capítulo quatro
AMNESIA
A
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primeira coisa que fiz foi tomar um banho. Um
longe e quente banho. Nunca tinha visto um chuveiro com tantos jatos de água.
Quando ele tocava a pele era relaxante. Me enrolei em uma toalha que encontrei
no guarda roupa e ao sair do banheiro me lembrei que todas as minhas roupas estavam
no quarto do Kevin. Me arrependi de não ter ido antes pegar minhas roupas. Pelo
menos agora eu sei que antes de tomar banho preciso ir até o quarto e pegar
minha roupa.
Abri a porta do quarto devagar e vi que estava silencioso. A porta do
quarto de Adrien estava aberta e não havia música. Ele provavelmente tinha
saído. Ele deve ter alguns amigos tão loucos quanto ele. Caminhei até o quarto
de Kevin e bati na porta. Esperei alguns minutos, mas não ouvi barulho então
presumi que não tinha ninguém no quarto e eu estava certo.
Abri a porta e fui até o guarda roupas. Abri de um lado de presumi que
era o lado de Kevin. Haviam alguns uniformes de piloto, ternos, sapatos,
camisas e outras coisas. Abri o outro
lado e me identifiquei com as roupas. Vesti uma camiseta e uma bermuda e calcei
um par de sandálias. Sequei meus cabelos e voltei para meu quarto pendurando a
toalha na cabeceira da cama. Peguei meu novo iPhone e me deitei na cama para
mexer um pouco.
Instalei alguns aplicativos e tive que abrir algumas contas nas redes
sociais. Não sei bem se eu tinha antes, mas depois de uma pesquisa decidi criar
uma conta no Facebook. Levantei da cama rapidamente e peguei meu antigo
celular. Ele estava na mochila. Kevin tinha jogado ele no lixo do hospital, mas
eu peguei de volta e coloquei na mochila. Ele não funcionaria mais, mas o chip
estava intacto.
Coloquei o chip e uma lista de contatos apareceu. Haviam vários nomes de
pessoas que eu não conhecia, telefones de vários hotéis. O nome de Kevin foi o
único que reconheci logo de cara. Passei a lista e li todos os nomes e alguns
pareciam ser bem familiares. Leon, Lea, Justin… haviam vários nomes, mas esses
chamaram a minha atenção.
Alguns segundos depois de colocar o chip algumas mensagens começaram a
chegar. Várias mensagens me desejando feliz aniversário. Li uma por uma e em
seguida eu as apaguei. Não conhecia aquelas pessoas então não tem o porque
responder. Estava começando a duvidar das decisões que tomei antes do acidente.
Não estava gostando de descobrir quem eu era. Estava deitado na cama distraído
e alguém bateu na porta e em seguida ela se abriu.
- posso entrar? – perguntou Kevin.
- pode – falei me sentando a cama.
- o que está fazendo? – perguntou Kevin com um sorriso.
- mexendo um pouco no celular.
- quer salvar meu contato?
- não precisa. Eu coloquei o chip do meu antigo celular.
- mas… como? – perguntou Kevin.
- você jogou o meu celular no lixo lá em Chicago, mas eu peguei o chip.
Como eu preciso me lembrar do passado eu achei que precisaria da lista de
contatos.
- OK – falou Kevin estranho.
- olha eu estava pensando sobre o que você falou.
- sobre o que exatamente?
- tirar licença do trabalho para ficar comigo. Não precisa fazer isso.
Eu posso ficar sozinho.
- eu já pedi – falou Kevin lambendo os lábios – e eles me deram trinta
dias.
- é sério. Não precisava.
- vai ser melhor assim. Pelo menos até você conseguir se lembrar de algo
ou pelo menos se familiarizar e criar uma nova rotina – falou Kevin se sentando
ao meu lado na cama.
- Ok, mas eu preciso que você me diga uma coisa.
- o que? – perguntou Kevin olhando para mim.
- porque eu tenho a impressão de que você não quer que eu entre em
contato com minha família?
- não sei do que está falando – falou Kevin tentando despistar.
- olha você não me falou nada sobre minha família no hospital e você
jogou o chip do me celular no lixo como se não quisesse que eu entrasse em
contato com eles. Você não é um bom mentiroso.
- me empresta – falou Kevin pegando meu iPhone. Ele foi até a lista de
contatos e me mostrou em nome.
- o que é isso?
- está vendo esse número? – perguntou ele me mostrando o celular.
- Leon?
- sim. Leon é seu pai – falou Kevin me entregando o celular – pode ligar
pra ele – falou Kevin se levantando para sair do quarto.
- o que? Só isso? – falei me levantando – não vai me explicar porque não
queria que eu entrasse em contato com ele?
- o que eu disse sobre sua família é verdade – falou ele olhando pra mim
– você não tem muito contato com seu pai.
