capítulo vinte e três
SERINGAS DO INFERNO
A
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espera era infernal. A lista era imensa e
mesmo assim eu não podia perder as esperanças. Não é possível que depois de
tudo o que eu passei eu vou morrer na fila de espera esperando por um
transplante. Estava a duas semanas naquela droga de hospital esperando a morte.
Literalmente. Seis horas do meu dia eu passava sentado junto de outras pessoas
fazendo diálise. Se eu não fosse as sessões de diálise eu teria insuficiência
renal e com isso meus órgãos iriam parar e eu teria uma falência múltipla de
órgãos. O que isso significa? Adeus Max.
Estava a quatro dias nessa maldita lista e já estava puto com isso. As
vezes dava vontade de desistir, mas eu não podia. A minha vontade de viver era
maior do que qualquer dificuldade. Pior do que morrer seria morrer sem te
tentado. Preciso ter a esperança de que vinte e duas mil pessoas receberão um
rim antes de mim. Claro que eu tenho outra opção: familiares. Como a vida não é
justa eu fiquei sabendo que sou adotado. Isso limita minhas opções. A menos que
eu consiga doadores eu estou fudido.
Quando você descobre que é adotado geralmente é um choque. Não pra mim.
Choque pra mim é saber que tem vinte e duas mil pessoas na lista de espera por
um rim e ninguém faz nada. Eu não me lembro direito como foi minha criação
então não tenho muito o que perguntar. Desde o acidente eu sinto como se tivesse
sido adotado. Não lembro da minha família.
Isso explica muita coisa. Talvez fosse por isso que minha mãe achasse
que eu não merecia o dinheiro afinal ela não deve me considerar um filho de
verdade. Não tanto quanto Lea. Será que eu sabia disso antes do acidente? É o
que tenho me perguntado desse então. Será que Lea sabe que sou adotado?
- você está bem? – perguntou Tio teddy sentado ao meu lado.
- quanto tempo falta.
- dez minutos – falou ele olhando no relógio.
- eu não acredito que tenho que fazer isso seis horas por dia. Eu tenho
dormido umas doze horas por noite então isso significa que são seis horas
livres do meu dia para fazer o que quiser, mas eu não posso sair do hospital.
- você precisa ter esperança.
- Graças a Deus você apareceu. Se não fosse você eu estaria nessa
sozinho. Minha mãe não liga pra mim a Lea não apareceu. Todo dia ela arranja
uma desculpa diferente para não vir.
- vai dar tudo certo.
- O senhor já disse isso tantas vezes que eu nem acredito mais – falei
vendo a enfermeira vir até mim. Ela retirou os tubos e as agulhas e meio tio
Teddy agradeceu a enfermeira. Estava na cadeira de rodas então tudo o que meu
tio fez foi me empurrar para me levar de volta ao meu quarto – meu tio parecia
triste desde que o exame dele tinha voltado negativo.
- eu não te culpo – falei para meu tio.
- o que?
- você não é compatível comigo e eu não te culpo.
- Eu sei, eu estou com raiva de mim mesmo por não poder te doar um rim –
falou ele respirando fundo enquanto nos aproximávamos do elevador – e aquelas
pessoas com que você estava morando?
- eu não posso obrigar ninguém a ser testado. Não posso obrigar ninguém
a doar um rim. Eles não quiseram e Ellen já tem um problema relacionado aos
rins. Ela não pode doar nem se quisesse.
Nós chegamos ao elevador e meu tio apertou o botão.
- o senhor tem noticias do Ralf? – perguntei curioso.
- não. O pessoal no hospital não dá noticias para terceiros. Só para
familiares.
- droga.
Quando a porta do elevador se abriu eu tive uma agradável surpresa. Dr.
Bryan saiu de lá de dentro.
- Dr. Bryan? O que está fazendo aqui?
- oi Max – falou ele se aproximando.
- o senhor veio me ver?
- sim – falou ele com um sorriso – eu recebi uma ligação de Ellen
Falconer e ela me disse o que tinha acontecido – falou ele apertando minha mão.
- é bom ver você – falei nervoso – esse daqui é meu tio Teddy.
- eu conheço ele – falou Dr. Bryan. Quando nós entramos no elevador se
seguiu até o segundo andar.
