – falou um dos alunos jogando uma bola de papel molhada no meu rosto. A
sala toda riu e novamente todos começaram a fazer suas traquinagens. Até a
professora deu risada e voltou a ler seu livro que na verdade escondia uma
revista de fofocas.
Gentilmente eu me afastei dela e
voltei ao meu ponto cego. Era meu cantinho seguro. Se ficasse lá parado pelas
próximas horas talvez ninguém me notasse. Escrevi algumas observações sobre os
métodos, mas não coloquei uma nota muito baixa. Sempre que um deles recebia
nota baixa era chamado para uma reunião com o diretor. Após a reunião o
professor saia nervoso e descontava em quem? Exato. Em mim. Aprendi da pior
maneira.
Depois de ficar com quatro
professores na parte da manhã, depois do almoço decidi me dar um presente. Era
hora de ir para a aula do professor Abraham. O único professor que não me
odiava naquela escola. Ela era o único professor que realmente se importava com
os alunos, era o único ao qual sempre recebia notas altas.
Os alunos voltavam no refeitório
e o professor já estava na sala arrumando sua mesa e preparando sua aula. Bati
na porta.
- com licença professor.
- Ollie – falou ele com um
sorriso – como é bom te ver.
- hoje é dia da avaliação – falei
mostrando a ficha que preenchia. Abraham Griffin Williams. Ele assinou o nome.
- hoje teremos uma ótima aula.
Espero que me dê uma boa nota.
- você é o único que merece uma
nota alta. Sinceramente.
- não diga isso. Tenho certeza
que os outros professores também merecem.
- o professor Hemmyway passou
duas horas discutindo com um aluno sobre o filme do fim de semana. Depois ele
ainda pediu que todos os alunos assistissem no fim de semana e fizessem uma
redação.
- tenho certeza de que ele tem um
a propósito acadêmico – falou Abraham defendendo o colega.
- duvido que o filme dos
vingadores ajudem os alunos em algo. Eles já se batem o suficiente.
Abraham abriu a boca para
defender o professor mais desistiu.
- eu não consigo argumentar
contra isso – falou ele rindo.
As três da tarde, os alunos foram
dispensados e eu me despedi do último professor da lista. Os alunos saiam e eu
andava em direção a secretaria.
- por favor, me diga que acabou?
– perguntou Amy quando voltei a sala.
- sim – falei entregando a ela as
fichas – você é que vai encaminhá-las.
Ela pegou e deu uma boa olhada.
- vejo que deu nota alta para o
professor de matemática outra vez.
- não sei do que está falando.
Você sabe que matemática é minha paixão.
- por favor Ollie, você tem uma
queda por ele.
- cala a boca Amy – falei
cochichando – você sabe como são as pessoas dessa escola.
- foi mal – falou ela rindo e
guardando as fichas.
- se isso chega aos ouvidos…
- e ai maninho.
Estava de costas mas reconheci a
voz dele. Era meu irmão.
- o que está fazendo aqui Jake?
- papai mandou eu vir te buscar.
- ele me deu dinheiro para voltar
de taxi.
- não vou questionar a decisão
dele. Você vai?
- não.
- vamos logo.
Eu procurei empacotar minhas
coisas o mais rápido possível.
- como você está Amy?
- bem Jake, e você? – falou ela
se levantando e colocando a bolsa de lado.
- bem – falou meu irmão olhando
ela de cima em baixo.
- vamos – falei pegando minhas
coisas.
Quando me virei Amy deu um
selinho na minha boca. Acho que ela ficou com medo de que ele tenha ouvido algo
sobre o professor Abraham e tentou confundir a mente dele.
Eu passei os dedos nos lábios
tentando limpar a marca do batom vermelho que ela usava.
- não conta pro meu pai. Por
favor Jake.
- você está com medo de que?
- não conta. Eu imploro.
- tudo bem – respondeu ele sem
dar muita ênfase a essa resposta – vamos.
- seu rosto está sujo de graxa –
falei tentando acompanha-lo. Ele passou a mão no rosto.
ele tinha um sorriso no rosto e
seu rosto estava sujo de graxa. Ele era mecânico. Posso dizer que era o orgulho
do meu pai. Sei que ele nos ama igual, mas eu já percebi que ele gosta mais de
mim do que de meu irmão porque eu segui seus passos. Eu fiz faculdade assim
como ele. Ciências contábeis.
O sonho de mau pai é que eu
trabalhe na pequena empresa dele e que um dia assuma os negócios, mas não era
isso o que eu queria pra mim. Eu não tinha planos ainda, mas cuidar do negócio
da família não era minha vontade. Meu pai era dono de uma pequena imobiliária
no centro. Um pequeno negócio que ele conseguiu contar com muito esforço e
dedicação.
Assim que cheguei em casa. Meu
pai gostava que a família estivesse reunida ás sete da noite em ponto na mesa. Depois
que cheguei do trabalho eu dormi um pouco e assim que meu celular despertou eu
tomei um banho, vesti uma boa roupa e fui até a sala de jantar. Estava nervoso.
Espero que Jake não abra a boca.
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