NÃO SE MOVA/MUDANÇAS capítulo vinte e três
É
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engraçado como a vida pode mudar em um piscar
de olhos. As coisas que dizemos, coisas que fazemos se tornam tão distantes que
começamos nos perguntar: eu era mesmo assim tão ridículo no passado? É bom
quando olhamos para o passado e sentimos um pouco de vergonha de pensarmos que
éramos daquele jeito, é sinal de que evoluímos para melhor. Não existe vergonha
em se arrepender do passado, não precisamos ter vergonha de sentir vergonha de
nós mesmos. São com os erros que aprendemos e são com os sentimentos de
arrependimento que nos sentimos aptos a estar sempre em constante mudança. Nós
nunca somos os mesmos do passado e eu agradeço por isso. A verdade é que meu o
pai Larry já fez coisas por mim ás quais eu nunca poderei retribuir e uma boa
parte de mim sabe que ele ainda me ama apesar do que fez.
Ser pai de um garoto de quinze anos que
está no colegial e ter uma esposa que trabalha como promotora no Tribunal de
Justiça de San Diego não é nada fácil, mas eu tento ser o melhor pai o
possível. Faço de tudo para tornar a vida deles mais simples. É fácil para mim,
sou cartunista significa que trabalho em casa e posso ser definido como o
“marido troféu”.
Ramona, minha esposa, é uma mulher
muito ocupada, mas sempre deixou claro que a família está acima de tudo em sua
vida. Inclusive acima de sua carreira. Ela provou isso quando á onze anos atrás
ela aceitou adotar um garoto que hoje em dia é nosso filho. Mickey, mais
conhecido como Mike.
Terminei de fazer o nosso café da manhã
logo cedo. Como sempre Mike era sempre o primeiro a descer ás escadas. E foi o
que aconteceu. Ele desceu com o uniforme do colégio e ao chegar na cozinha ele
foi direto a mesa.
- não vai dar bom dia pro paizão? –
falei provocando-o.
- eu não sou mais criança pai. Não
fique se chamando de paizão. É embaraçoso.
Dei uma risada. Sabia que isso o
deixava desconfortável o que tornava isso tudo mais divertido.
- o que está fazendo? – perguntei
notando que ele tomava o café da manhã e escrevia algo no caderno.
- meu dever.
- porque você não o fez ontem? –
perguntei me sentando á mesa.
- eu fiquei jogando vídeo game até
tarde.
- não minta pra mim Mike.
- é verdade pai.
- eu sou seu pai, sei que você odeia
videogames e eu sei também que você ficou horas no telefone. Tem algum namorado
que eu e sua mãe devamos conhecer?
- pelo amor de…
- o que está acontecendo aqui – falou
Ramona descendo ás escadas.
- Mike tem um namorado – falei dando um
beijo na boca de minha esposa.
- é sério Mickey?
- não mãe.
- não precisa ter vergonha – falou
Ramona colocando café e tomando um gole.
- eu não tenho namorado. Fiquei
conversando até tarde com Denny e Sophie.
- você sabe que não tem problema trazer
um namorado aqui, certo? – perguntou Ramona.
- sim. vocês são os pais mais amorosos
do mundo. Adotaram um filho, o filho se torna gay…
- você nasceu gay – falei completando a
frase. Sabia que isso iria irritá-lo.
- que seja – falou Mike irritado – eu
sei que vocês me aceitam do jeito que eu sou, mas eu não tenho namorado, não
tenho ficantes. Sou só um garoto tentando sobreviver ao colegial como qualquer
outro. Acabei de entrar no Ensino Médio e tudo o que quero é estudar.
- OK nervosinho.
- pare com isso Larry – falou Ramona
olhando para mim.
- tudo bem, sói estou irritando-o.
Mike terminou de tomar seu café da
manhã e se levantou para ir o Colégio. O ônibus escolar passaria a qualquer
minuto.
- vejo vocês mais tarde – falou Mike se
levantando.
- não vai dar um beijo em nós? –
perguntou Ramona.
- claro que sim mãe – falou Mike
abraçando-a e dando um beijo em seu rosto.
