HIV
|
capítulo vinte e quatro
MONSTRO DO ARMARIO
. Não
tinha escolha. Era viver ou morrer e sinceramente eu prefiro viver com o HIV do
que morrer. Ter HIV não significa ter AIDS. No mundo de hoje ainda existe esse
preconceito. Eu posso viver com o vírus por anos e estar sempre acompanhando
com o médico. E com o PEP sexual Ralf pode diminuir bastante as chances dele
também pegar o vírus. No fim das contas eu não queria admitir, mas sentia muita
falta de minha mãe. Sabe quando você está passando por um momento difícil em
sua vida, está triste, parece que o mundo conspira contra você, mas você tem
aquela pessoa com quem você pode contar? Minha mãe com certeza não é essa
pessoa, mas ela é da família. Não entendo porque ela tinha mudado tanto comigo.
Minha cirurgia estava marcada para ás nove horas da manhã do dia
seguinte e eu estava ansioso e nervoso. Existia um grande risco de não dar
certo e eu acabar morrendo na mesa de cirurgia Eu assinei todos os papéis
necessários e a médica me explicou os riscos. No fim eu assinei a Ordem de Não
Ressuscitar. Isso significa que se eu tiver uma parada cardíaca durante a
cirurgia ou durante a recuperação eles não podem me ressuscitar. Eu cansei. A
vida tem me enviado mensagens a um bom tempo e era hora de escutar. As vezes é
hora de desistir.
- quando você sair do hospital nós vamos arranjar um lugar só nosso.
Assim que você estiver cem por cento eu vou arranjar um emprego e você vai
arranjar um emprego e nós vamos ter uma vida patética e sem graça. Sem
acidentes, roubo de órgãos e sem venenos – falou Ralf tentando me animar. O
relógio marcava pouco mais das onze da noite.
- uma vida patética parece ótima – falei rindo sem graça. Não tinha
muita esperança de que eu fosse sobreviver.
- você não quer morar comigo? – perguntou Ralf.
- quero, quero é que… você fica fazendo planos e eu não estou muito
seguro de que teremos um futuro para planejar.
- eu já disse para você parar de ser pessimista.
- não posso evitar. Não sinto muito animo para ser otimista. Não tenho
forças pra quase nada a não ser ficar aqui nessa cama deitado. Eu já estou com
ódio desse hospital.
- eu acho muito legal seu ex namorado te doar um rim – falou Ralf.
- não fique muito animado não. Ele só está fazendo isso porque se sente culpado.
Ele fez algumas coisas horríveis comigo, mas eu tenho uma parcela de culpa. Eu
fiz as mesmas coisas antes de perder a memória.
Ralf apagou a luz do quarto e agora tudo o que iluminava era a luz da
TV. Ele não tinha permissão para dormir na cama como o paciente, mas Ralf não
ligava. Ele se deitava e me puxava para junto dele. o calor do seu corpo me
ajudava a dormir.
- pois é – falei respirando fundo – o que eu mais vou sentir falta é dos
seus beijos. Eu nunca acreditei que pudesse amar alguém e não sabia o que era
amor até você me beijar.
- eu também – falou Ralf – seus beijos são macios – falou ele com um
meio sorriso tímido – Mas não se anime. Você vai ter Ralf á balde quando sair
desse hospital.
- vou sentir sua falta quando me for.
- Você não vai a lugar nenhum. Seja lá onde você for eu vou com você –
falou Ralf dando um beijo no canto do meu nariz. Sua barba me fazia cócegas
todas as vezes.
- queria ver minha mãe antes da cirurgia. Caso eu acorde – falei
tremendo os lábios. Meu coração apertou porque me lembrei de algo.
- o que foi? – perguntou Ralf preocupado.
- é que me lembrei de uma coisa… - falei tentando não desmoronar.
- o que foi?
- meu pai estaria completando cinquenta anos essa semana.
- sinto muito – falou Ralf se aproximando de mim e me puxando. Ele se
aconchegou mais em mim e me fez deitar a cabeça em seu ombro. Fechei os olhos
tentando me acalmar, mas a casa segundo eu me aconchegava mais a ele. Senti um
cansaço enorme e comecei a cochilar aconchegado em seus braços.
Vendo que eu começava a cochilar Ralf desligou a TV e então deslizou
pela cama, ajeitou um travesseiro e se ele conseguiu se deitar por completo. Ainda
meio acordado eu rastejei pela cama e deitei minha cabeça em seu peito. Ralf me
puxou para junto dele e fez carinho em mim tentando me fazer dormir. Repousei minha mão em seu peito coberto pela
camisa e de olhos fechados eu me senti tranquilo por estar deitado em seus
braços. Ralf colocou a mão direita em cima da minha e começou a acariciar com o
dedão. Sentia que podia morrer bem ali. Não precisava de mais nada. Só de saber
que eu consegui tocar o coração de Ralf e mudei a vida dele eu sentia como se
meu plano existencial estivesse completo.
