HISTÓRIA DA MINHA VIDA capítulo dezenove
O
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dia lá fora
estava nublado. Estava preso naquele lugar a mais de cinco semanas. Já não
aguentava mais. Estava sentado em minha cadeira esperando pelo Dr. Aaron
Guzman. Meu psicólogo. Estava distraído com minhas mãos. Estava pálido. Não
ajudava ficar vestido com as roupas claras. Que meu pai havia me enviado. Levei
um susto quando ele abriu a porta.
- te assustei? – perguntou ele
fechando a porta.
- um pouco – falei olhando para
fora outra vez.
Ele puxou a cadeira e se sentou
de frente a mim.
- então – falou ele jogando meus
manuscritos em cima da mesa.
- acabou de ler? – perguntei.
- sim – falou ele com cara de
deboche – tem certeza que quer publicar isso?
- você não gostou?
- Mike, a pouco mais de um mês
pedi para que escrevesse a história da sua vida. certo?
- certo.
- eu pedi que escrevesse algo.
Você levou mais de um mês para escrever.
- sim.
- você escreveu sua biografia.
Você disse que tinha que escrever de qualquer jeito afinal você tinha um
contrato.
- tenho – falei respirando fundo.
O único barulho na sala era o de nossas respiração e da bela voz do médico de
cabelos castanho-claro e olhos azuis. Os olhos mais lindos que vi na vida – o
que você não gostou?
- bom. Digamos que não tem como
eu dizer se gostei ou não afinal é a história da sua vida.
- sim.
- você passou por muita coisa
Mike, mas sua vida é como a de qualquer pessoa com seus altos e baixos.
- mais baixos do que altos
- tenho que concordar – falou ele
abrindo o manuscrito que tinha feito – você foi sequestrado, estuprado, perdeu
dois namorados… é muita coisa e pelo o que escreveu aqui você fez muito sexo
gay.
- você é preconceituoso é?
- não. não é isso que me
perturba.
- Então o que é?
- é a forma que você descreve sua
vida pro futuro. Você passa a mensagem de que sua vida será muito pior apesar
de tudo o que aconteceu.
- veja tudo o que aconteceu no
meu passado? A tendência é seguir um padrão. Se foi uma bosta no passado ,será
uma bosta no futuro.
- olha, achei seu manuscrito interessante
e ele responde muitas perguntas que eu tinha sobre você.
- que seja – falei pouco ligando
– só escrevi porque segundo o juiz só saio dessa joça se me comportar.
- porque você chamou seu
manuscrito de “Êxodo” ?
- Se você olhar no dicionário
vera que Êxodo remete a tragédia grega.
- você acha que sua vida é feita
de tragédias?
- você precisa mesmo que eu
responda? o que você quer de mim? Você pediu para que escrevesse e eu escrevi.
Ele respirou fundo.
- sabe, acho que de alguma forma
você progrediu.
- que bom. Qualquer coisa que me
faça sair desse buraco dos infernos. Se não sair daqui logo eu vou me suicidar.
- vou fingir que não ouvi isso –
falou ele anotando algo no seu caderno. Ele se perdeu por alguns instantes e eu
o encarei.
- doutor, você é gay?
- porque quer saber? Quer me
incluir no seu livro?
- Wow, isso sim é uma indireta.
- Pelo que li, você se apaixonou
pelo seu chefe, certo? Você então realizou o sonho de todos que se apaixonam:
tranzou com sua paixão. Essa sensação foi tão boa que você acabou criando um
sentimento mutuo ao dele. Note que vocês tranzam em vários momentos, mas em
nenhum você realmente quis ficar com ele. Ele foi a última opção.
- mas ficamos juntos. Nos casamos
e tudo.
- mas você o traiu.
- não significa que não o ame.
- significa sim.
- não entendo doutor.
- você se apaixonou pelo chefe.
Algo que vários gays relatam. A maioria nunca consegue realizar a fantasia.
Você conseguiu e acabou se apegando. Você chegou em um momento e seu
inconsciente pensou: Até onde consigo levar essa realização? Você se casou com
o “chefe hétero”. Pronto. A vida de vocês era perfeita até que se casaram, sabe
porque? Você conseguiu levar até o momento máximo dessa realização. Você só
está com Adam quando sente vontade de tranzar, e quando está distante
emocionalmente você procura o sexo com outros.
O que ele dizia não fazia
sentido. Eu amava Adam e não era só uma paixão. Como uma pessoa podia olhar nos
meus olhos e dizer que o amor da minha vida na
verdade está me prejudicando?
- Está claro nessa passagem que
mesmo quando tenta se distanciar de Adam,
aquela fantasia de “chefe fodendo o empregado” te persegue.