- nós nos conhecemos – falou Teddy – na verdade eu conheço Bryan a mais
tempo do que seu pai. Bryan foi meu padrinho nos Alcóolicos Anônimos.
- você sabia que meu pai tinha um irmão gêmeo? Porque não em contou?
- não cabe a mim contar as coisas para você. Eu sou seu psicólogo.
- onde está Rupert? Voltou para Los Angeles?
- na verdade ele veio ver um paciente – falou Bryan – aproveitei para
vir te ver – falou Bryan quando nós saímos do elevador.
- que paciente?
No momento em que perguntai qual paciente nós chegamos ao meu quarto e
eu obtive minha resposta. Me assustei ao ver Ralf, Ellen, Randy e Rupert. Os
quatro estavam de pé dentro do quarto me esperando. Randy e Ellen estavam
sentados e Ralf parecia nervoso e ansioso.
- Ralf? – falei me levantando de uma vez. Esqueci que estava fraco e
Ralf veio até mim e conseguiu me pegar quando eu cai para frente.
- cuidado – falou ele me colocando sentado de volta.
- você está bem?
- estou – falou Ralf e pé a minha frente.
- Rupert?
- eu liguei para ele – falou Ellen – você me disse que Ralf precisava de
ajuda então eu mexi nas suas coisas até que encontrei o número do seu psicólogo.
Contei o que tinha acontecido e pedi que ele viesse conversar com Ralf.
- é verdade – falou Rupert – eu tenho vindo aqui desde o incidente. Ralf
e eu estamos tendo algumas conversas interessantes.
- não só Ralf – falou Randy.
- sim. A família toda – falou Rupert – as vezes a família precisa de
terapia quando algo assim acontece.
- eu fiquei me perguntando o porque de Ralf estar no seu quarto, no seu
banheiro aquele dia – falou Randy. Sei que eu sempre disse que não me importava
com essa coisa de gay, mas quando aconteceu na minha família foi diferente. Eu
não quis acreditar. Foi eu quem disse pra Kyara marcar logo a data do
casamento. Eu me sinto culpado. Quando Ralf tentou se matar tudo o que eu
pensava era: Não me importo com que mele fique ou com quem ele fique se pegando
nas escadas. Desde que ele esteja vivo e feliz.
Ouvir aquelas palavras me tocou um pouco. Não queria ficar emotivo então
eu simplesmente respirei fundo e tentei me controlar.
- você está bem Ralf? – perguntei segurando a mão dele.
- estou. Você estava certo. É bom desabafar com alguém – falou Ralf
forçando um sorriso eu percebi que ele estava se esforçando.
- desculpa por dizer aquelas coisas…
- que coisas? – perguntou Ralf.
- você não se lembra? Antes de entrar no banheiro eu disse que você
precisava de ajuda e você não gostou.
- nem me lembro mais disso – falou Ralf me abraçando. Eu o abracei e
deitei minha cabeça em sua barriga. Era bom sentir ele junto de mim. Ele estava
quente e acariciou meus cabelos enquanto eu o abraçava. Afundei minha cabeça em
sua camiseta tentando evitar que eles vissem minhas lágrimas – eu é que tenho
que pedir perdão pela forma que eu te tratei – falou Ralf me apertando contra
ele. Ele se agachou e ficou á minha altura. Olhei em seus olhos e vi que o
brilho estava lá. O processo de cura era demorado, mas ele estava lá. O brilho
estava lá.
- uma pena que eu vou morrer.
- não diz isso – falou Ralf aproximando o rosto do meu e dando um
selinho na minha boca – é tão bom poder te beijar em publico – falou ele
tocando novamente seus lábios no meu e eu apertei sua nuca mantendo sua boca or
mais tempo.
- eu preciso confessar que eu não acreditei na sua promessa. Eu não
achei que você fosse terminar seu namoro com Kyara. Achei que você fosse se
casar.
- tá de brincadeira? Quando eu gosto de alguém eu faço questão de que
todos saibam. A vida é muito curta para agir de outra forma. Admito que não era
bem assim que eu queria fazer, mas aconteceu. O fato de eu ter tentado o
suicídio não tem nada a ver com você. Não tinha nada a ver com eu ser gay. Era
comigo mesmo.