- eu te amo – falou Ralf quase cochichando, sua voz agora estava mais
rouca e grave – você pode dormir o quanto quiser, sei que está cansado e amanhã
será um grande dia para você. Quando acordar eu ainda vou estar aqui. Sempre
vou estar aqui quando precisar de mim. Me rendi finalmente aos braços de Morfeu
e aos braços do meu querido Ralf.
Estava aconchegado em Ralf, dormindo e então mais uma vez fui perseguido
por Hipnos, o Deus dos sonhos. Estava caminhando sobre as águas até que cheguei
á terra firme. Havia um nevoeiro. Continuei caminhando até que cheguei de
frente a um espelho. Meu reflexo tinha nove anos de idade. O meu eu de nove
anos de idade me chamou para o espelho e eu continuei caminhando. Entrei no
espelho como se fosse uma porta e nós dois se tornaram um só.
Estava dentro do quarto dos meus pais. Havia uma caixa aberta em cima da
cama e eu tinha a sensação de que estava encrencado.
- o que está fazendo? – perguntou minha irmã Lea. Entrando no quarto.
Ela tinha onze.
- estou olhando as fotografias – falei mostrando algumas fotos para Lea
– eu tenho saudades dele.
- mamãe e papai vão te matar se souberem que você está aqui olhando as
fotografias de Charlie – falou Lea recolhendo as fotos. Ela jogou dentro da
caixa e voltou a guardar no guarda roupas.
- porque nós não falamos dele? Eu tenho saudades dele.
- Charlie morreu Max – falou Lea segurando minha mão me levando para
fora do quarto – faz um ano e você precisa esquecê-lo.
- era ele que estava enterrado no quintal? – perguntei confuso.
Lea se virou para mim e deu um tapa na minha cara.
- eu já disse para não falar sobre isso – falou ela irritada.
Coloquei a mão no rosto e senti vontade de chorar. Lea se abaixou
ficando na minha altura e segurou em meus ombros. Ela disse algo, mas eu já não
conseguia mais ouvir. Seus lábios se moviam, mas não saiam palavras. Quando
percebi senti um calafrio percorrer meu corpo e uma luz atrapalhando minha
visão.
- hora de acordar – falou a enfermeira.
Todos os dias ela me acordava ás oito para me dar remédios e para que eu
tomasse o meu primeiro banho do dia, mas hoje foi diferente. O relógio marcava
sete da manhã. Acho que é devido a cirurgia.
Como sempre eu deu uma bronca em Ralf por estar dormindo na cama comigo
e como sempre Ralf não ligou. Depois do banho eu achei que fosse comer algo.
Estava com um pouco de fome. Foi então que me lembrei que faria a cirurgia e
não podia comer nada. Era uma droga.
- não posso comer nada? – perguntei a enfermeira.
- sua cirurgia é daqui a uma hora. Depois da cirurgia você vai poder
comer o que quiser – falou a enfermeira – e nada de dar comida pra ele – falou
ela para Ralf.
- tudo bem – falou ele se sentando na poltrona.
A enfermeira mediu minha temperatura, minha pressão e fez outros exames
para saber como eu estava. Já era parte da minha rotina. Quase todos os dias eu
fazia esses exames, mas acho que dessa vez ela foi mais cautelosa devido a
cirurgia.
- tudo está perfeito – falou ela com um sorriso – a Doutora Columbus
virá daqui a pouco para conversar com você antes da cirurgia.
- tudo bem – falei nervoso – posso te perguntar uma coisa?
- sim – falou ela olhando para mim’.
- o Kevin… o cara que vai em doar o rim ele…
- sim. Ele deu entrada no hospital ontem a noite e também está
aguardando a cirurgia. Está tão nervoso quanto você.
- OK – falei nervoso – se você vê-lo diga que estou agradecendo
pelo o que ele está fazendo. Outra vez.
- eu digo sim – falou ela saindo do quarto.
- você está bem? – perguntou Ralf.
- estou – falei pensativo – é que…
- o que foi?
- eu tenho tido uns sonhos esquisitos. Não sei se são sonhos ou
lembranças… não sei o que é real e o que é falso e sempre que acordo eu não me
lembro de tudo.
- o Dr. Rothlo não pode te ajudar com isso?
- sim. Acho que Rupert pode ajudar. Com a hipnose.
- assim que você se recuperar você vai poder ver isso – falou Ralf
segurando minha mão.
- bom dia – falou a Dra. Columbus entrando no quarto com um sorriso.
- bom dia doutora – falei ansioso.
- e então? Pronto para a cirurgia?
- mais do que pronto.
- eu também – falou Ralf – estamos prontos.