- não é verdade.
- você precisa confiar em mim
Mike. Eu sou o doutor.
- qual a conclusão de tudo isso?
- você deve ficar longe de Adam.
Você não vai se curar enquanto não se apegar a outra pessoa no mesmo nível em
que se conectou com Adam.
- não se preocupa, Adam quer me
visitar aqui, mas não deixo – falei dizendo a verdade. Adam queria me visitar,
mas eu não queria vê-lo e se isso me ajudasse a sair mais rápido, melhor. Em
breve estaria com ele novamente.
- quer saber? Esse manuscrito foi
a melhor coisa que você fez. Me ajudou a te entender muito mais. Eu te entendo
agora. Eu sei como você se vê.
- o que eu devo fazer para
melhorar?
- o primeiro passo você fez que
foi não aceitar as visitas de Adam. Isso foi espontâneo.
- claro que sim – Adam não em
visitava, mas não pelo motivo que ele achava.
Aaron fechou o manuscrito e me
entregou.
- respondendo sua pergunta
anterior – falou Aaron – sim, eu sou gay.
- sabia. Um gay sempre conhece o outro.
- tenho um conselho a você.
- qual?
- você só vai conseguir superar
essa “paixonite” por Adam quando se conectar com outra pessoa. Quero que
conheça alguém e que caia de cabeça na relação ok?
- a única pessoa que eu posso
conhecer aqui dentro e que pode dar em algo é você?
- acho que meu esposo não vai
gostar nada disso – falou ele rindo – desculpa ter que te dar esse fora.
- sem problema, não é o primeiro
a me dar o fora.
- que bom ouvir isso.
- e não seria o primeiro casado a
me dar um fora que dois dias depois me debruça sobre a mesa e mete em mim.
- nossa sessão terminou por hoje
– falou ele se levantando.
- não acha chato ter que vir aqui
duas vezes por semana só pra ter essas sessões comigo?
- não. Você devia agradecer por
estar aqui em vez do hospital psiquiátrico.
- verdade – falei me levantando
também.
- cuidado para não se enrolar ou
dizer coisas diferentes para as pessoas Mantenha a história que lhe foi
passada.
- ok. Eu estou aqui porque sou
viciado em Oxicodona.
- exato – falou ele abrindo a
porta e nós dois saímos.
Meu psicólogo novo se foi e eu
rumei até o jardim. Depois de minha audiência a cinco semanas atrás Stephen
usou toda sua influência e pediu um favor ao juiz Mitchell Morrison. Ao invés
de me enviar para o “hospício”, ele aceitou me colocar em uma Clinica de
Reabilitação para Viciados. É claro que eu tive que mentir a todos e dizer que
era viciado em algo. Então desde então o psicólogo indicado pelo tribunal vem
todas as semanas para as sessões.
Estou mais tranquilo do que estaria
em um hospital/prisão. É assim que gosto de chamar aqueles lugares. Aqui eu
tenho todas as refeições, ando livre, temos esportes, atividades e todas as
semanas assistimos a um filme.
Toda sexta-feira o enfermeiro
aluga um filme para que nós assistamos juntos como em um cinema. Éramos meio
que obrigados a assistir. Isso contava como participação nas atividades. Já que
os filmes não passavam de porcaria. Eles não podiam conter violência, sexo ou
consumo de qualquer tipo de droga licita ou ilícita.
A verdade para mim era bem pior
que para todos. O diretor do centro de reabilitação era o único que sabia minha
verdadeira condição. Ele aceitou que ficasse em sua instituição desde que
seguisse as regras direitinho.
Já era muito intimo de todos os
empregados. A maioria dos internados não gostava de conversar a não ser quando
nos reuníamos nas reuniões diárias para falar de nossos problemas.
- oi Mike – falou Selena uma das
enfermeiras de pele morena, fofinha e animada.
- oi Sel – falei parando para
conversar com ela – como você está?
- estou ótimo e você já teve sua
sessão com o médico bonitão?
- tive sim, mas infelizmente ele
é casado.
- ele é gay?
- sim – respondi com raiva.
Ela deu risada
- você me deve vinte paus garoto.
- acho que meu “gaydar” está
estragado.
- vou gastar muito bem o seu
dinheiro.
- te pago assim que meu pai vier.
- ele já está ai.
- sério?
- sim. Está lá no pátio.
- valeu Sel – falei correndo.