- ele não seria o primeiro soldado a voltar da guerra a tentar o
suicídio – falou Rupert – Infelizmente ele também não será o último.
- fico feliz que você esteja vivo. Quero passar cada segundo do que
resta da minha vida com você.
- não seja pessimista Max – falou tio Teddy.
- eu vou morrer. A menos que algum de vocês esteja disposto a me doar um
rim – falei olhando para todos no quarto.
- todos nós fizemos o exame – falou Randy – nenhum de nós é compatível.
- merda – falei olhando para Ralf – você também?
- sim. Eu não sou compatível –falou Ralf acariciando minha bochecha com
seu dedão – isso me dói muito. Eu queria ser seu herói outra vez.
- você sempre será – falei sentindo a respiração de Ralf no meu nariz.
Nós tocamos nossos lábios outra vez.
Tio Teddy me levou até a cama e ele e Ralf me ajudaram a se deitar
novamente.
- eu não entendo – falei com raiva – um bocado de gente fez o exame, mas
ninguém é compatível.
- seu tipo de sangue é o ‘O negativo’ – falou Dr. Bryan pegando o meu
prontuário – apenas 7% da população é ‘O negativo’.
- pensei que o ‘O negativo’ pudesse doar para todos – falou Ellen.
- sim. Mas uma pessoa com o sangue ‘O negativo’ só recebe sangue do tipo
‘O negativo’. É ai que está o problema. Você precisa encontrar alguém que tenha
‘O negativo’.
- eu estou ferrado – falei com raiva – não aguento mais fazer diálise. É
um inferno.
- é um inferno que vamos passar juntos – falou Ralf segurando minha mão.
- você já esteve no inferno uma vez. Não posso pedir que faça isso de
novo.
- não preciso da sua permissão. Eu sou um soldado e você é um civil. Não
recebo ordens de civis.
- muito engraçado – falei puxando a mão de Ralf e dando um beijo. Era
bom tê-lo por perto.
- quer saber? – falou Ralf- eu tenho um monte amigos em Los Angeles. Vou
pedir para eles fazerem os testes. Eles podem fazer em qualquer hospital.
- eu também vou pedir para alguns amigos – falou Randy – tenho vários
amigos que podem fazer o teste.
- eu também vou falar com alguns amigos soldados – falou Ralf – nós não
vamos desistir sem lutar.
- nós? – perguntei olhando para Ralf.
- a partir de hoje somos nós.
- seria mal eu perguntar como Kyara está lidando com isso tudo?
- ela está mal – falou Ellen – na verdade ela ainda está conosco. Ela
não tem para onde ir e no fim nos a consideramos uma filha.
- na minha opinião vocês deviam colocar ela na rua – falou Ralf.
- não diga isso Ralf – falou Randy.
- foi ela quem colocou aquele veneno para o Max. Eu não tenho sombra de duvida.
Kyara vai direto no Starbucks. Com certeza foi ela.
- Ela não seria capaz disso – falou Ellen – Kyara disse que não sabe
como aquele copo foi parar lá e a policia disse que não havia DNA e não ser o
de Max.
- como não temos provas e Kyara disse que não foi ela eu decidi que ela
continuará morando conosco – falou Randy – ela não tem família. Apenas uma mãe
doente. Ela está passando pro um momento difícil foram nove anos da vida dela
com você Ralf. Tenha um pouco de compaixão.
- tudo bem pai – falou Ralf olhando para mim – sendo assim eu não vou voltar para casa –
falou Ralf – eu vou arranjar um lugar só para mim.
- tem certeza? – perguntou Ellen.
- tenho. Morar na mesma casa que Kyara seria desconcertante.
- sem falar que eu teria ciúmes – falei olhando para Ralf – depois que
eu morrer você pode voltar pra casa e morar com ela.
- para e dizer isso. Eu não salvei você no aeroporto para que morresse.
Pode tratar de ficar vivo porque você é o verdadeiro herói. Você me salvou no
momento em que disse que me amava – falou Ralf apertando minha mão forte. Ele
levou até o rosto e deu um beijo e esfregou a barba. Ele sabia que me fazia
cócegas.
- desculpa! – falou a médica entrando de uma vez no quarto – sinto
muito, depois eu volto.
- pode entrar doutora.