- meus internos estarão te preparando para a cirurgia e você será levado
para o centro cirúrgico em alguns minutos para…
- doutora eu posso adiar essa cirurgia? – falei interrompendo ela.
- porque você quer adiar? – perguntou ela confusa.
- você não pode adiar – falou Ralf.
- eu não posso ir para a sala de cirurgia sem antes descobrir algumas
coisas. Existe a chance de rejeição e se eu morrer eu preciso descobrir antes
se as coisas que lembro são lembranças ou fantasias.
- você precisa fazer a cirurgia o mais rápido possível – falou a médica.
- não podemos adiar por algumas horas? Por favor. Esse é o último desejo
de alguém muito doente.
- eu posso mudar minha agenda – falou ela pensativa respirando fundo –
quatro horas da tarde. É o máximo que nós podemos esperar. Depois disso você
vai ter que fazer outra diálise e teremos que remarcar sua cirurgia para
amanhã.
- obrigado doutora.
- vou avisar ao doador – falou ela enquanto saia do quarto.
- o que você está fazendo? – perguntou Ralf se levantando – você precisa
da cirurgia.
- eu preciso saber da verdade. Eu tenho tido sonhos com assassinato,
alguém chamado Charlie e eu não posso simplesmente ignorar. E se isso for mais do
que um simples sonho?
- o que você quer que eu faça? O que posso fazer pra te ajudar? – falou
Ralf.
- ligue para o Dr. Rupert e implore para ele vir ao hospital. Eu preciso
de uma sessão de hipnose para saber se isso é real. Talvez ele consiga.
- tudo bem – falou Ralf pegando celular. Ele esperou alguns segundos e
colocou para chamar – não está atendendo – falou Ralf discando novamente.
- continua tentando.
- já tentei três vezes. Ele não atende.
- ligue para o Dr. Bryan.
- tudo bem – falou Ralf saindo do quarto.
Sei que talvez não fosse a coisa certa a se fazer, mas eu precisava
saber que aquilo era um sonho ou era real. Não podia ignorar. Ralf desapareceu
por mais tempo do que eu gostaria. Ele não foi só fazer uma ligação. Ele sumiu
por uns vinte minutos.
Aquela espera me deixava mais ansioso ainda. Quando Ralf voltou pelo
menos ele trouxe o Dr. Bryan consigo.
- finalmente – falei me sentando na cama quando eles chegaram.
- olá – falou Dr. Bryan se aproximando e apertando minha mão – como
está?
- estou ótimo, mas ficarei mais feliz quando o Dr. Rupert aparecer.
- bem… - falou Dr. Bryan pensativo – Ralf me contou que você tem todo
sonhos estranhos e que gostaria de fazer uma sessão de hipnose.
- sim.
- é arriscado adiar a cirurgia por causa disso – falou Dr. Bryan.
- eu sei, mas já está feito.
- infelizmente Dr. Rupert voltou ás pressas para Los Angeles ontem a
noite.
- é sério? Porque? Ele está com algum problema?
- Eu sinceramente não – falou Dr. Bryan.
- então eu adiei a cirurgia em vão?
- não totalmente – falou Dr. Bryan fechando a porta – eu posso estar
realizando a hipnose.
- você poderia?
- sim, mas eu não posso garantir que vai se lembrar de algo.
- não importa. Eu gostaria de tentar – falei voltando a me deitar.
- tudo bem – falou Dr. Bryan.
Dr. Bryan se aproximou de mim e alguém bateu na porta do meu quarto.
Quando Ralf abriu a porta eu vi que era Lea.
- bom dia – falou ela entrando e cumprimentando a todos.
- bm dia – falei deitado na cama.
Ela se aproximou e segurou minha
mão.
- eu vim correndo – falou Lea – eu queria desejar boa sorte antes que
você fosse para a cirurgia.
- na verdade eu adiei a cirurgia.
- porque?
- Foi adiada pra a tarde na verdade. Eu gostaria de ter uma sessão de
hipnose com o Dr. Bryan antes de entrar na faca.
- porque?
- eu tenho tido alguns sonhos com você, nosso pai e alguém chamando
Charlie.
Quando eu disse aquilo Lea arregalou os olhos e em seguida ela
disfarçou- Ok, ok – falou ela ainda segurando minha mão.
- tem algo que você gostaria de me dizer? Sabe algo sobre Charlie? –
perguntei esperando uma resposta positiva. Caso contrário eu teria certeza de
que era um sonho e não uma lembrança.
- não – falou ela soltando minha mão – nunca ouvi falar.
- OK – falei soltando a mão da Lea. Talvez fosse apenas fruto a minha
imaginação mais do que fértil.
- posso ficar aqui? – perguntou Lea.
- claro – falou Dr. Bryan – se Max deixar. Durante a hipnose eu farei
perguntas as quais ele vai responder.
- sim. Eles podem ficar.