Meu pai me visitava todas as
semanas desde que havia me internado naquele lugar. Só sai de lá para o natal e
o aniversário do meu pai, mas o restante dos dias fui obrigado a ficar lá. Meu
pai havia pedido perdão por tudo o que tinha me dito e é claro que eu o
perdoei. Não consegui manter o ódio pro ele. O amo demais para tirá-lo de minha
vida.
Para chegar ao pátio você passava
por uma passagem coberta cheia de videiras. Lá era realmente bonito e um lugar
muito tranquilo. Meu pai estava sentado em um dos bancos em meio tantas pessoas
que recebiam suas visitas.
- oi pai – falei me aproximando
dele e o abraçando.
- oi meu filho, como você está?
- estou bem obrigado. E o senhor?
Está bem? Vanessa? Rachel?
- estão ótimas graças a deus.
- que bom.
- e então? Como está sendo aqui?
Sendo um bom menino e fazendo tudo direitinho? Indo as sessões? Sem confusão?
- sim senhor. Me esforçando o
máximo para sair logo daqui.
- sei que não quer ouvir isso,
mas Jeff pediu perdão mais uma…
- está certo. Não quero ouvir
isso.
- ok. Não pode me culpar por
tentar. – falou ele me entregando uma mochila – notei que as roupas que você
tem atualmente são uma droga, então fui ao shopping e fiz as compras por você.
- obrigado pai. O senhor
adivinhou.
- seu pai Ray mandou um grande
abraço e diz que vem te visitar em Breve.
- manda um beijo e um abraço pra
ele.
Meu pai e eu conversamos por
quase uma hora. Sobre o trabalho dele, eu contei como estavam sendo as sessões.
Tudo estava bem, mas ele tocava em assuntos ao qual não queria saber, como Jeff
ou Adam.
- preciso ir filho – falou ele se
levantando.
- te acompanho até a saída.
Nós andamos até a sida.
- eu já ia me esquecendo. Adam
pediu pra mim perguntar se…
- não pai. Ele não pode vir me
visitar e dessa vez é uma recomendação médica.
- o médico pediu que não
recebesse visitas do Adam?
- sim. Pelo que parece ele é a
fonte de todo o meu problema.
- ok – falou ele parando quando
chegamos no limite até onde eu ia – não vou mais falar sobre ele.
Nós demos um abraço e nos
despedimos. Voltei para o pátio pois o sol havia saído um pouco e eu gostaria
de aproveitá-lo antes que chovesse outra vez. Me sentei outra vez no banco e
fechei os olhos levantando o rosto. Fiquei assim por alguns segundos.
Em seguida olhei para as pessoas.
Algumas estavam com suas visitas e outros apenas tomando sol. Foi quando
reparei que no banco ao lado do meu a três metros havia um homem de óculos
escuros sentado. Ele parecia pensativo. Seu cabelo penteado para frente e sua
barba bem feita, apesar de trazer a marca cinza no rosto.
Primeiro eu não pensei em
atrapalhar sua meditação. Estava evitando fazer amizades desde o dia que
cheguei porque tinha medo de me envolver em alguma coisa ou contar algo sobre
mim. Enfim… tinha medo de ser reconhecido, mas dessa vez decidi não ficar
calado. Ele estava com um jeans azul e uma camiseta branca o que deixava a
mostra seu corpo bem definido. Por alguns instantes me peguei olhando demais
para ele.
- algum problema? – perguntou ele
me tirando de meu transe.
- não… o que? – perguntei
envergonhado.
- você está me encarando – falou
ele sem olhar para mim – sua mãe não te ensinou que é feio encarar as pessoas?
- me desculpa. Não estou te
encarando.
- está me julgando?
- claro que não. A verdade é que
eu só… eu só queria puxar assunto, mas estava sem jeito.
- não estou afim de conversar –
falou o homem se levantando e partindo.
- tudo bem – Olhei para o outro
lado e tentei não me envolver, afinal esse era meu plano inicial.
- você não pertence a esse lugar
– falou o homem.
- o que? – perguntei olhando para
ele.
- eu sei que você é bem amigo dos
funcionários daqui.
- como você sabe? Acho que nunca
te vi por aqui.
- eu estava aqui o dia que você
chegou.
- sinto muito. Tem tanta gente.
Eu procuro não reparar nas pessoas.
- que bom – falou ele com um
sorriso.
- bom… acho que vou lá pra
dentro.
- nos vemos hoje a noite.
- hoje?
- sim. Hoje é o dia do filme.
- é mesmo. Sexta-feira. Havia me
esquecido – falei me levantando.
- até mais.
- até – falei me afastando e
entrando na clinica de novo. Aquilo havia sido estranho. Não sei bem se foi um
flerte ou uma ameaça, mas o certo é que ficaria bem longe dele.
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