- e o pai? Não ganha um beijo? –
perguntou Ramona.
- claro que ganha – falou Mike vindo
até mim e me dando um abraço. Dei um beijo em seu rosto e o abracei mais forte
– tenha um ótimo dia.
- o senhor também pai – falou Mike
jogando a mochila nas costas e saindo de casa.
Peguei uma caneca e fui até a cafeteira
colocar café e Ramona me abraçou por trás. Ela manteve o abraço por um bom
tempo e até se atreveu a descer a mão e tocar no meu…
- o que está fazendo? – perguntei me
virando.
- o que? – perguntou ela beijando minha
boca – não posso ser intimado meu marido antes do trabalho?
- claro que pode – falei rindo e
beijando sua boca.
- eu te amo tanto Larry – falou Ramona
segurando meu rosto.
- também te amo.
- você me deu uma vida feliz. Um lar,
um filho. Você é o marido dos sonhos e um pai extraordinário.
- você também é uma excelente mãe…
- não. Me escute – falou Ramona
alisando meu rosto – eu preciso que me prometa e que vai sempre ser o pai que
Mike precisa. Você vai fazer de tudo para protege-lo. Mesmo quando ele não
quiser. Você fará qualquer coisa para cuidar dele. Cuidar no nosso Mike, do meu
pequeno Mike.
- que conversa é essa meu amor? Até
parece que você vai ir embora?
- não… é que… as vezes não percebo que
o quão perfeita é minha vida. Nós temos pouco, mas temos saúde e estamos
unidos. E isso pra mim é o que mais importa.
- eu prometo que vou cuidar de Mike se
você me prometer fazer o mesmo sempre. ele é nosso garotinho. Não importa a
idade ele será sempre nosso pequeno Mike. aquele pequeno garoto que ensinei a
andar de bicicleta, será o garoto que você colocou na cama por tantos anos.
- eu te amo tanto – falou Ramona
beijando minha boca novamente.
- duvido que me ame mais do que eu te
amo – falei correspondendo aos beijos. Minhas mãos tocaram de leve seu corpo.
- eu preciso que me prometa outra
coisa.
- qualquer coisa.
- não se afaste de Roger. Ele é seu
irmão. Não importa o que tenha acontecido entre vocês dois, você precisa
perdoá-lo. Ele é seu irmão e eu quero que ele faça parte da vida de Mike. Não
importa o que tenha acontecido entre vocês dois eu quero poder viajar para a
fazenda dele e passar pelo menos duas semanas todo o verão e quero que você me
prometa que fará isso mesmo se eu não estiver aqui.
- para com isso Ramona – falei me
afastando dela –não aguento mais essa conversa. Pare de falar desse jeito. Não
é como se você fosse desaparecer no ar.
- me desculpa. É que acordei com todas
essas ideias – falou ela pegando sua maleta – preciso ir para o trabalho.
Garantir que os assassinos e os caras maus fiquem atrás das grades.
- tenha um ótimo dia no trabalho –
falei levando ela até a porta. O ônibus já tinha passado e Mike já tinha ido
para o colégio.
Essa foi a última vez que meu pai e eu
vimos minha mãe. Pelo menos foi a minha última vez já que depois do acidente eu
não consegui visita-la no hospital. Na época eu tinha um medo irracional de
hospitais e fazia de tudo para não ir nem ao pronto socorro. Certa vez eu tive
um corte no braço e escondi por uma semana antes de meu pai descobrir e ter que
me levar ao hospital para que eu levasse nove pontos.
Nunca vou me esquecer daquele dia. Estava
tendo aula com o professor de biologia, ele se chama Nick e nunca vou esquecer
do olhar dele ao pausar a aula para conversar com um meu pai e o conselheiro da
escola.
Eles me chamaram para fora da sala de
aula e todo o tempo meu pai não chorou. Seus olhos estavam vermelhos, mas ele
não deixou uma lágrima sequer cair de seus olhos até que o conselheiro me
contou o porque de ter me tirado da aula.
- sua mãe sofreu um acidente Mike –
falou o conselheiro tentando parecer calmo.