- tudo bem – falou Dr. Bryan – feche os olhos.
Fechei os olhos e respirei fundo. As palavras de Dr. Bryan me fizeram
relaxar. Estava muito nervoso com a cirurgião então demorou um pouco mais até
que eu perdi a consciência. Tentei me concentrar no meu sonho assim coo pediu
Dr. Bryan. Tentei me lembrar do que tinha acontecido. Tentei me lembrar dos
detalhes. Tentei lembrar que estava em um quarto e Lea me pegou espiando as
fotos de Charlie.
- Charlie morreu Max – falou Lea segurando minha mão me levando para
fora do quarto – faz um ano e você precisa esquecê-lo.
- era ele que estava enterrado no quintal? – perguntei confuso.
Lea se virou para mim e deu um tapa na minha cara.
- eu já disse para não falar sobre isso – falou ela irritada.
Senti vontade de chorar, mas me contive. O tapa que ela me deu realmente
doeu. Ela estava realmente com raiva. Ela então se abaixou e ficou na minha
altura.
- Charlie morreu Max. Você precisa aceitar – falou ela tentando amenizar
a dor do tapa.
- Eu sei que Charlie morreu, mas porque tio Teddy o enterrou no quintal?
Lea se levantou e segurou no meu braço e me arrastou para dentro do
armário e ligou a luz e novamente se abaixou.
- você se lembra disso? – perguntou Lea curiosa.
- sim. Eu me lembro. Nós estávamos no quintal e o nosso cachorro estava
enterrado, mas não era nosso cachorro. Era Charlie.
- então eu não fiquei louca – falou Lea pensativa – você precisa contar
para o papai.
- porque você não conta?
- eu não posso – falou Lea cabisbaixa.
- porque?
- porque se eu contar o tio Teddy vai me machucar quando vier até meu
quarto a noite – falou Lea tremendo os lábios – ele é carinhoso quando está
feliz – falou Lea sem conseguir olhar nos meus olhos.
- o que vocês estão fazendo ai? – perguntou meu pai abrindo a porta do
armário.
- estamos brincando – falou Lea saindo do armário olhando para mim. o
olhar dela era enigmático. Ela queria que eu contasse que tio Teddy tinha
enterrado Charlie no quintal antes de jogá-lo na piscina.
Eu não tinha certeza se deveria contar. Meu coração batia forte.
- vem aqui garotão – falou meu pai me pegando nos braços – papai te ama,
sabia?
- também te amo papai – falei olhando para Lea no chão. Ela queria que
eu contasse, mas não conseguia.
- o almoço está pronto – falou meu pai para Lea.
Comigo nos braços meu pai desceu ás escadas e me colocou sentado á mesa.
Minha mãe estava sentada na mesa a direita e meu pai se sentou ao lado dela.
Meu pai me colocou no chão e eu me sentei ao lado de tio Teddy. Tio Teddy olhou
para mim com um sorriso e Lea não gostou de ver aquilo. Vi pelo seu olhar que
ela não gostou nada daquilo.
Durante toda a refeição Lea olhou para mim como se estivesse com medo.
Como se estivesse pedindo ajuda, mas eu não tive coragem de contar. Eu não
entendia. E se aquilo fizesse tio Teddy se sentir mal? E se tio Teddy se
encrencasse? Não entendo porque Lea não conta de uma vez. Ela está querendo me
encrencar.
Meu tio Teddy pareceu muito brincalhão o resto do dia. Ele me chamou
para assistir televisão com ele, me comprou sorvete e perguntou como eu estava
indo na escola. Lembro que nessa época tio Teddy morava conosco porque ele
tinha sido demitido da empresa que trabalhava e acabou não podendo pagar o
aluguel Ele morou durante alguns anos. Era o meus pais diziam, mas eu sabia na
época que era porque ele bebia demais.
Durante a noite meu pai me colocou para dormir e em seguida foi até o
quarto da minha irmã fazer o mesmo. Na volta ele sempre ia ao armário do meu
quarto ver se havia algum monstro. Mal sabia eu que o verdadeiro monstro dormia
no quarto ao lado.
Estava deitado na cama já fazia um bom tempo. Eu geralmente dormia
rápido, mas estava preocupado com minha irmã. Ela não falou comigo o dia
inteiro e acho que ela estava me apuros. Ela parecia precisar de ajuda, mas não
dizia nada. De repente ouvi um barulho e abri os olhos. Lá fora começava a
chover. Havia raios e trovões. Era uma tempestade.
- você está bem? – perguntou meu pai abrindo a porta do quarto.
- estou sim – falei me sentando na cama.
Quando meu pai se aproximou um pouco mais eu vi que não era meu pai. Era
meu tio Teddy.
- tem certeza? Não precisa bancar o corajoso.
- eu não tenho medo de chuva tio.