- então porque eu deveria ligar para ele.
- porque eu sou o motivo.
- o que quer dizer?
- Seu pai nunca gostou de mim. Sua família na verdade.
- porque?
- ele divide a mesma opinião que Adrien tem. Ele acha que eu sou muito
velho pra você.
- mas eles cortaram contato comigo por causa disso?
- seu pai não gostou de mim desde o começo, mas tolerou o namoro porque
ele achou que não duraria. Quando eu te pedi em casamento seu pai não aceitou.
Ele disse que não concordava com isso. Ele disse que era imoral e nojento me
casar com alguém que tem a idade do meu filho então ele te deu um ultimato.
Disse que se você aceitasse você estaria expulso de casa e podia esquecer que
um dia teve uma família.
- então eu morava com a minha família e não em um apartamento alugado
como você me disse?
- isso. Eu menti.
- porque mentiu?
- Você me amava quando fez essa escolha. Você aceitou se casar comigo
contra gosto do seu pai, mas eu fiquei com medo. Agora que você não se lembra
de mim e não sente nada eu pesei que se você soubesse dessa história escolhesse
ele ao invés de mim.
- eu não sei o que dizer – falei me sentando.
- pode ligar pra ele se quiser.
- não – falei respirando fundo – ele é meu pai. Não devia me fazer
escolher. Se eu te amava ele devia respeitar e não me dar um ultimato.
- olha eu não estou falando coisas ruins sobre seu pai eu apenas relatei
o que aconteceu – falou Kevin voltando a se sentar do meu lado.
- não. tudo bem – falei desligando o celular – não vou ligar com ele. Se
ele queria cortar relações o meu acidente não fará diferença.
- tem certeza? Eu odiaria que você tomasse essa decisão por mim.
- não. É por mim mesmo – falei olhando para Kevin – você pode me falar
como é minha família? Quer dizer… Eu tenho mãe?
- sim – falou Kevin – sua mãe se chama Bonnie. É uma mulher linda.
- e eu tenho irmãos?
- sim. Uma irmã mais velha. Acho que ela uns três ou quatro anos mais
velha do que você. Ela se chama Leona, mas você a chamava de Lea.
- e ela não mantem contato comigo?
- não sei. Vocês pareciam se relacionar bem até o momento em que eu te
pedi em casamento. Quando seu pai fez você escolher você meio que cortou
contato com ela.
- entendi – falei olhando para baixo pensativo.
- e então? Vai entrar em contato com eles?
- Se eles me amassem não teriam cortado contato comigo em primeiro
lugar. Não quero que eles voltem a se relacionar comigo só por causa desse
acidente e dessa perda de memória.
- OK – falou Kevin se levantando. Ele parecia feliz pela minha escolha.
- obrigado por me contar a verdade – falei me levantando e indo até
Kevin. Levei minhas mãos até ele e me aproximei dando um beijo no rosto dele.
- por nada – falou Kevin saindo do quarto e eu o segui. Nós descemos as
escadas e eu fui até a cozinha. Pude ver que havia uma piscina enorme com uma
fonte em pedra que jorrava água.
Ao chegar do lado de fora me sentei em uma das cadeiras de praia
próximos da piscina. Estava na sombra. Kevin ficou de pé na porta da cozinha
olhando para mim.
- o que está olhando? – perguntei olhando para Kevin.
- não é nada – falou ele sem graça – se você quiser tomar banho de
piscina fique a vontade.
- eu sei nadar?
- claro. Foi eu quem te ensinou.
- sabe está bom aqui onde estou. Só quero ficar aqui sentado e relaxar.
- você que sabe.
- olá vizinhos! – falou uma mulher vindo pela cozinha surgindo de trás
de Kevin.
Uma mulher alta, de cabelos pretos e olhos castanhos. Ela tinha uma
expressão destemida no rosto. Era com certeza uma mulher bonita com uma boca
larga. Ela usava uma biquíni e uma bata preta.
- olá – falou Kevin quando a mulher ficou ao lado dele e passou o braço
por ele.
- oi Max – falou a mulher sorrindo para mim.
- quem é você?
- Sou Ava Pumpelly – falou ela se aproximando de mim.
- eu sou Max… Loudorn? – perguntei para Kevin.
- exato. Loudorn.
- conheço você Max – falou Ava se deitando na cadeira de praia ao lado
da minha – eu sou a vizinha de vocês – falou Ava olhando para mim – Kevin me
contou o que aconteceu com você.
- você mora na casa ao lado?
- sim – falou ela olhando para mim com um sorriso – e então? Como foi?
- como foi o que? – perguntei confuso.
- você perdeu a memória então imagino que a primeira tranza será coo se
fosse a primeira vez.