- acho melhor voltar outra hora – falou ela com a expressão de que tinha
péssimas noticias.
- nesse caso eu vou ter que pedir que todos nos deem privacidade – falou
ela com alguns exames na mão.
- não precisa. Eles podem ficar.
- OK – falou a médica fechando a porta e vindo até mim – eu estou com os
resultados dos seus últimos exames.
- e o que eles dizem?
- que você está piorando. Seu rim trabalhava a 10% e os últimos mostram
que agora ele só está filtrando 8% do seu sangue.
- o que isso quer dizer? – perguntou Ralf.
- que ele não tem muito tempo.
- ele não subiu na lista de transplante? – perguntou Rupert.
- sim, mas ainda tem milhares de pessoas na frente dele. Os resultados
indicam que Max não tem esse tempo.
- então é isso – falei olhando para Ralf – eu vou morrer – falei
fechando os olhos. Eu tinha tanto porque viver. Logo agora que Ralf era meu.
Ralf apertou minha mão e se deitou na cama comigo. Ele puxou minha cabeça e eu
a deitei em seu peito. Eu estava tão fraco. Era gostoso sentir ele perto de
mim. Comecei a chorar e não percebi que todos saíram do quarto e nos deixaram a
nós. Por horas foi tudo o que fiz. Ralf deitado comigo na cama enquanto eu
chorava em seu peito. Não é justo. A vida não é justa comigo.
Cochilei um pouco junto á Ralf e quando acordei eu peguei ele dormindo
ao meu lado. Olhei para o relógio na parede e vi que era pouco mais das cinco
horas da tarde. Minhas costas doíam um pouco da posição então me movi
lentamente e infelizmente foi o suficiente para acordar Ralf. Ele abriu os
olhos assustado e olhou para mim.
- você está bem? – perguntou Ralf bocejando.
- estou sim – falei ainda me sentindo fraco. A médica estava certa. A
cada minuto que passava eu me sentia pior – vejo que você também este melhor.
Já está até dormindo.
- Quando eu acordei aqui no hospital a primeira coisa que eu pensei foi
“Graças a Deus estou vivo”.
- sim. Por você. Eu estava com raiva de você na hora e não pensei, mas
quando acordei tudo o que eu conseguia pensar era no que você sentiria se eu
tivesse conseguido me matar.
- que bom que você não morreu. Eu preciso de você. Eu não vou durar
muito e ter você aquo comigo é como um sonho se realizando.
- você não está morrendo.
- sejamos realistas Ralf. Por mais que as pessoas façam o teste para
saberem se são compatíveis elas não são obrigadas a doar. O resultado é dado
por um psicólogo que quer deixar claro que a doação não é obrigatória. Tenho
certeza de que muita gente vai desistir.
- mas você precisa ser otimista.
- Não é questão de não ser otimista. É não criar falsas esperanças. Me
dói pensar que vou te deixar. Toda vez que alguém diz que vai ficar tudo bem eu
crio um lampejo de esperança e a chama é apagada com um balde com um balde de
realidade. Toda vez.
- OK – falou Ralf.
- Toc toc – falou uma voz conhecia abrindo a porta.
- Lea?
- sou eu – falou ela na porta do quarto – posso entrar?
- claro que pode.
Quando Lea entrou e fechou aa porta ela viu o estado em que eu estava e
ela não conseguiu se conter. Ela levou as mãos até o rosto e começou a chorar.
Havia fios e tubos enfiados em mim em todos os lugares.
- para com isso Lea.
- o que aconteceu com você? – perguntou Lea se aproximando e segurando
minha mão.
- vou deixar vocês sozinhos – falou Ralf se levantando.
- não. fica aqui;
- OK – falou Ralf se sentando na poltrona ao lado da minha cama.
- como você ficou sabendo sobre mim?
- tio Teddy – falou Lea – ele contou para mim e para minha mãe.
- e como sempre a minha mãe guarda tanto rancor que não tem coragem de
vir.
- Você conhece a mamãe. Ela tem essa faixada moralista, mas a verdade é
que ela perdeu o marido. Ela não vai aguentar perder um filho.
- pois é. Esse é o fim da estrada pra mim – falei ainda segurando a mão
de Lea – você sabia?
- o que?