- eu vou ficar aqui com você até a chuva se acalmar – falou tio Teddy
fechando a porta do quarto.
Ouvi um grito em minha cabeça e abri os olhos. Estava deitado na cama do
hospital. Olhei em volta e vi que Dr. Bryan olhava para mim assustado. Me
lembrei que estava em uma sessão de hipnose. Olhei em volta e vi que Ralf
olhava assustado para Lea que estava e joelhos no chão chorando. Ela colocou as
duas mãos no rosto e estava chorando. Percebi que o grito não foi parte da
sessão. Foi real.
- você está bem? – perguntou Ralf se abaixando.
Lea não respondeu nada, mas Ralf á ajudou a levantar e ela se sentou na
poltrona ao lado da minha cama.
- o que aconteceu? – perguntei nervoso.
- eu não sei – falou Dr. Bryan – estávamos indo bem. Você estava se
recusando a responder as perguntas que eu fazia.
- porque ela está chorando? – falei puxando a mão de Lea – o que
aconteceu?
- eu não aguento mais – falou ela limpando os olhos.
- do que está falando Lea?
- nós tínhamos um irmão – falou Lea – um irmão mais novo.
- Charlie?
- sim – falou ela olhando para mim – papai e mamãe o tiveram dois anos
depois de terem te adotado.
- eu não entendo. O que aconteceu com ele?
- Charlie caiu na piscina e se afogou. Ele era autista – falou Lea.
- isso é sério?
- sim. Isso mexeu muito com todos. Especialmente nosso pai.
- porque vocês não me contaram isso? Porque vocês não me contaram nada
quando perdi a memória? O que mais eu não sei? e essas lembranças? Porque eu
fico sonhando que ele estava enterrado no quintal.
- porque a verdade é que ele não caiu na piscina – falou Lea olhando
para mim – tio Teddy o matou – Teddy o jogou na piscina. Charlie não sabia
nadar. Como poderia? – falou Lea limpando os olhos.
- Lea essa é uma acusação muito grave – falei sentindo que talvez ela
estivesse inventando.
- acha que é invenção? você se lembra daquela noite?
- que noite?
- a noite em que teve uma tempestade e tio Teddy foi até seu quarto.
- sim. É exatamente com isso que eu estava sonhando. Não sei exatamente
o que aconteceu.
- Quando tio Teddy veio morar com a gente eu tinha seis anos e você
tinha quatro. Charlie tinha acabado de completar dois anos. Ele estava passando
por uma fase difícil porque tinha problema com bebida, mas esse não era seu
único problema. Gostar de beber não era o pior dos problema do meu tio – falou Lea
parando por um instante tentando não chorar. Ela parecia fria como quando bateu
na minha cara quando era pequeno.
Não sei ao certo quando começou, aliás, eu fiz
questão de esquecer. Acho que na época tinha mais ou menos seis ou sete anos de
idade. Era de manhã quando brincava pela casa, subi no primeiro andar e eu vi
tio Teddy saindo do banheiro. Ele me chamou e perguntou se meu pai estava em
casa. Nem ele e nem nossa mãe estavam em casa. Foi então que ele disse que
estava sentindo uma terrível dor nas costas e pediu que eu fizesse massagem. Você
brincava no quarto quando isso aconteceu. Me senti constrangida de ouvir ele me
pedir aquilo, mas eu o fiz. Depois de algum tempo ele disse que retribuiria o
favor e faria massagem nas minhas costas. Eu disse que não queria e não
precisava, mas ele insistiu. Quando ele alisou por entre as minhas pernas de
maneira rápida eu me levantei e sai correndo. Quando desci as escadas correndo
papai entrou pela porta. Pensei em contar, mas não consegui, as pernas
tremeram, esbarrei em minha timidez, fiquei com medo de que achasse que eu o
tinha provocado. Tive Medo! Esse foi o maior erro que cometi. Não ter contado.
Foi assim que meu inferno começou – falou Lea engasgando – naquela época eu não
sabia bem como o corpo funcionava, mas sabia de onde vinham os bebês. Só não
sabia como acontecia. Não sabia direito como uma mulher engravidava, mas nos
dois anos que se seguiram muitas vezes eu achei que estava grávida só por ele
colocar o dedo no meu ânus.
Meu coração doeu ao ouvir Lea dizer aquelas
palavras. Segurei a mão dela e apertei forte. A medida que Lea ia descrevendo
eu não podia deixar de me sentir enojado, com raiva e com muito ódio de mim
mesmo.