Achei estranho ela falar sobre aquilo. Será que éramos muito íntimos?
Olhei para Kevin porque não sabia o que dizer.
- não se preocupa Max. Ava é uma grande amiga – falou Kevin se aproximando
de nós.
- e eu também sou lésbica então não se preocupa, não vou roubar seu
homem – falou ela se levantando rapidamente e pegando os óculos escuros de
Kevin que estavam pendurados na camiseta dele.
- não estou preocupado com isso – falei voltando a me deitar.
- o que foi? – perguntou Ava olhando para mim – vai me dizer que não
aconteceu nada ontem a noite?
- Não – falou Kevin.
- você não precisa dar explicações da nossa vida sexual pra ela – falei
olhando para Kevin.
- porque está agindo como um babaca? – perguntou Ava olhando para mim.
- não sou babaca. Você é que é intrometida.
- Max… – falou Kevin me repreendendo.
- OK – falou Ava rindo sarcástica, em seguida ela olhou para Kevin – com
certeza ele não é o mesmo e perdeu a memória.
- sim. Ele perdeu – falou Kevin.
- então quer dizer que não vai mais acontecer? – perguntou Ava para
Kevin. Kevin balançou a cabeça negativamente, mas ele fez isso rapidamente como
se estivesse tentando esconder algo.
- o que não vai mais acontecer?
- não é nada – falou Kevin cruzando os braços.
- então quer dizer que essa mulher fica entrando e saindo da sua casa? –
perguntei para Kevin.
- sim. Ele é minha amiga a muito tempo e se tornou sua amiga quando
começamos a namorar. Ela vem usar a piscina de vez em quando, mas ela tem
liberdade pra isso.
- eu não gosto dela.
- oi? Eu ainda estou aqui – falou Ava ainda deitada com os braços
esticados. O sol tocava a pele dela e brilhava.
- relaxa Max – falou Kevin se agachando perto de mim – você está muito
tenso. As coisas vão melhorar. Você não conhece ninguém ainda, mas todas as
pessoas quem vem aqui em casa fazem parte da sua vida.
- eu não sei se gosto – falei me levantando.
- onde você vai? – perguntou Kevin se levantando e me seguindo.
- vou sair um pouco.
- onde você quer ir? – perguntou Kevin pegando a chave em cima do balcão
da cozinha.
- eu vou sozinho – falei olhando para ele.
- Você não devia sair sozinho.
- Eu perdi a memória, não fiquei idiota – falei pegando a chave do carro
da mão dele – eu posso usar seu carro?
- você não sabe dirigir – falou Kevin pegando a chave de volta.
- OK, com certeza eu não em lembro disso – falei pensativo – pode me
emprestar algum dinheiro para o taxi?
- posso – falou ele tirando a carteira do bolso e me entregando um
bocado de notas.
- obrigado – falei subindo as escadas.
- onde você vai?
- pegar minha carteira e meu celular. Antes de voltar vou passar no banco
e tirar o dinheiro e assim que eu chegar eu te pago.
- estou perguntando ode você vai quando pegar o taxi?
- ainda não sei. Porque não vai lá fora e pergunta pra sua amiga Ava? –
falei indo até meu quarto e pegando meu celular e minha carteira. Ao descer eu
vi Kevin a beira da piscina tendo uma conversa com Ava. Parecia que ele estava
brigando com ela, mas eu não me importei.
Ao sair da casa e atravessar o jardim Buddha me seguiu até que eu sai
pelo portão. Caminhei através da calçada até que cheguei na avenida. Antes de chamar
por um taxi me sentei em um banco em uma praça e peguei meu celular. No começo
pensei que ligaria para meu pai Leon ou para minha mãe Bonnie, mas Kevin tinha
me dito algumas coisas sobre eles que me chatearam então decidi ligar para Lea,
minha irmã. O telefone chamou algumas vezes até que Lea atendeu.
- alô – falou uma mulher de voz doce.
- estou falando com Leona Loudorn?
- está sim.
- Lea quem está falando é o Max.
- Max?
- sim. Max o seu irmão.
- eu sei que você é meu irmão. Porque está me ligando?
- não sei.
- então você só ligou para me chatear?
- não. Na verdade… Eu queria conversar com você.
- o que é? Ligou para me humilhar? Ou está pensando em enviar outro vídeo
para meu pai?
- enviar? Vídeo? Não sei do que está falando.
- então você vai continuar com isso? ‘Não vi nada’, ‘não sei de nada’…
- eu sofri um acidente – falei interrompendo Lea.
- acidente? Que tipo de acidente?
- um acidente de carro.
Por alguns segundos o silêncio predominou.
- você está bem?
- estou sim. Tenho só alguns arranhões. O médico disse que foi um
milagre não ter perdido uma perna ou um braço.