- que eu sou adotado?
- sabia – falou ela limpando as lágrimas tentando não chorar. Ver ela
chorando me deixava mais triste.
- eu sabia? Antes do acidente?
- sim. Você sabia.
- porque meu pai não em contou? Porque você não em contou?
- meu pai não deixou.
- porque?
- porque foi essa revelação que fez você se revoltar. Foi a última gota.
- do que está falando?
- tudo o que você fez. Desafiar nosso pai, enviar as filmagens, se
relacionar com Kevin. Tudo começou depois que meu pai contou que você era
adotado. Ele achou que devido a idade você ia saber lídar com a situação, mas
foi o contrário. Você se revoltou. Ficou chateado por ele ter contado antes. Eu
também soube na mesma época que você. Então você parou de considerar ele um pai
e fez o que fez. Você ficou obcecado em descobrir o seu passado. Depois do
acidente nosso pai viu uma chance de redenção. Nosso pai tinha medo que se você
soubesse você iria surtar outra vez. Por isso ele não contou.
- então é verdade o que tio Teddy disse?
- sobre o que?
- sobre vocês não gostarem dele. Sobre o vício e tudo mais.
- sim. Assim como você tio Teddy tomou algumas decisões erradas e o
vício dele nos magoou. Só que você sabe. Sangue é sangue. Nosso pai sempre
manteve contato e continuou a mandar dinheiro pra tio Teddy manter o vicio.
- olha eu não quero briga. Pelo menos enquanto eu estiver vivo.
- eu vou fazer o teste. Mamãe também fará.
- não adianta. Eu perdi as esperanças.
- não perca – falou Lea – lute até o amargo fim. Pelo menos você saberá
que fez de tudo – falou ela deitando a cabeça em meu peito e eu a abracei.
Lea ficou por um bom tempo antes de ir embora. Meu celular ficou na casa
de Ralf então eu pedi um grande favor a ela. Pedi que ela fosse até a casa de
Ursula e contasse tudo oque tinha
acontecido. Eu queria ver Ursula uma ultima vez.
O restante da noite se arrastou lentamente. Na hora do jantar eu não
consegui comer. Não tinha apetite. No fim das contas foi o contrário. Eu
vomitei tudo o que tinha que vomitar. Acho que até Ralf perdeu o apetite porque
tudo oque ele fez foi limpar o meu
vômito e me abraçar. Durante toda a noite Ralf ficou comigo. Ele não era muito
de conversar. Percebi que essa era parte da personalidade dele.
Consegui dormir durante a madrugada. Era pouco mais das três e meia da
manhã quando o sono finalmente chegou. O corpo quente de Ralf me ajudou a
dormir. Sabia que não precisava em preocupar com ele ali comigo. Estaria seguro
e ele não deixaria nada acontecer comigo até de manha. Ele faria eu me sentir
seguro da mesma forma que ele me fez sentir no aeroporto e na minha cama.
Sentia como se nada fosse capaz de me ferir.
Quando a manhã chegou foi meio decepcionante. Acordei pouco antes das
oito e tomei um banho. Ralf ajudou as enfermeiras a me dar banho. O que era
patético. Eu me sentia como um incapaz. Aquilo me destruía por dentro. Ás nove
fui para a diálise e dessa vez foi Ralf quem me acompanhou. Enquanto aquela
máquina fazia o trabalho que meu rim não conseguia eu cochilei um pouco. A
noite passada tinha sido mais difícil do que imaginei. Eu sinceramente esperei
a visita de Ursula, mas não aconteceu.
- estou morrendo de fome – falei olhando para Ralf enquanto saíamos da
diálise por volta dás três e meia da tarde.
- eu posso pedir as enfermeiras que tragam algo para você comer.
- eu não sei. Vai ser como ontem. Eu come algumas garfadas e então eu jogo
tudo pra fora. Não quero passar por isso de novo.
Quando chegamos ao quarto eu esperei o horário de visita da tarde. De
manhã ninguém veio então creio eu que terei bastante visitas á tarde. Ralf me
colocou deitado na cama e ficou me olhando á distância.
- o que foi?
- dói tanto te ver desse jeito – falou Ralf colocando a mão no rosto
começando a chorar. Eu acho que ele estava chorando. Tudo o que via eram seus
olhos vermelhos e algumas lágrimas escorrendo.