- eu me sentia suja, imunda, nojenta, achava que só
ao olhar para mim as pessoas iriam descobrir o que acontecia. A pior parte
disso não foi o que aconteceu comigo e sim saber que devido ao medo que tive em
contar para alguém ele fez o mesmo com Charlie. Charlie era autista. Quem abusa
de uma criança autista? Que tipo de monstro faz isso? – falou Lea olhando para
baixo. Ela não tinha coragem de olhar para o alto – Charlie e eu sofremos ao
mesmo tempo. Meu tio foi violento com Charlie e o machucou e a única maneira de
esconder os vestígios foi jogando ele dentro da piscina. Ele o matou para que
meu pai e minha mãe não descobrisse o que andava acontecendo. O inferno que eu
vivi por dois anos. O inferno que Charlie vivenciou alguns meses.
- onde eu estava Lea? Eu não sabia disso?
- não – falou Lea respirando fundo – eu fico
pensando no nosso pai. Ocupado demais para qualquer coisa inclusive para se dar
conta que seu próprio irmão era um pervertido e na calada da noite até mesmo
com ele dormindo no quarto ao lado ele me molestava. Em uma das noites
malditas, esse pervertido foi mais além. Ele introduziu…
- eu não quero ouvir – falei voltando à mão de Lea –
chega! Não quero ouvir.
- você acha nojento ouvir? Imagine viver oque eu
vivi por três malditos anos – falou Lea se levantando com raiva de mim. Ela
começou a chorar outra vez.
- me desculpa – falei tentando não desmoronar.
Aquilo era demais. Olhei para Ralf e ele ouvia atento. Ele olhava para o chão
provavelmente horrorizado pelas coisas que Lea contava. Dr. Bryan se aproximou
de Lea e tentou confortá-la.
- pode continuar – falou Dr. Bryan – será bom para
você desabafar.
- pode continuar Lea – falei tentando ser forte. Ela
precisava que eu fosse forte.
- Durante esses três anos, mesmo depois de ter
matado Charlie, não existia diálogo. Ele continuou a me atacar. Ele
simplesmente atacava-me na porta da geladeira, do banheiro ou vendo TV e o mais
cruel era saber que no quarto ao lado minha mãe e meu pai dormiam. Tentei
inúmeras vezes criar coragem para contar para o papai, mas eu tinha certeza de
que ele não ia acreditar. Eu queria ter sido uma criança, uma adolescente e uma
adulta normal, sem precisar ter passado por isso. Todos os dias é uma luta. A
única coisa que me conforta é saber que eu impedi que isso acontecesse á você Max
– falou Lea olhando para mim.
- o que quer dizer?
- É comum abusadores deste tipo fazerem chantagem
emocionais. Tio Teddy pedia que eu guardasse segredo, como prova de meu amor
por ele, pois caso contrário ele afirmava que seria preso. Ele dizia que as pessoas
não entenderiam este amor dele por mim. Segundo ele, este amor que ele dizia
sentir por mim era o maior que ele já tivera.
- isso é nojento – falou Ralf parecendo realmente
incomodado. Ele colocou a mão na boca e percebi que seus olhos estavam vermelhos.
Talvez por estar chorando ou talvez por ter raiva.
- lembra da noite em que houve uma tempestade?
- sim.
- Naquele dia tio Teddy não veio ao meu quarto. Ele
achou que eu estava velha demais. Eu já tinha onze nãos na época – falou ela
respirando fundo – então naquela noite ele foi até o seu quarto. Eu já estava
preparada e anestesiada, mas quando tio Teddy não apareceu eu fiquei curiosa e
perplexa. Levantei-me e abri a porta do meu quarto. Foi quando eu o vi entrar
em seu quarto.
- o que você fez?
- eu gritei. Com todas as forças. Eu simplesmente
gritei. Eu não tinha coragem de falar, mas tinha muito pelo que gritar.
- o que aconteceu? – perguntou Dr. Bryan –
- Eu contei tudo – falou Lea – tudo o que tinha
acontecido comigo. Todas as vezes que ele tocou em mim.
- e o Charlie?
- eu não contei – falou ela – eu não tive coragem.
Eu fico feliz que meu pai tenha morrido sem saber o que realmente aconteceu.
Esse sim seria um grande desgosto. Saber que o filho autista foi abusado e
morto pelo próprio irmão.
- Teddy foi preso? – perguntei.
- sim, mas só alguns anos. Era a primeira ocorrência
e com bom comportamento logo ele conseguiu a condicional.
- isso é horrível. Como ele pode estar solto depois
disso tudo? – ele tem que ser preso pela morte de Charlie.
- não temos evidência – falou Lea – infelizmente ele
vai viver livre pela morte de Charlie e eu sou a culpada. Eu não contei. Talvez
se tivesse contado na época eles tivessem exumado o corpo, mas outra vez, eu
fui covarde. Já foi difícil demais contar o que aconteceu comigo.
- Se Charlie não foi enterrado porque eu sonho com
isso? Porque eu sonho que minha mãe estava lá?
- sua mente cria imagens para preencher as lacunas
do que você esqueceu – falou Dr. Bryan. Algumas parte de suas lembranças são
falsas.