Meus olhos ficaram vermelhos e eu senti
como se algo pressionasse contra o meu peito e eu fiquei com falta de ar. Olhei
para meu pai e ele me abraçou forte e foi quando senti ás lágrimas caindo em
mim.
- vai ficar tudo bem – falou meu pai me
abraçando forte.
- onde minha mãe está? – perguntei para
meu pai tentando olhar no rosto dele, mas ele me apertou mais forte e não me
deixou ver seu rosto – ela está bem pai?
- vai ficar tudo bem – repetiu meu pai.
- então porque não está agindo como se
fosse ficar tudo bem? Porque está chorando?
- você precisa ir se despedir dela
Mike. Nós… nós precisamos nos despedir dela.
- eu não posso pai. Não posso vê-la
desse jeito.
- você precisa ser forte Mike – falou
meu pai me abraçando forte.
Nick, meu professor de biologia entrou
na sala do conselheiro e fechou a porta. Ele ficou lá parado em silêncio.
Apenas me vendo sofrer. Me vendo chorar no ombro do meu pai. Ele não disse
nenhuma palavra, mas eu sabia que ele se importava comigo e com minha dor. E
mesmo que ele tenha ficado de longe em silêncio foi bom saber que nem todos os
professores daquele colégio eram gananciosos. Nem todos os professores daquele
colégio ligavam só para seus gordos salários. Ele era um professor que se
importava.
Tenho muitas vezes essas lembranças e
passo e repasso as coisas que sei, as coisas que vivi e minha mãe sempre me
conforta. Será que minha mãe estaria orgulhosa do homem que me tornei? Dormindo
por ai tentando curar a dor. Traindo e sendo traído? Encontrando o amor e
finalmente perdendo-o? As vezes eu penso em como minha vida seria se ela
tivesse ao nosso lado. Ao lado do meu pai e ao meu lado.
- você está bem? – perguntou Roger
enquanto estávamos de deitados na cama.
- estou – falei pensando na ligação que
tinha recebido de Jerry.
- você não quer me contar o que
aconteceu? Não quer me contar o que te deixou tão abalado.
- eu posso confiar em você? – perguntei
para Roger.
- porque me pergunta isso?
- me responde: eu posso confiar em
você? Eu te conheço? O Roger que eu conheço é o mesmo Roger que anda pela casa
quando eu não estou por aqui?
- claro. Você pode confiar em mim.
- eu preciso ficar aqui Roger.
- como assim?
- tudo o que falamos sobre vender e
comprar e nos mudar. Não podemos nos mudar, não podemos nos mover.
- porque?
- você vai saber. Você e todo o mundo
vai saber o porque de eu não poder fazer as coisas que planejei porque vou
estar envergonhado demais. Tão envergonhado que não vou conseguir mostrar minha
cara.
- seja lá o que acontecer, eu não vou
deixar que nada aconteça de ruim com você. Eu vou ser o homem que você
precisar. Seu amante, seu tio, seu pai. Eu vou ser o homem que você precisa.
Vou fazer de tudo para protege-lo. Mesmo quando você não quiser. Eu farei
qualquer coisa para cuidar de você. Você é o meu Mike. Pequeno Mike e sempre
será.
Olhei para Roger e por alguns momentos
não demonstrei nada reação e foi então que deixei um tímido sorriso
transparecer em minha face e então eu deitei minha cabeça em seu peito e Roger
me abraçou. Fechei os olhos e torci para que estivesse dormindo e que tudo não
passasse de um pesadelo. Voltei a pensar em minha mãe e em quando ela estava
viva. Como eram bons aqueles dias.
Eu só tenho uma dúvida: Roger acabou de
dizer que vai cuidar de mim exatamente com as mesmas palavras que minha mãe disse
há meu pai no dia do acidente. Sim, eu ouvi a conversa deles, infelizmente não
ouvi até o final porque o ônibus escolar chegou, mas eu ouvi essa parte. Como
Roger sabe exatamente as palavras que minha mãe disse á meu pai? E porque ele
se lembra delas até hoje?
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