- não fica assim – falei esticando os braços e Ralf veio até mim e se
inclinou deitando a cabeça em meu peito. Levei minhas mãos até seus cabelos e o
mantive junto a mim – sou eu quem deveria estar chorando.
- eu só queria fazer mais do que ficar aqui te vendo piorar.
- sabe… em meio a todo esse inferno que foi minha vida nesses últimos
meses o que mais me dói é saber que você vai seguir em frente… provavelmente
vai conhecer algum cara legal e vai se casar com ele. Pensei que eu seria esse
cara. Me casar com meu herói. É o sonho de qualquer um.
Ralf não disse nada e continuou deitado. Acho que ele não queria que eu
visse a tristeza em seu olhar. Não me importo. Desde que ele esteja aqui comigo
eu não me importo. O horário de visitas da tarde era das quatro ás seis e
quando o relógio marcou quatro e meia eu realmente fiquei preocupado. Será que
ninguém viria.
- com licença – falou Ursula quando abrindo a porta.
- finalmente – falei vendo Ursula entrar.
- posso entrar?
- claro que pode.
- você está sozinho?
- sim. Ralf saiu para fumar. Ele precisa ficar um tempo longe de mim.
Acho que eu estou deixando ele doente com a minha tristeza patética.
- como você está?
- bem mal – falei rindo e pegando a mão de Ursula – você recebeu meu
recado?
- sim. Lea foi ontem até minha casa.
- porque você não veio de manhã.
- porque eu precisava fazer algo. Quando Lea me contou que você estava
na fila para o transplante de rins eu não podia ficar sem fazer nada.
- o que você fez?
- eu conversei com todo mundo. Jeremy, Julie, Laila todo mundo que
conheço.
- Quantos fizeram o teste
- todos – falou Ursula apertando os lábios.
- ótimo. É bom descartar todo mundo de uma vez.
- você é tão pessimista – falou Ursula.
- Se aparecer alguém compatível eu mudo meu humor.
- eu sou – falou Ursula.
- o destino é cruel – falei respirando fundo.
- então você sabe? – perguntou Ursula.
- sim. Nenhum cirurgião irá remover o rim de uma grávida.
- desculpa.
- é irônico sabe a única pessoa que é compatível comigo aparece e ela
simplesmente não podem e doar.
- eu sei que é chato.
- não estou colocando a culpa em você. Só estou falando da boca pra
fora.
- eu não fui a única pessoa compatível.
- então teve mais alguém?
- sim – falou ela com um sorriso.
- quem?
Ursula não respondeu porque Ralf entrou no quarto na mesma hora.
- oi Ursula – falou Ralf fechando a porta.
- você demorou – falei animado para dará noticia á Ralf.
- desculpa – falou ele se aproximando e dando um beijo na minha boca. Um
selinho – prometo não demorar da próxima vez – falei ele me dando outro
selinho. Ele se manteve ao meu lado segurando minha mão.
- Não tem problema. Ursula está me dando uma boa e uma má noticia.
- o que foi? – preguntou ele
curioso.
- a má noticia é que eu sou compatível com Max, mas eu estou grávida
então eu não posso doar.
- e a boa noticia?
- Eu não sou a única pessoa compatível.
- é sério? – perguntou Ralf apertando minha mão – mais alguém é
compatível?
- sim – falou Ursie – a médica estará trazendo-o em breve.
- boa tarde – falou a médica entrando.
- olá doutora – falei animado.
- vejo que você já recebeu ás boas noticias – falou a médico não
parecendo muito animada.
- não consegui me conter – falou Ursula – eu tive que contar.
- bem… é muito bom saber que você conseguiu um doador compatível, mas eu
temo que infelizmente existe um pequeno problema. Pode vir a ser um problema.
- eu sabia – falei puto – Acho que meu pai me odiava e está me fudendo
lá do alto.
- oque foi doutora? – perguntou
Ralf. Ursula parecia surpresa. Ela com certeza não sabia do que se tratava.
- o doador insistiu em vir aqui dizer o porque pode ser um problema para
o Max receber seu rim.
A porta se abriu e eu fiquei surpreso ao ver Kevin passar pela porta.