- nossa mãe não sabia de nada – falou Lea – Sei
disso. Na verdade ela me ajudou muito nessa transição. Ela me ajudou a ser
mulher mesmo depois do abuso.
- porque ela não veio me ver? O que ela tem contra
mim? Eu sinto falta dela.
- Não estou te jugando Max, mas você fez coisas
duvidosas no passado. Você não pode simplesmente esperar que ela te perdoe de
uma hora para a outra.
- ela é minha mãe. Esse é o trabalho dela.
- o problema é que ela nunca te considerou um filho.
- do que está falando?
- não quero te magoar, mas ala não queria te adotar.
Ela nunca quis. Ela nunca se conectou com você. Foi o papai que queria um
menino. Então ela concordou com a adoção para agradá-lo.
- ela te disse isso?
- sim. Eu insisti para que ela deixasse você ir no funeral
do papai e foi isso o que ela me disse. Ela também falou sore as coisas que você
fez ao nosso pai quando descobri que era adotado. Você se revoltou e fez merda.
Eu não disse nada para não te magoar.
- é bom saber disso – falei chateado por saber que
eu nunca realmente tive uma mãe.
Sei que Lea não queria que eu me sentisse chateado,
mas eu me sentia. Sempre achei que tivesse uma mãe apesar de tudo e estava
enganado. Em meio a esse sentimento de mágoa eu sentia raiva. Sentia ódio por não
lembrar do meu passado e sentia ódio por saber que aquilo tinha acontecido com
Lea e Charlie. Estávamos todos calados e a porta se abriu. Quase não acreditei
ao ver Teddy entrar pelo porta com um sorriso.
- olá – falou ele com um sorriso.
Antes que eu pudesse pular da cama e quebrar o
pescoço de Teddy Ralf fez isso por mi. Ele foi para cima de Teddy e o jogou no
chão. Foi como um raio. Ralf em cima de Teddy e seus punhos agirão. Um soco, dois
socos, três, quatros… depois do décimo eu não contei mais. Dr. Bryan foi para
cima de Ralf e dois enfermeiros conseguiram tirar Ralf de cima de Teddy.
- seu pedófilo nojento! – falou Ralf enquanto eles o
tiravam de cima de Teddy.
Teddy levantou-se do chão com a cara ensanguentada e
olhou para Lea e depois para mim. Ele sabia que nós sabíamos. Ele saiu cambaleando
pela porta e eu soube a verdadeira razão de minha família odiar tanto Teddy. Ele
era um predador nojento.
- você me salvou – falei olhando para Lea.
- eu nunca deixaria ele fazer nada com você – falou Lea
se aproximando de mim e nós nos abraçamos.
Minha cabeça doía e meu corpo tremia de raiva. Eu
sentia coisas as quais não entendia. Tinha vontade de me levantar e eu mesmo
matar Teddy com minhas próprias mãos. Como ele pôde fazer isso com minha irmã? Como
ele pôde matar meu irmão? Que tipo de pessoa faz isso? Que tipo de doente tem
coragem de fazer essas coisas? Isso afeta a vida das pessoas no sentido mais
intenso e mais extenso que qualquer tipo de violência pode causar. Ao mesmo
tempo em que deixa a pessoa viva para sofrer a dor do abandono, da traição e do
desamor.
- o que aconteceu aqui? – perguntou a Dra. Columbus entrando
no quarto.
Ralf tentava se acalmar e Dr. Bryan conversava com
ele tentando colocar um pouco de juízo na cabeça dele. Por mais que ele
quisesse matar Teddy ele não podia fazer aquilo.
- apenas uma briga de família – falou Dr. Bryan.
- e você é?
- Dr. Bryan Roberto O’Connor. Sou Psicólogo do Max.
- veio aqui colocar um pouco de juízo na cabeça de
Max?
- mais ou menos – falou ele olhando para mim.
- estou pronto para minha cirurgia Dra. Columbus –
falei soltando Lea que ainda estava abraçada comigo.
- isso é ótimo – falou ela com um sorriso – vou reunir
a equipe e dizer que a cirurgia ainda vai acontecer agora de manhã.
- não. Eu ainda preciso fazer uma coisa. Será que
pode marcar a tarde?
- você não pode esperar mais – falou Dra. Columbus.
- ás duas. Eu prometo que ás duas da tarde eu estarei
pronto.
- tudo bem
-falou ela com um sorriso – nenhum minuto a mais – falou ela saindo do
quarto.
Quando a médica saiu do quarto o celular do Dr. Bryan
tocou e ele atendeu. Não prestei atenção na conversa porque Lea e Ralf voltaram
a se aproximar de mim. Bryan então saiu do quarto para atender a ligação.
- porque você continua adiando? – perguntou Lea.