- é por isso que está ligando? Está arrependido? Isso te deu uma nova
perspectiva de vida?
- pode-se dizer que sim.
- que bom. Você estava precisando, mas fico feliz que não tenha sofrido
sequelas.
- na verdade eu não sai totalmente ileso.
- o que aconteceu? você está bem?
- estou sim, mas será que podia se encontrar comigo agora?
- claro. Você pode vir até o Shopping Dolphin Mall?
- claro.
- te vejo em alguns minutos então.
- OK – falei desligando o telefone.
Me levantei do banco da praça e caminhei até um taxista. Pedi que ele me
levasse até o tal shopping e ele seguiu viagem por alguns minutos. Ao chegar no
luminoso Shopping caminhei pelos corredores e fui até uma lanchonete que ficava
do lado de fora ao lado de uma fonte. Alguns guarda sois marrons cobriam as
mesas redondas de madeira.
Olhei em volta e peguei meu celular. O celular começou a chamar quando
ouvi alguém chamando meu nome logo atrás de mim. Era a mesma voz doce e suave
do telefone.
- Max?
- oi – falei olhando para trás e vendo uma garota se aproximando. Ela
tinha cabelos pretos, franja e olhos castanhos.
- posso me sentar?
- claro.
Ela se sentou de frente para mim.
- como você está?
- não muito bem.
- você parece ótimo.
- só por fora.
- um suco de laranja por favor – falou Lea chamando o garçom – vai querer
alguma coisa?
- o mesmo que você.
- dois sucos de laranja por favor.
- volto em alguns instantes – falou o garçom.
- e então? O que foi que aconteceu com você? – perguntou Lea.
- tudo o que posso dizer é que estava em Chicago e sofri um acidente de carro. Ele capotou
algumas vezes e parou no jardim de uma família. Um campo florido.
- você estava viajando a trabalho?
- acho que sim.
- como assim “acho que sim”.
- eu não em lembro. Não me lembro. Não me lembro de nada.
O garçom colocou os dois copos com suco de laranja em cima da mesa e Lea
pegou um deles e deu um gole.
- o que você estava falando?
- eu disse que não me lembro de nada.
- isso é normal. Geralmente esquecemos alguns detalhes afinal um
acidente acontece rápido.
- você não entendeu Lea. Eu não me lembro de nada. Estou com Amnésia.
- do que exatamente você não se lembra?
- de nada. Não lembrava nem meu nome, não me lembrava nem de você.
Lea deu risada quando disse aquilo e de repente ela parou de rir.
- você está falando sério?
- estou.
- pensei que fosse só mais uma de suas piadas sem graça.
- não é piada.
- o que o médico disse? – perguntou Lea preocupada.
- disse que a memória pode voltar, mas é improvável. Ele acha que eu
devo fazer terapia e que pode ajudar.
- meu deus Max, isso é sério.
- sim, mas fora isso estou bem.
- eu vou ligar para meu pai agora.
- não – falei impedindo que ela pegasse o celular.
- Ele vai querer saber o que aconteceu.
- não posso. Kevin me contou o que aconteceu.
- OK – falou Lea rindo sarcástica – quer dizer então que seu “noivo” já
poluiu sua cabeça? O que ele disse?
- o suficiente.
- Kevin não é a melhor pessoa para você estar. Ele não vai te ajudar a
se lembrar.
- claro que vai. Ele me conhece como ninguém.
- Ele não conhece o verdadeiro Max. O verdadeiro Max desapareceu muito
antes do acidente – falou Lea parecendo triste.
- do que está falando?
- olha… - falou ela respirando fundo e fazendo uma pausa – tudo bem. Eu
não vou contar nada para o pai e nem a mãe, mas me prometa que não vai
acreditar em tudo oque Kevin te disser.
- porque não deveria? Afinal ele é meu noivo.
- não posso te dar todas as respostas. Perder a memória talvez não tenha
sido algo tão ruim. Você terá a chance de se ver pelo lado de fora.
- e se eu não gostar do que eu ver?
- você tem a chance de ser melhor, não desperdice – falou Lea segurando
minha mão em cima da mesa.
Depois de terminamos de tomar os nossos sucos me
despedi de Lea. Ela me prometeu que não contaria nada para nosso pai e nem para
nossa mãe. Precisava descobrir por mim mesmo as respostas que procurava. Precisava
me ajudar sozinho, mas o problema é que estava preso em um dilema. Tinha esquecido
quem eu era, mas agora não tenho certeza se quero voltar a ser que meu sempre
fui. O que eu fiz na ‘outra vida’ que fez todas as pessoas se afastarem de mim?
Porque Kevin não era uma pessoa confiável? Quanto mais eu procurava por
respostas mais perguntas apareciam.
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