Ele parecia sem graça. Ele tentava manter um sorriso no rosto, mas ele não
conseguia disfarçar muito bem.
- você? – falei surpreso.
- eu – falou Kevin com as mãos no bolso.
- você quer doar seu rim para mim?
- claro. Não vejo motivos para recusar. Eu fiz algo imperdoável com você
enquanto tínhamos um relacionamento e sinto que é a coisa certa a se fazer.
- eu não sei como agradecer – falei respirando fundo.
- só tem um problema Max.
- qual?
- eu sou HIV positivo.
- você… você tem HIV? Quer dizer que…
- Não. não se preocupe – falou Kevin – fui infectado a menos de uma
semana.
- ele está certo. Você não deve se preocupar – falou a médica – eu fiz
um hemograma completo e você não está infectado com nenhuma DST ou nenhuma
outra doença.
- Sinto muito por não ser o doador perfeito - falou Kevin – eu sinto que
devo explicar como peguei. Não quero que fiquei pensando que foi sexo
desprotegido.
- não precisa me contar.
- preciso – falou Kevin respirando fundo – como você mesmo sabe a Ava
perdeu os dois olhos devido aos ladrões de órgãos e ela tem tido algumas
dificuldades para adaptar. Semana passada eu tentei animá-la e leva-la para ir
ao cinema. Ela insistiu em ir. Ela disse que mesmo que não conseguisse ver ela
podia ouvir. Nós chegamos ao cinema, compramos os bilhetes e nós entramos.
Quando nós nos sentamos nas cadeiras eu senti uma picada na nuca. Quando eu me
levantei eu vi que havia uma seringa enfiada na cadeira do cinema.
- nossa, mas como essa seringa foi parar lá?
- alguém a colocou de propósito. Quando eu arranquei a seringa da
cadeira estava escrito “Seringa do Inferno” com um marcador vermelho. Quando eu
fiz os exames deu reagente positivo para HIV.
- está dizendo que alguém colocou uma seringa infectada de propósito
para infetar alguém?
- sim – falou Kevin.
- Infelizmente isso é comum. Muitas pessoas que descobrem que são
soropositivas ficam com raiva do diagnóstico e tentam espalhar o vírus. Algumas
pessoas escondem sua condição e praticam sexo desprotegido. Só não imagine que
alguém chegasse ao ponto de deixar uma seringa infectada em um cinema – falou a
médica.
- me desculpe – falou Kevin.
- eu não entendo. Porque Kevin ser compatível é uma boa noticia sse ele
não pode doar?
- Na verdade uma lei foi aprovada á alguns anos e ela permite que um a
pessoa com HIV possa doar órgãos desde que o receptor esteja ciente de que o
órgão que receberá estará infectado.
- não posso deixar isso acontecer – falou Ursula – eu vou tirar o bebê.
Eu ainda não atingi o terceiro trimestre. Eu posso tirar o bebe e doar um rim.
Depois eu tento engravidar de novo.
- Eu não me perdoaria Ursula. E o casal que aguarda esse bebe? Eu nunca
pediria uma coisa dessas.
- essa é a única chance dele? – perguntou Ralf.
- sim. Temo que se Max não receber um novo rim ele não irá viver mais do
que duas semanas. No máximo.
- o que você acha Ralf?
- não posso tomar essa decisão pro você – falou Ralf.
- claro que pode. Viver e sobreviver são coisas diferentes. Se eu
receber esse rim e tiver você ao meu lado eu estarei vivendo, mas se você se
afastar de mim eu não vou conseguir viver sozinho. Isso não será viver.
- o que você está me perguntando?
- a pergunta é: você vai me amar da mesma forma mesmo que eu tenha HIV?
Se você não for capaz me diga.
- mas é claro – falou Ralf acariciando minha mão – da mesma forma. De
nenhuma maneira eu vou te deixar. Então é com você. Você decide. O que você
escolher eu vou te apoiar.
Olhei para Kevin e depois olhei para Ursula. Eu esperava que algum deles
me desse a resposta, mas esse é o tipo de situação que eu tenho que decidir
sozinho. Sou eu que vou viver com HIV. O que eu devo escolher? Viver duas
semanas de sofrimento ou receber o rim de Kevin e viver com o vírus pelo resto
da vida?
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