- porque não faz logo essa cirurgia? – perguntou Ralf.
- eu preciso fazer uma outra coisa antes – falei segurando
a mão de Ralf – nós precisamos fazer uma coisa antes – falei levando a mão dele
até meu rosto e dando um beijo. Ralf acariciou meu rosto com o dedão.
- Max… – falou Dr. Bryan voltando para o quarto
parecendo nervoso
- o que aconteceu? – perguntei preocupado.
- desculpa interromper a conversa de vocês, mas era Rupert
com quem eu estava falando.
- o que foi? – perguntei ansioso – aconteceu alguma
coisa? ele está bem?
- sim. Ele está bem e encontrou outro doador.
Seguidores
Contato
CAPÍTULOS MAIS LIDOS DA SEMANA
-
CAPITULO 26 O médico me disse que a única saída seria a cirurgia, mas os riscos tinham duplicado. Eu tinha decidido não arriscar. E...
-
UMA NOITE MUITO DIVERTIDA capítulo vinte E stávamos no bar a mais de uma hora. Como Arthur tinha dito ele ...
-
RENASCIMENTO capítulo dezoito E stava tendo um sonho colorido até demais para mim. Parecia um carnaval de animais. Anda...
-
C apítulo Trinta e Doi s MELANCOLIA E ra sexta-feira. Faltava um ...
-
CAPITULO 23 Jake tinha me ligado dizendo que o assassino de Kenny tinha se entregado. Eu nem acreditei quando ele disse: Rup...
-
TODOS IRIAM INVEJAR capítulo onze P or mais que eu não quisesse ter contato com Charley eu tive que eng...
-
MINHA SEGUNDA CHANCE capítulo vinte O filme estava chato como sempre. Era assim que eles queriam nos entr...
-
PARA ACESSAR A PÁGINA DE PERSONAGENS ACESSE A GUIA ' PERSONAGENS + ' NO ALTO DA PÁGINA OU CLIQUE AQUI . capítulo treze...
-
PARA ACESSAR A PÁGINA DE PERSONAGENS ACESSE A GUIA ' PERSONAGENS + ' NO ALTO DA PÁGINA OU CLIQUE AQUI . capítulo quato...
-
C apítulo Vinte e Set e A ESCOLHA N ão existem decisões erra...
Minhas Obras
- Amor Estranho Amor
- Bons Sonhos
- Crônicas de Perpetua: Homem Proibido — Livro Um
- Crônicas de Perpetua: Playground do Diabo — Livro Dois
- Cruel Sedutor: Volume Um
- Deus Americano
- Fodido Pela Lei!
- Garoto de Programa
- Paixão Secreta: 1ª Temporada
- Paixão Secreta: 2ª Temporada
- Paixão Secreta: 3ª Temporada
- Paixão Secreta: 4ª Temporada
- Paixão Secreta: 5ª Temporada
- Paixão Secreta: 6ª Temporada
- Paixão Secreta: 7ª Temporada
- Príncipe Impossível: Parte Dois
- Príncipe Impossível: Parte Um
- Verão Em Vermont
Max Siqueira 2011 - 2018. Tecnologia do Blogger.
Copyright ©
Contos Eróticos, Literatura Gay | Romance, Chefe, Incesto, Paixão, Professor, Policial outros... | Powered by Blogger
Design by Flythemes | Blogger Theme by NewBloggerThemes.com
Cara, eu te amo kkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirRapaz....quem é esse outro doador? Alguém de outro conto como o Rupoert? Podia ser o irmão dele querendo perdão pelo q fez com o Grifin. É esse tio/mostro? Pq se aproximou do Max? Aguardando mt os próximos capítulos.
ResponderExcluirRapaz!!! Quem será esse doador? Alguém do outro conto como o Rupert? Será q o irmão dele querendo se redimir pelo q fez com o Griffin? É esse mostro do Teddy? Pq ele se aproximou do Max? Aguardando mt o próximo capítulo.
ResponderExcluirGente do céu... E eu, em minha inocência, achando pelo título que o monstro seria algo relacionado ao herói. Escritor, você é de uma impressionabilidade absurda. Tenho que revelar uma coisa: leio esse conto sempre esperando pelo momento em que Max irá se desvirtuar de seu herói. E, pelos ceus, não faça isso. Por favor! Tão com uma relação tão bonita, há uma incondicionalidade tão grandedo soldado para com ele que, se isso acontecer, juro que será a maior decepção lítero-amorosa de minha vida. :/
ResponderExcluirA.
Já percebi que esse novo doador é um dos Pais Biológicos do Max, e tenho certeza que o Homem que estava no carro com ele, é o pai dele xD penso que seja isso, por qual outro motivo a esposa dele pediria para que o Max Ligasse? (é mais provável que o doador seja a Mãe, pois acho que o Pai ainda está em coma)
ResponderExcluir